Exposição 'O universo da mobgrafia' está em cartaz na Caixa Cultural

Como amante de plantas, o fotógrafo baiano Roberto Faria recebeu no ano passado um convite para cuidar do jardim da casa soteropolitana da cantora Maria Bethânia. A proposta foi feita por uma amiga em comum, tendo em vista a chegada da artista do Rio para passar parte do verão na Bahia. Roberto, que é dentista por formação, deu um diagnóstico sobre o que precisava ser feito, dispôs-se a cuidar pessoalmente do seu jardim, sem custos, e conheceu a cantora no fim do ano.

Acabou por lhe presentear com uma cópia do seu livro de fotografias Bahia dos Deuses e das Crenças (2017), além das impressões de dois registros fotográficos de Dona Canô feitos por Roberto na Festa do Bembé, em Santo Amaro, e também na Festa de Santa Bárbara, em Salvador.

“Ela ficou muito emocionada com as fotos da mãe”, conta o fotógrafo com 22 anos de profissão, co-fundador da Escola Baiana de Fotografia, e que nos últimos anos tem se dedicado à mobgrafia, nome que se dá aos registros fotográficos feitos com dispositivos móveis, como smartphones e tablets, e que são editados com filtros e outros recursos no aparelho.

O trabalho de Faria pode ser visto na exposição O universo da mobgrafia, na Caixa Cultural Salvador (Centro), até o dia 20 de novembro. As 150 fotografias ganharam texto de apresentação de Maria Bethânia, que também sintetizou suas impressões em comentários poéticos sobre algumas imagens.

Roberto destaca que os dispositivos mais avançados contam com câmeras que têm recursos impressionantes: "Meu celular, fininho, tem quatro objetivas e faz imagens com definição três vezes melhor do que minha câmera fotográfica, que custou mais de R$ 16 mil".

Outra vantagem destacada pelo fotógrafo é a democratização da produção de imagens, até porque mesmo com os smartphones mais baratos, que custam a partir de R$ 700, é possível tirar fotos de boa qualidade. "Fotografar com dispositivo móvel é um movimento forte no mundo”, afirma o artista.

Para a edição das imagens e aplicação de filtros, Roberto usa principalmente o Snapseed, aplicativo de edição criado em 1995 e adquirido pelo Google em 2012.

"Todo mundo tem algum potencial artístico e o celular pode ajudar a descobrir talentos", aposta o fotógrafo, que resolveu mergulhar no mundo da arte fotográfica ainda no tempo dos filmes, quando a necessidade de registrar arcadas dentárias para elaboração de próteses lhe acendeu um clique. "Muitos médicos e dentistas acabam desenvolvendo um caminho artístico”.

Professor da Universidade Federal da Bahia, o fotógrafo José Mamede classifica a mobgrafia como "a Kodak da vez", capaz de redirecionar de forma irreversível o futuro da fotografia.

"Se, antes, a mudança veio pelas mãos da praticidade no processamento da imagem, agora a transformação se dá pela portabilidade conectada dos dispositivos que criam e publicam imagens fotográficas instantaneamente, com qualidade e durabilidade que atendem do tio do zap ao galerista", compara Mamede.

Uma tecnologia que expulsou do mercado as pequenas câmeras digitais. "Agora, ou você usa o celular ou tablet, ou então compra uma câmera digital profissional ", pontua Roberto.

Desde que abraçou a fotografia, Roberto sempre teve como temáticas preferidas os retratos e as manifestações culturais populares. O ensaio de estreia aconteceu há 22 anos, na Festa de Santa Bárbara. Um movimento feito por curiosidade pessoal. De família de classe média do bairro do Stiep, ele não tinha em seu entorno um ambiente particularmente conectado com o calendário de festas da Bahia.

Outros estados

Mas essas festas e a cultura popular acabariam se tornando cada vez mais familiares para ele. E não só na Bahia. Com o tempo, Roberto passou a viajar para registrar manifestações religiosas e culturais de outros estados, como o Círio de Nazaré, em Belém.

Os ensaios Festa da Boa Morte e Noiva Yabá lhe renderam os prêmios nas categorias Street e Retrato, respectivamente, no Mobgraphia, o maior festival de mobgrafia da América Latina, promovido pelo Museu da Imagem e do Som (MIS).

O primeiro livro de Roberto Faria, Bahia de Todas as Cores, teve curadoria de Walter Firmo, vencedor do Prêmio Esso de Fotografia, em 1963. A curadoria de Bahia dos Deuses e das Crenças ficou a cargo de Ailton Sampaio. O próximo livro, que enfocará os saveiros remanescentes no Recôncavo baiano terá a curadoria de Bel Borba, integrante da Associação Viva Saveiro.