MUITO
Desenvolvimento é coisa de mulher
Fica difícil comemorar quando a gente lembra que vamos precisar de 134 anos para atingir a plena equidade
Por Daniela Castro*
Amanhã, 26 de agosto, é o Dia Internacional da Igualdade Feminina. A data foi criada na década de 1970, nos Estados Unidos, em alusão à emenda constitucional que havia garantido às mulheres o direito ao voto, em 1920 – por aqui, isso só aconteceria 12 anos depois.
É um marco histórico importante, lá e cá? Sem dúvida. Mas fica difícil comemorar quando a gente lembra que vamos precisar de 134 anos para atingir a plena equidade, segundo o Índice Global de Disparidade de Gênero, estudo realizado pelo Fórum Econômico Mundial, que desde 2006 acompanha esse cenário com foco em quatro aspectos: participação econômica, representatividade na política, nível educacional e saúde.
Não precisa nem fazer conta pra saber que nem eu nem você estaremos aqui pra ver essa mudança se concretizar. Mas, e aí, a gente senta e chora? Não mesmo. Conversei sobre isso com Maíra Kubik, atual chefe do Departamento de Estudos de Gêneros e Feminismos da Universidade Federal da Bahia, que compartilhou seu ponto de vista sobre essa realidade.
“Não estamos aceitando passivamente essa estrutura que parece nos imobilizar. Não é terra arrasada, ainda estamos em disputa. Mas precisamos avançar”, garante. Ela é autora do livro Atuar como mulheres: um olhar sobre a política institucional (2020), que pôs uma lupa sobre a bancada de mulheres do Congresso Nacional.
Do papo sobre a experiência de Maíra no campo da política, dois pontos se destacam. “Não podemos dizer que há uma representação das mulheres. Não existe uma figura capaz de representar todo um coletivo. Há uma diversidade de presenças e ideias, hoje é muito evidente que temos que falar no plural”, diz a pesquisadora.
A outra questão estará na nossa agenda daqui a pouco mais de um mês, no dia 6 de outubro. “O período de eleições sempre traz questões que escancaram a desigualdade que já é realidade na sociedade. O sujeito hegemônico é o homem branco, heterossexual e detentor de uma certa renda. E, mais do que para as candidaturas, é preciso olhar para quem se elege”, lembra Kubik. Então, se você quer mudar, preste atenção em quem vota.
Furar a bolha
A estratégia de buscar atalhos para se inserir em ambientes historicamente negados às mulheres também vale quando o assunto é participação econômica. Sobre isso, eu bati um papo com Itala Herta, consultora e fundadora da Diver.ssa, organização que atua na promoção de aprendizagem e bem-estar para mulheres empreendedoras.
Uma pesquisa recente do Sebrae, realizada com base em dados do Banco Central, revelou que mulheres donas de pequenos negócios têm mais dificuldade de acesso a crédito e, quando conseguem, pagam juros maiores. Isso, veja bem, apesar de a taxa de inadimplência ser menor entre elas.
“É uma grande incoerência. A gente cresce sendo educada para cuidar e servir e não para administrar, enquanto os homens crescem com a perspectiva de prover e gerir. Mas a realidade mostra que a mulher tem uma enorme capacidade de gestão e, quando tem acesso a investimentos, impacta toda uma cadeia. Isso é ótimo quando se fala em regeneração econômica”, avalia Herta.
Para virar o jogo, ela acredita que não basta as mulheres acumularem uma coleção de certificados de cursos e treinamentos se isso não abrir portas para o exercício do poder econômico. “O Brasil é um país que só dá crédito a quem já tem dinheiro e a burocracia é muito machista. Precisamos aprender a decifrar esses códigos, deixar a mulher apta a ter acesso a crédito e saber lidar com dinheiro e, assim, furar a bolha”, afirma.
Para acontecer a transformação, precisamos pensar em mudanças estruturais nos campos público e privado que enxerguem a equidade de gênero com uma questão de reparação social. Se não temos aqueles 134 anos para esperar, o compromisso – de homens e mulheres – deve ser o de construir um legado de transformação positiva para as próximas gerações.
*Daniela Castro é jornalista, mestra em Cultura e Sociedade e criadora da Inclusive Comunicação. Ela assina a coluna Plural sempre no último domingo do mês.
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