ABRE ASPAS
Desafios e oportunidades para o Brasil na COP27, por Marcela Pitombo
Para advogada, COP27 é “um momento para ficar atento ao que está sendo apresentado pelo atual governo"
Por Gilson Jorge

Até a próxima sexta-feira, líderes do mundo inteiro reúnem-se no Egito durante a 27ª edição da Conferencia da ONU sobre mudanças climáticas, a COP27. Pela primeira vez, o Brasil participa do evento com duas delegações. A do Governo Bolsonaro, criticado em todo o planeta pela sua performance na gestão ambiental, e a do presidente eleito Lula, convidado assim que saiu o resultado do segundo turno. Para quem não se lembra, Salvador esteve a ponto de sediar a COP25, em 2019, mas a falta de interesse do governo federal levou o evento para Madri.
Para falar sobre a importância do que se discute neste momento no Norte da África e os seus reflexos no Brasil, entrevistamos a advogada Marcela Pitombo, consultora em créditos de carbono, negócios verdes e PSA (pagamento por serviços ambientais). De acordo com ela, a COP27 é “um momento para ficar atento ao que está sendo apresentado pelo atual governo, exposição do que foi implementado e resultados, mas também observar a participação do futuro governo, que deve sinalizar as diretrizes e o tom das novas políticas ambientais para os próximos anos”.
A COP27 acabou ganhando uma relevância maior para a gente aqui no Brasil, uma vez que Abdul Fatah Khalil Al-Sisi, presidente do Egito, país anfitrião, convidou o presidente eleito Lula para participar do evento. Por que a presença do Brasil nessa cúpula é importante?
O potencial do Brasil como gerador de recursos naturais e indutor de matriz energética limpa transcende às discussões e escolhas políticas internas. A projeção é de que haja maior abertura para diálogo e fluidez para oportunidades de cooperação internacional, a exemplo dos EUA e alguns países da Europa, além da perspectiva de possível avanço do Acordo Mercosul e União Europeia. Vale lembrar que essa COP também contará com o ineditismo da presença de representantes da atual gestão, ao mesmo tempo em que estará o governo de transição.
Então, é um momento para ficar atento ao que está sendo apresentado pelo atual governo, exposição do que foi implementado e resultados, mas também observar a participação do futuro governo, que deve sinalizar as diretrizes e o tom das novas políticas ambientais para os próximos anos. Há ainda expectativa de que o presidente eleito anuncie um novo cargo de Autoridade Nacional do Clima e uma proposta para que o Brasil possa sediar uma das próximas COP.
Quais foram os resultados da COP26 em Glasgow, na Escócia?
Apesar dos esforços, o saldo da COP 26 não foi satisfatório, potencializado pela conjuntura pandêmica. Resultou em decisões com baixa efetividade prática, com a celebração do Pacto Climático de Glasgow, onde os países-membros concordaram em se empenhar para mitigação nas NDCs (sigla em inglês para Nationally Determined Contribution), a fim de conter o aumento da temperatura média global em até 1.5°C, por meio da redução das emissões de gases de efeito estufa (GEE) em 45% até 2030 com relação a 2010.
Fala-se muito do Mercado de Carbono. Como esse mecanismo funciona na prática?
A lógica do Mercado de Carbono parte da premissa de que a emissão de GEE é danosa para a sociedade e para o meio ambiente, por isso, é chamada de externalidade negativa. O mercado de carbono é um incentivo econômico, e seus instrumentos de precificação cumprem seu objetivo ao estabelecer um preço em uma externalidade negativa, que são as emissões de carbono.
Portanto, são criados incentivos econômicos que tornam vantajosa a redução dessas emissões, trata-se, portanto, de uma política de incentivo, pautada em premiar aquele que contribui para a redução das emissões, em caráter complementar à lógica concentrada em comando e controle. Isso traz competitividade para os setores que investem em soluções sustentáveis, em tecnologia de baixo carbono, além de criar um novo nicho de oportunidades setoriais.
Atualmente, existem 65 países ou regiões no mundo com precificação de carbono. Os vizinhos latinos México e Colômbia estão mais avançados neste tema, além da própria União Europeia. Um crédito de carbono representa uma tonelada de carbono equivalente não emitida na atmosfera, contribuindo diretamente para a diminuição do aquecimento global. Os créditos de carbono são considerados commodities, que são mercadorias negociadas a preços internacionais, estabelecidos de acordo com a demanda e a concorrência.
O intuito é reduzir a emissão coletiva mundial a partir de iniciativas alinhadas ao Acordo de Paris e outros compromissos internacionais. Em 2020, por exemplo, o preço de um crédito de carbono estava avaliado em pouco mais de US$ 3; em 2022, já chega a ser negociado a US$ 10. Este crédito pode ser comercializado entre empresas de um mesmo país, de empresa para consumidor, entre países, e também entre empresas de diferentes regiões.
Como está a implementação do mercado de carbono no Brasil?
Ainda não temos um mercado regulado de carbono. Existem projetos de lei nesse sentido em tramitação, como o Projeto de Lei nº 528/2021, apensado ao PL nº 290/2020 e ao substitutivo PL nº 2.148/2015, que propõem instituir o Mercado Brasileiro de Redução de Emissões (MBRE) e criar o Sistema Nacional de Registro de Redução e Compensação de Emissões de Gases de Efeito Estufa. A perspectiva é de que a tramitação avance no primeiro semestre de 2023. Além disso, o advento do Decreto Federal nº 11.075/2022, publicado em maio deste ano, que estabelece os procedimentos para a elaboração dos Planos Setoriais de Mitigação das Mudanças Climáticas e institui o Sistema Nacional de Redução de Emissões de Gases de Efeito Estufa, estrutura as diretrizes para a implementação do futuro mercado de carbono no Brasil, e deve ser apresentado na COP27 como uma prévia para os investidores interessados de como será implementado esse mercado no Brasil.
Qual a dimensão da importância da participação brasileira nessas discussões?
Apesar dos desafios, essa também é a COP das oportunidades, e o Brasil é peça fundamental para figurar como protagonista dos debates, projetos e programas, no intuito de trazer soluções baseadas na natureza (NBS) para combater o aquecimento global e os desafios climáticos, de forma concertada, colaborativa e impactante. A exemplo da sua projeção para geração de aproximadamente 1 bilhão de créditos de carbono de toneladas de CO2, com receitas da ordem de US$ 100 bilhões até 2030.
Para além da inegável capacidade para sequestrar carbono, o Brasil também é grande detentor de recursos naturais, com área de floresta equivalente a 58,5% do seu território, cobrindo uma área de 497.962.509 hectares, sendo, desse total, 98% correspondente a florestas naturais, segundo dados fornecidos pelo Sistema Nacional de Informações Florestais do Serviço Florestal Brasileiro. Para as florestas plantadas, são mais de 9 milhões de hectares de produção que absorvem 1,88 bilhão de toneladas de CO2 da atmosfera; 37 mil hectares de vegetação nativa em recuperação ou incremento e 6,05 milhões de hectares de vegetação nativa conservada ou recuperada.
Do que foi discutido até agora no Egito, o que é possível ressaltar?
A COP27, que começou no dia 6 e vai até dia 18 de novembro, conta com estande expositivo do Brasil onde já passaram representantes de diversas delegações estrangeiras, como Estados Unidos, México, Egito, Suécia, Coreia do Sul, Colômbia, Alemanha, Escócia e Omã. No dia 8 de novembro, foi apresentado o programa Escolas+Verdes, implementado pelo Ministério da Educação em parceria com o Ministério do Meio Ambiente para promover a sustentabilidade nas escolas.
Na programação do dia 9, o debate tratou das medidas adotadas pelo Brasil para o setor agrícola, como o Plano Setorial de Mitigação e de Adaptação às Mudanças Climáticas para a Consolidação de uma Economia de Baixa Emissão de Carbono na Agricultura (Plano ABC), adotando tecnologias para diminuir o impacto ambiental na agropecuária, que nos últimos anos chegaram a 52 milhões de hectares, possibilitando a redução de cerca de 170 milhões de toneladas de dióxido de carbono equivalente. Na oportunidade, o BNDES também anunciou um novo fundo de financiamento para a redução das emissões de gases de efeito estufa, incluindo países doadores, setor privado e fundações.
A parceria Scaling Climate Action by Lowering Emissions (Scale) fornecerá subsídios para reduções de emissões e expandirá as fontes de financiamento. Outra novidade anunciada durante a COP é que a Alemanha confirmou a liberação da verba para o Fundo Amazônia ainda este ano, ao mesmo tempo em que foi julgada no STF a Ação de inconstitucionalidade por omissão, que determinou a adoção das medidas administrativas necessárias pela União para reativação do fundo no prazo de 60 dias.
O Brasil vem diversificando suas fontes de energia, com o mercado de usinas eólicas e solares e está implementado projetos de hidrogênio verde. Estamos avançando o suficiente?
O Brasil é um grande indutor de energia limpa e potencial player para assumir a liderança no mercado global de carbono e finanças verdes. Iniciativas como a instalação da primeira fábrica de hidrogênio verde do Brasil, no Polo industrial de Camaçari, com investimento anunciado de US$ 120 milhões (R$ 620 milhões), tem projeção para produzir 10 mil toneladas de hidrogênio verde e 60 mil toneladas de amônia verde apenas no primeiro ano de funcionamento, é uma das apostas. Além disso, programas inovadores com escopo de NBS – soluções baseadas na natureza e Pagamento por serviços ambientais e o acervo jurídico robusto devem compor a carteira de apresentação e a vitrine do Brasil para o mundo, que tem orgânica capacidade de despontar como líder na agenda ambiental global.
Como está a legislação ambiental baiana?
A Bahia é uma das pioneiras nesse tema aqui no Brasil. Ainda não existia a Lei Federal, que é de 2021, e a Bahia tem essa legislação ambiental que é de 2015. É um estado vanguardista. Mas também temos programas sendo desenvolvidos em Minas Gerais e em Bertioga, no interior de São Paulo, por exemplo.
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