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Eternas novidades dos antiquários da Rua Ruy Barbosa
Por Yumi Kuwano

Andar pelas ruas do centro da cidade de Salvador é uma experiência e tanto. Rica em história, cultura, informação e beleza, a região pulsa e ainda surpreende com seus detalhes e ruas estreitas. Uma dessas é a Ruy Barbosa, com seus antiquários, cheia de história para contar. O nome é por causa do famoso jurista baiano do século XIX, já que nela fica a casa onde nasceu Ruy Barbosa, hoje museu, que, segundo o Google, está permanentemente fechado.
Ademário Olímpio é dono do mais novo antiquário da rua localizado quase em frente ao número 12, o Museu Casa de Ruy Barbosa. Colecionador de arte e antiguidades ao longo da vida, ele decidiu no ano passado abrir o próprio antiquário para “compartilhar” grande parte da sua coleção. “O amante do antigo nunca deixa de comprar, então vai chegando a um ponto que, para a gente não se tornar acumulador, tem que colocar à disposição também”.
Entre cristais, porcelanas, pratarias, santos, mobília de mais de 130 anos e arte, a loja Ademário Antiguidades é um espaço aconchegante, com música ambiente em que logo na entrada é possível sentir o clima acolhedor.
Uma das salas, forrada com papel de parede vermelho, remete à elegância do passado. Nas paredes, relógios e pratos decorativos deixam o local ainda mais charmoso. Lá, Ademário mistura a antiguidade com o contemporâneo.
Beleza
Para o proprietário, dentre todos os itens, os santos do século XVIII são os mais especiais, por ser uma pessoa religiosa, mas também pela beleza das peças: “As esculturas me impressionam, porque, além de levar essa policromia, a pintura à mão, tem que ter essa delicadeza no semblante”. Mas diz que fica difícil escolher porque é amante de tudo que se encontra por ali.
“Eu sou de uma época em que não se vendiam cristais em lojas, se vendia em joalherias. Uma peça dessa precisa ser lapidada, como lapidar um diamante. Sempre gostei do antigo. É cultura, é arte, dizem que é uma cachaça, mas, para mim, é paixão”, analisa.
A clientela é variada, atende desde os mais ricos, e entre eles os que aparecem para buscar um item para expor no jantar oferecido em casa, até a senhorinha aposentada que aparece todo mês com o dinheiro contado para comprar um copo que seja. “Por isso, valorizo o amor que as pessoas têm pelo antigo”, comenta.
No meio da rua para quem vem da Praça Castro Alves, as cadeiras e algumas mobílias na calçada onde Ivan Freitas se senta para esperar compradores anunciam a loja Freitas Antiguidade, que, como ele mesmo diz, tornou-se um depósito com o passar dos 30 anos que trabalha ali.
Conforme andamos para conhecer o local, Ivan se esbarra e derruba as coisas que já tomam quase toda a passagem. Se andar é um desafio, imagina achar algo específico? “Às vezes, é difícil encontrar para servir ao cliente, tem coisas que eu não bato o olho há 20 anos”, diz ele. “Não devia nem comprar mais nada, né? Mas não consigo”.
Quando adolescente, trabalhou na Casa Moreira, que marcou época – assim como outros atuais donos de antiquário. Foi quando começou a paixão pelo negócio. Atualmente, vive em uma situação difícil pela falta de espaço e de capital para abrir outras lojas, além do sumiço de clientes: “Aqui tem coisa para mais de três lojas, mas não tenho dinheiro”.
Por causa do sumiço de turistas e da degradação da região, o local passou a ser menos visitado a cada ano. O auge vivido nos anos 1980 está muito distante da realidade, mesmo com a promessa de um Centro Histórico requalificado e glamouroso dos gestores, empresários e donos de hotéis de luxo instalados recentemente na Rua Chile.
Ter uma rua como a Ruy Barbosa no estado em que se encontra remete ao descaso ao dar um passeio por lá. Com o museu Casa de Ruy Barbosa fechado, Ademário lamenta não poder conhecer o local: “Tentei várias vezes, mas nunca tive a oportunidade de entrar na casa onde Ruy Barbosa morou. Não se tem um cuidado, uma administração olhando para a rua. Como pode acontecer isso em um local tão importante?”.
O comerciante Ivan sentiu na pele e no bolso o sumiço dos turistas. “A rua era bastante visitada pelo mundo inteiro, mas houve uma época, há pouco mais de 20 anos, que começou a decair, ficar perigosa e os turistas se afastaram. Atualmente, melhorou muito, mas a rua continua com uma fama ruim. É como dizem: notícia boa anda, a ruim voa”.
Mesmo com o público reduzido, o mais novo dono de antiquário da região não imagina lugar melhor para uma loja de antiguidades. “Eu acho que tem tudo a ver o antiquário com a Ruy Barbosa, e a Ruy Barbosa com o passado e o passado com a Bahia. Tudo culmina aqui”, diz Ademário.
Outro ponto que poderia ajudar um pouco, na opinião dos antiquários, é que apesar de algumas feiras serem realizadas, não há uma ampla divulgação, nem um apoio para o deslocamento do acervo, que pode ser um desafio para muitos, pelos objetos frágeis que possuem.
“Não é uma questão apenas de vender, é inserir na população, principalmente para os mais jovens, a cultura do antigo. A informação hoje é rápida, então educar a juventude com a nossa cultura e arte é um desafio”, completa.
Correto
Além de trabalhar com antiguidades e peças importantes da história do país e do mundo, o tipo de negócio pode ser chamado de ecologicamente correto. “Somos a favor de que as pessoas não comprem coisas novas e sim as que já existem. Já pensou se jogássemos tudo isso aqui no lixo?”, questiona Ademário.
Ele compara a descartabilidade dos produtos fabricados atualmente com o que era feito no passado: “Tudo o que você compra é para durar x anos. O que foi feito no passado, foi para durar a eternidade. Tanto que a mobília permanecia no mesmo lugar dentro de casa e dali não se tirava, porque era muito difícil mover, hoje não”.
Um dos últimos estabelecimentos da rua e dos mais antigos, a Casa San Martin Antiguidades, é também o maior antiquário, com três andares repletos de arte, mobília, porcelanas, cristais e muito mais. Um prato cheio para os apaixonados por antiguidade, e daqueles passeios que podem levar horas, então, a dica é ir com bastante tempo. O dono é San Martin, um espanhol que chegou ao Brasil em meados dos anos 1950. Trabalhou na famosa Casa Moreira, onde ficou por 30 anos. Após isso, abriu a sua própria loja.
O analista de sistema de formação, Cristiano Dotto, genro de San Martin, que tomou gosto pelo trabalho, conta que o sogro viu a região mudar da água para o vinho com o passar dos anos. “Tínhamos várias joalherias, o centro realmente era aqui”.
O público hoje é em sua maioria local e diversificado, arquitetos e decoradores quase não aparecem mais, mas conta que artistas e outros profissionais da área de cinema e teatro costumam procurá-los com frequência.
Para ele, muitos fatores contribuíram para a diminuição do movimento e do que ele chama de turismo cultural, mas faltam políticas públicas valorizando espaços como antiquários, onde se respira arte, história e cultura. “Aqui não temos uma cultura de valorizar o antigo, a maioria da população não tem muito interesse porque isso não é incentivado”.
Irreverência
Um pouco mais adiante, saindo da Ruy Barbosa, ao passar pela frente da loja Ada Tem de Tudo você verá uma placa dizendo “Live @adatemdetudo. Seguir no Instagram”, com data, horário e direito a dois números para contato.
“Eu faço minha divulgação desde sempre e agora com essa tecnologia… não sou muito boa, mas tento de tudo”, diz Ada Cajado, que abriu a loja em 1989, quando saiu do San Martin Antiguidades, onde trabalhou por sete anos, para abrir o seu próprio negócio.
Lá, Ada tem tudo mesmo. A loja pode parecer pequena, mas do outro lado da Rua do Gravatá há um galpão enorme, onde ficam as mobílias que vende, aluga, empresta e troca, aliás, tudo lá é assim: “Vem muita gente de teatro, novela, todos vêm me procurar”.
E não é apenas na montagem do cenário que ela contribui, dá uma de artista também. “Sou uma cantora desafinada e digo aos meninos que, se precisarem de uma artista sem ensaio, podem me contratar que improviso”, diz ela, que não contém as lágrimas ao lembrar da sua trajetória e mostrar o álbum, guardado com todo carinho, com fotos de personalidades como Regina Casé e Luís Miranda.
Com 61 anos, Ada, com sua personalidade forte, é conhecida por todos na região e não poderia ser diferente: é impossível passar despercebida. “Sou a rainha da sucata e da cultura”. Há 31 anos em contato com o meio artístico, essa é a parte do seu trabalho da qual mais se orgulha: apoiar a cultura.
Para ela, não tem tempo ruim. Considera que a cada dia o negócio cresce, graças ao seu trabalho de divulgação: “São anos e anos de luta, nada de braços cruzados”. E assim, entre panfletos colocados nos postes de Salvador e aparições na internet, a energia e a loja de Ada se tornam mais conhecidas por aí. Vale a visita.
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