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MUITO

CRÔNICA: Hedonismo crônico

Por Clara Cerqueira

24/01/2021 - 7:00 h
Arte: Carapiá | Grupo A TARDE
Arte: Carapiá | Grupo A TARDE -

A essa altura do campeonato, eu só queria um vício para chamar de meu: meu conforto, minha alegria, meu momento de alienação profunda, minha válvula de escape, meu prazer agudo e minha certeza crônica de que se tudo der errado, ao menos tenho um bom e velho hábito a que sempre posso recorrer.

Falando assim até parece que estou em busca de uma religião, de um Deus ou de qualquer coisa que o valha, mas a verdade é que, embora de fato existam paralelos possíveis entre religião e vício, se há de convir que a primeira demanda muito mais comprometimento que o segundo. Com isso quero dizer que não estou disponível para as demandas do sagrado e seu eterno culto à dor, prefiro mesmo ficar com o lépido profano, desejando tocar suavemente o amor em uma taça de vinho branco. Taí, se Baco ainda fosse um Deus disponível, talvez me atrevesse a cultuá-lo, mas não é o caso e é melhor deixar isso para lá, essa coisa de Deus greco-romano, já viu, uma hora degringola e vira mais um banho de sangue. E de sangue estamos bem servidos, obrigada.

A moral e os bons costumes me impediriam de continuar essa comparação, mas sejamos como Sade e deixemos os tabus de lado. É bem verdade que ambos, religião e vício, têm efeitos colaterais perversos – depois do vinho vem a ressaca, e com a prece vem a culpa, além de uma hipocrisia cuja existência parece inexorável aos religiosos de plantão. Pessoalmente, não sou muito apegada à ressaca e por isso meu hedonismo clama por um outro tipo de vício, de preferência sem efeitos colaterais hepáticos – tenho a impressão que o fígado sofre tanto por motivos etílicos quanto espirituais, e considero o meu bastante sensível.

Como então obter o prazer e o gozo? Como atingir o clímax efêmero da existência algumas vezes ao dia, se não através da satisfação de um vício? O personagem do próprio Sade mistura bem o prazer, o vício e a dor numa experiência quase religiosa, mas não é de sexo sadomaso que estou precisando, eu acho. Gostaria de algo mais próximo ao cigarro, mas infelizmente a nicotina não surte o efeito desejado. Invejo os fumantes com seu prazer na ponta dos dedos, deixando entrar nos pulmões a felicidade de um instante de paz.

Mas o cigarro causa câncer. É verdade, o cigarro causa câncer, assim como viver na cidade, como consumir comida industrializada, ou plantada no Brasil, por exemplo. Se duvidar, um morango cultivado aqui é mais cancerígeno que um miojo. Pronto, macarrão instantâneo é uma forma de atingir o ápice de satisfação diária que preciso (me julguem!), a comida de uma maneira geral é uma boa saída, mas um prazer assim tão básico esbarra no meu hedonismo mais para universalista: eu não posso obter todo o prazer que a comida pode me dar, em um país em que grande parte da população morre de fome. Culpa católica? Provavelmente, mas a filosofia também explica.

Nesse sentido, talvez um prazer abrasivo seja mais efetivo, digo, na obtenção do prazer puro e simples, e então tenho que voltar a Sade e começar a pensar nele com mais carinho, afinal, a perversão é um sentimento muito mais produtivo que a culpa, e o sexo pode ser muitas coisas, principalmente quando envolve apenas o que está ao alcance de uma das mãos. Não que a masturbação seja um ato essencialmente sádico, não é isso, mas entre as quatro paredes da minha caixola craniana posso muito bem também brincar de amor e dor.

É isso então, está decidido, tomarei o caminho da masturbação diária e irrevogável como remédio contra a dor constante de viver onde e quando vivemos, uma siririca filosófica em que espero encontrar o sentido da vida nesse mundo. Um hábito bom, bonito, barato e até bem pouco viciante, dizem. E sim, quando me julgarem, direi que eu poderia estar fumando um cigarro.

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