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20/05/2019 às 13:56 • Atualizada em 20/05/2019 às 15:42 | Autor: Bruna Castelo Branco

MUITO

Designer baiano ganha o mercado de móveis

Designer mobiliário Aristeu Pires.
Designer mobiliário Aristeu Pires. -

De Campo Formoso, no sertão da Bahia, Aristeu, 64 anos, lembra do mandacaru do quintal do avô. Na década de 1960, nos tempos de menino, ele gastava boas horas ali, perto da planta, contente com a natureza que o semiárido pode dar. Mais de 40 anos depois, bem longe de onde se descobriu gente, quis chamar um cabideiro que desenhou de mandacaru, mas outro designer já tinha passado na frente. Para lembrar o nome, pensou em chamá-lo de Abaporu, mas acabou por simplificar: “Chamei de Tarsila, por causa de Tarsila do Amaral”.

Aristeu Pires virou marca em 2002. A vida como designer de móveis começou por acaso, numa viagem que fez a Gramado. Ele morava no Rio de Janeiro e trabalhava com informática, área em que se graduou e pós-graduou. “Eu nunca mais voltei a ganhar o que ganhava naquela época, mas eu viajava muito a trabalho, era muito cansativo, sentia vontade de ter uma vida mais calma, mais simples”, conta.

Na viagem, decidiu comprar mesas e cadeiras para levar para casa. Rodou mais de 20 lojas e não encontrou absolutamente nada de que gostasse. Contou isso ao dono de um dos tantos comércios que visitou e recebeu uma proposta. “Ele me disse para desenhar o que eu queria que eles poderiam fabricar. Achei meio diferente, mas fiz”. Acabou que esses móveis nunca foram fabricados, mas abriram caminho para uma parceria maior. O dono da loja gostou tanto dos desenhos de Aristeu que propôs a ele um trabalho em conjunto: Aristeu desenhava para comercialização e ele fabricava. Aceitou de pronto.

“Voltei ao trabalho pedindo demissão, meu chefe me chamou de louco. E foi tudo muito rápido, em dois meses eu já tinha me mudado para Gramado. Hoje eu digo até que fui meio irresponsável, mas eu fui”. Mudou de casa, abriu a loja rapidinho, rascunhou mesas e cadeiras, e depois de tudo pronto uma notícia quase estragou tudo. O lojista, aquele que inventou tudo isso, deu para trás. “Ele tinha muitas encomendas de móveis sob medida e me deixou na mão, sem avisar com antecedência”.

Aristeu bateu de porta em porta em busca de algum marceneiro dono de fábrica disposto a dar vida aos seus desenhos. Não achou. “Mas não tinha mais como desistir. Precisei montar a minha fábrica. Começou pequena, hoje tem mais de 25 funcionários”.

Logo viu que não fazia mais tanto sentido manter a loja que, de início, não vendia tanto. Fechou as portas e continuou com a fábrica. Passou, pouco a pouco, a vender pedacinhos de Aristeu Pires para casas de decoração de todo o Brasil. Não demorou muito para que seu trabalho fosse levado a shoppings, restaurantes, empresas e casas – que, aliás, foi onde tudo começou. Já teve móvel na mostra CasaCor e até na final de uma das edições do Masterchef Brasil, da Band. “Uma vez que estive em Salvador, há alguns anos, vi que tinha cadeiras minhas no restaurante Soho. Sei que tem em alguns hotéis, mas não lembro quais. Acabamos também reabrindo a loja no Rio Grande do Sul”.

Uma das peças que desenhou, uma cadeira de balanço de nome Gisele, ganhou o 21º Prêmio Design Museu da Casa Brasileira em 2007. E aí foi só questão de tempo para Aristeu chegar também aos Estados Unidos. “Mostramos que aqui se faz coisa boa, e eles sabem disso”.

Sossego

Um amigo americano que morou por um tempo no Brasil, Jonathan Durling, decidiu levar a marca aos Estados Unidos. Abriu a loja Sossego, que, além de Aristeu, vende os designers brasileiros Domingos Tótora e Guilherme Wentz. O slogan é claro: ali você só encontra peças do “modern brazilian design”. No site, a cama Tulipa, vendida de várias cores, custa de 5.210 a 16.060 dólares. A cadeira Gisele, aquela premiada, vai de 5.210 a 16.060 dólares – melhor nem converter à nossa moeda quebradinha. É o produto brasileiro conquistando a terra dos ianques. “Mas percebo que, na verdade, eles não ligam se é do Brasil, compram porque gostam do produto, o país de onde veio pouco importa”, opina Aristeu.

Também no corre-corre, com a ajuda de Jonathan, conseguiu ser o primeiro designer brasileiro a participar da Feira de Design de Nova Iorque, em 2015. Este ano, Aristeu Pires estará lá novamente – não o homem, que anda muito ocupado por aqui, mas a marca. “É uma feira muito importante, uma das mais importantes da área. Profissionais de todo o mundo viajam para Nova Iorque só para isso, é enorme e sempre muito esperada. É uma forma também de nós vermos o que está sendo feito em outros países”.

Para o arquiteto e fotógrafo Bruno Ferrúcio, o sucesso de Aristeu está na beleza dos detalhes. “Tem a delicadeza do design, a beleza, mas tem também funcionalidade. Existem móveis que são verdadeiras obras de arte, mas que você não consegue usar, estão longe do uso cotidiano, são mais um enfeite na casa. No caso dele, são móveis, móveis confortáveis. Belos, mas continuam sendo móveis”.

Outra característica marcante é o uso da madeira. Ela está em tudo: nas cadeiras, poltronas, sofás, camas, objetinhos de decoração e em Tarsila, aquele cabideiro que quase foi mandacaru. No mundo dos móveis, a madeira é a maior paixão de Aristeu. É com amor que fala dela: “A madeira tem personalidade, tem que ser tratada com cuidado, tem que saber tratar de cada tipo de madeira. E elas trazem um aconchego, um calor da natureza”.

Mas esse amor vai além do aninho que só os troncos das árvores podem dar. A sustentabilidade, conceito que está virando regra nos projetos arquitetônicos dessa década, é primordial nas obras de Aristeu. “É o material mais limpo. Toda madeira que eu compro é legal e certificada pelo Ibama, de floresta de manejo. Preciso justificar mensalmente cada pedacinho de madeira que uso, cada apara, dizer para onde está indo. É muito difícil comprar madeira não certificada no Brasil, nem valeria a pena. Hoje está mais fácil comprar droga do que madeira ilegal”, brinca.

E tem também a questão do lixo. Floresta de manejo, diferente de florestas “reflorestadas”, explica ele, não gera prejuízos para a natureza. “Reflorestamento é feito com eucalipto, só coala gosta. A floresta de manejo não, a árvore é cortada quando está no ponto de cortar e depois renasce. E não gera resíduo. O lixo gerado pelo minério, que é usado em alguns designs, a gente sabe qual é… Vimos aí o que houve com Mariana e Brumadinho e tantas outras barragens que estão a ponto de explodir”.

Ao infinito e além

A arquiteta Anna Fernandes, do escritório GAM Arquitetos, trabalha com os móveis de Aristeu sempre que possível. Uma das razões é a já sabida durabilidade. “A gente gosta muito pelo design, por ter essa pegada mais nacional, com cara de Brasil, e pela qualidade. Sabemos que vai durar muito”.

Quando desenha qualquer móvel que seja, Aristeu pensa no que gostaria de ter em casa. Se não é bom para a casa dele, não pode ser bom para a de ninguém. “Uma vez fui numa loja e a proprietária disse que não gosta de nada que tem lá. Decidi nem fechar negócio com ela. Como alguém consegue vender ao cliente algo que de não gosta? Eu acho errado, muito errado, é uma mentira”. Por isso, faz questão de não seguir modismos. Na verdade, diz nem saber das tendências. “Não me interessa muito, eu só faço o que gosto”.

Projetos que criou no início dos anos 2000, como Gisele, ainda vendem bastante até hoje. Quando pensa em design, pensa no que é atemporal. “Não quero que alguém compre algo hoje e depois saia de moda e a pessoa queira trocar. O meu sonho é fazer algo que seja bonito para sempre, dure para sempre. Tem de ser infinito, é o que eu tento fazer. Se não for, não faz sentido para mim”.

O carinho que sente pelo que faz é grande, tão grande que dá nome a cada móvel que desenha. Alguns são homenagens a amigos, amigas, filhas e netas. Outros são nomes que, de algum jeito, parecem com o móvel recém-nascido. “Eu penso na característica do móvel, ‘essa característica desse móvel lembra tal pessoa’, aí dou o nome”. As cadeiras são sempre femininas. “São estruturas mais complexas, mais trabalhadas, você precisa pensar mais na hora de fazer uma cadeira do que uma mesa. Mesas são homens. Cadeiras têm que ser mulheres”.

Ainda que não siga uma estética de mercado, percebe que, quando começou, eram os móveis de designers estrangeiros que ocupavam a maior parte dos espaços das casas de decoração. “A exceção era Sérgio Rodrigues [considerado o designer de móveis que levou o design brasileiro ao mundo], é claro, que era um grande amigo meu. Mas era raro encontrar designers brasileiros nas lojas, você realmente não via muito”. Até que, lembra ele, a loja Dpot, em São Paulo, começou a vender peças exclusivamente brasileiras. Os consumidores gostaram. “O custo de importação ficou mais alto. A reedição de móveis de Sérgio foi decisiva. Além disso, a Dpot lançou o programa de TV Casa Brasil”. Com a procura, o mercado se abriu.

“E tem muita coisa boa, hoje vejo trabalhos bons de profissionais mais novos, que têm chegado agora. É claro que vejo muita coisa ruim também, vejo cópias, o que acontece em todas as áreas. Mas, no geral, fico muito feliz com esse avanço”, diz Aristeu.

Processo manual

A arquiteta Lorena Damásio acredita que, com essa abertura, cada vez mais profissionais vão optar por trabalhar com designers brasileiros. “Percebo que os clientes passaram a entender que alguns móveis são de fato obras de arte que se tornam funcionais. E fico muito feliz em ver um designer baiano [Aristeu] se destacando tanto no mercado”.

Mas móveis artesanais ainda não são para todo mundo. Os preços são mais altos e há explicação: como a produção envolve um processo manual, leva mais tempo para ficar pronta e exige mão de obra mais especializada. “Temos máquinas de corte, mas os acabamentos são todos feitos à mão, é mais trabalhado, dá para ver a diferença”. Para baixar os preços, só com muito incentivo dos governos. “Vou ter até que aumentar por agora”.

De maio deste ano até maio de 2020, móveis de Aristeu vão estar na loja Baú+, no Caminho das Árvores. A curadora do espaço, a arquiteta Ana Paula Guimarães, explica a escolha: “Um profissional baiano muito competente, com produtos lindos e confortáveis. Não conheço outro que faça algo como ele faz aqui em Salvador. Pode existir, mas não conheço”.

Pergunto se, mesmo que vez em quando, ele sente saudade da carreira na informática. Ele diz que sim. “Todo mês eu me arrependo de ter mudado”, brinca. “Quando chega a hora de fazer os pagamentos, pagar os funcionários, lembro de quando só ganhava. Só sinto falta dessa parte, mas é muita falta!”.

Aristeu admite ser um baiano ingrato. É baiano de “avó e bisavó”, mas nunca mais voltou à Cidade das Esmeraldas. Foi-se embora para o Sudeste aos 9 anos e diz não ter certeza de como a infância na Bahia influencia as suas criações, mas sente que ela ainda está lá, escondida bem no fundo. Talvez na sombra do mandacaru do quintal do avô.

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