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15/10/2023 às 6:00 | Autor: Evanilton Gonçalves*

MUITO

Crônica santiaguina

Voei para Santiago como quem se ergue dos escombros

Imagem ilustrativa da imagem Crônica santiaguina
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Desde que minha amiga Vanessa se mudou para o Chile em 2015, logo após nos formarmos em Letras pela Ufba, prometi visitá-la. Lá se foram oito anos até que finalmente consegui juntar uma grana e desembarcar em Santiago. Queria lhe dar um abraço, também abraçar Javier, seu companheiro (a quem devo minha paixão por Mário Benedetti), erguer o pequeno León, filho deles prestes a completar dois aninhos de vida. Enfim, colocar a conversa em dia e matar a saudade. Dona Dilma, mãe de minha amiga, chegou por lá no período em que o mundo sofria do mesmo mal comum e invisível. Foi ajudar na chegada do neto. Segue lá com o coração quente em um clima frio. À noite nos juntávamos todos para a boa prosa regada a vinho.

Penso no nome da mãe de minha amiga, a figura da ex-presidenta Dilma ressurge com sua altivez, e junto vem todo aquele cenário nefasto, espécie de rascunho do mapa que conduziu uma grande parte da sociedade brasileira ao horror em seu estado mais bruto, aquele que, enfurecido como um monstro, tentou nos convencer de que éramos todos monstros. Para nosso bem, todo mal tem um fim.

Voei para Santiago como quem se ergue dos escombros, limpa a poeira dos ombros, e dois passos depois já sorri para o céu azul como se a vida fosse uma caminhada tranquila no parque. Acho que a sensação de bem-estar faz logo com que a gente queira deixar de pensar na desgraceira que nos dominou no passado e parecia não ter fim. A cada recuo no tempo, as aflições se revelam impossíveis. Mas lá estávamos nós, ou nossos parentes, ou nossos amigos, ou completos desconhecidos que tiveram que se virar diante da imposição da história sendo construída sobre seus corpos. A melancolia deste parágrafo se deve à minha visita ao Museo de la Memoria y Derechos Humanos. Quero dizer, ao impacto de percorrer à linha do tempo da ditadura chilena por meio de fotos, vídeos e textos. A pergunta do museu ainda ecoa em mim: ¿Qué pasa si olvido? (O que acontece se eu esquecer?).

Chegamos perto do dia 11 de setembro, data que marca os 50 anos do golpe militar chileno. As Festas Pátrias estavam logo ali, bandeiras do país penduradas, e em todo canto só se falava no dieciocho, quando o povo faz churrasco e bebe muito: terremoto, piscola, vinho e, claro, cerveja. O predomínio da roupa preta me parecia um pacto silencioso de moda, porém nas ruas e nos metrôs o povo seguia animado para comemorar a independência do país. Forasteiro que eu era, tinha os olhos sempre surpreendidos com a exuberância da Cordilheira dos Andes coroada de neve.

Vanessa havia preparado um roteiro para nos ajudar nas andanças pelos museus, cerros e parques. Fizemos nossos ajustes e o devir cuidou do resto. Até na neve caminhamos (pela primeira vez na vida), quase imobilizados pelas toneladas de roupas. Como é que se vive assim? Aí lembrei dos indígenas Selk'nam.

A boa coincidência fez com que eu encontrasse a escritora Nathallia Protazio por lá e, cronistas que somos, experimentamos o domínio da culinária peruana, batemos pernas pela imensa Avenida Libertador Bernardo O'Higgins, pelo Parque Florestal e Quinta Normal, tentando entender o que Santiago tinha a nos dizer.

Sim, Neruda, Gabriela Mistral, mas queria era descobrir a literatura feita nesse tempo em que respiro sobre a terra. Recebi boas indicações. Busquei livros. O peso chileno estava pesado para minhas economias. Mesmo assim cumpri o papel de bom turista e fui nos lugares “imperdíveis”. Foi bom. Viajei de férias. Estava junto com minha companheira (nossa primeira viagem internacional juntos). Ao piscarmos os olhos, os cerca de 15 dias em que passeamos já tinham virado memória. Hoje passei pela Rua Chile, aqui em Salvador, e lembrei de tudo isso.

*Evanilton Gonçalves é autor de O coração em outra América (Paralelo13S)

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