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MUITO

Crônica: No rancho do Regalo

Por Franklin Carvalho

30/01/2022 - 6:00 h

A árvore é tão elegante que distribui os seus galhos em frações de ângulo, para equilibrar o peso sobre o seu corpo, e o tronco não verga, não tomba. A copa quase forma um círculo, e as folhas e os ramos também compõem o baile aéreo, expandindo-se somente no esquadro milimetricamente calculado. Que cérebro comanda isso? Onde reside a inteligência da planta?

Entro em casa e, no banheiro, salta sobre a minha perna a jia que espreitava no frio azulejo. É jia ou rã? Ela ri, enquanto indago.

Na sala, cercam-me os gatos para conferência. Nenhum bicho se parece mais com uma cobra do que um gato. A mesma cabeça triangular, os mesmos olhos verdes, o corpo que brilha, o jeito esguio e sinuoso de escapar dos apertos e o surgimento mal-assombrado em lugares imprevisíveis. Nenhum animal mais egoísta, bajulador e ardiloso, nenhum mais traiçoeiro com os da sua própria laia, nenhum mais humano. E eu tenho dois.

Pergunto aos gatos como põem no mundo os filhos para que estranhos os sustentem. Sabem que as crias não caçam para comer, que dependerão dos homens, mas, mal as desmamam, desprezam os filhotes à caridade alheia, malandros.

Mais tarde, o professor Elinho chega com um cesto de histórias da vila do Quererá. Uma raposa raquítica ronda a vila, e à noite as veredas têm estranhas aparições, que escondem o rosto justamente porque são humanas, porque um dia, de dia, foram homens, moças, velhos, moços e se perderam ou perderam a vida antes do que esperavam.

A raposa apareceu pela primeira vez há muitos anos, conta Elinho. Naquela época as covas do cemitério da vila afundavam, e foi necessário chamar uma missão de padres para benzer o sítio dos ausentes. Não foi tudo isso um tatu, professor? Não era o Anhangá, entidade índia? Eles que devoram defuntos. Elinho não entra em detalhes, mas diz que houve paz por muito tempo, depois da missão, e agora voltam os espantos, justamente quando os homens derrubaram o muro do cemitério para ampliar o terreno. O Quererá toca a chamar o vigário, mas o padre quase descrê. Estão nessa luta.

À noite, a vizinhança do rancho do Regalo senta na porta de casa, vendo os carros que trazem nuvens de poeira e são as notícias. Um homem vai devagar, um cachorro vai devagar, um burro vai devagar. A essa hora, a estrada de barro é mesmo mais fresca que as casas de alvenaria. Abro o portão e os gatos fogem para o mato mais escuro, procurando algum canto entre a lua e Nova York.

Facilmente me acostumo com o absurdo, e também me demoro do lado de fora. Agora sou mais um como estes daqui, a contemplar a noite sem novidade nenhuma.

Franklin Carvalho é autor de Eu, que não amo ninguém (Ed. Reformatório)

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