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08/09/2024 às 6:00 - há XX semanas | Autor: Pedro Hijo

MUITO

Festivais de jazz aquecem a cena musical na Bahia

Dois festivais que serão realizados neste mês na Bahia propõem unir o jazz a gêneros brasileiros

Flautista e saxofonista baiano André
Becker
Flautista e saxofonista baiano André Becker -

O percussionista começa a tocar na frequência da expectativa de quem sabe que aquele é só o começo de uma explosão sonora. O ritmo da banda que o acompanha é estruturado pela improvisação de cada integrante. O som que sai dos metais, da percussão e dos outros instrumentos do grupo ecoa no corpo de quem acompanha o show.

Esta descrição ilustra bem uma jam session num bar esfumaçado do sul dos Estados Unidos. Mas também pode retratar uma apresentação de samba num boteco da capital baiana. A relação entre o jazz e os ritmos afro-baianos é maior do que a percepção comum sugere. Além da semelhança estrutural, têm em comum a ascendência africana e o improviso como espinha dorsal.

Para além da ancestralidade em comum e das características que unem o samba e outros ritmos afro-baianos ao jazz, os gêneros têm experimentado um encontro nos últimos anos. Dois festivais que serão realizados neste mês na Bahia propõem unir o jazz a gêneros brasileiros. Um deles é estreante e pretende homenagear a ancestralidade e enaltecer o protagonismo negro na música. Trata-se do Batuka Jazz Festival, que será realizado entre os dias 13 e 22 deste mês em Salvador e Lauro de Freitas. Na Chapada Diamantina, o Festival de Jazz do Capão chega à 11ª edição nos dias 20 e 21 de setembro.

Segundo o músico André Becker, a fusão do jazz com ritmos locais que ocorre nesses eventos ganhou força na Bahia há alguns anos. “O jazz colocou estrutura na improvisação e, quando você aplica esse mesmo jazz num ritmo nosso, é possível alcançar um potencial enorme”, diz André, que é membro da Orkestra Rumpilezz, grupo que promove essa fusão.

Fundador da orquestra, o maestro Letieres Leite (1959–2021) tinha uma perspectiva potente sobre os ritmos afro-baianos. “Quero provar que a música negra do Brasil pode ser reconhecida como música estruturada e que tem seus rigores”, disse em 2019, em entrevista para a TV Brasil. Também compositor e arranjador, o músico morreu há três anos, mas deixou um legado de criatividade e excelência na música brasileira, especialmente por meio da Rumpilezz, que comemora 18 anos em atividade.

A orquestra foi batizada a partir da junção dos nomes dos atabaques rum, rumpi e lé, usados no Candomblé, com as últimas letras da palavra jazz. “Letieres conseguiu criar um gênero musical que mistura jazz com ritmos afro-baianos e depois da Rumpilezz outros nomes surgiram com a mesma proposta”, diz André. Ele cita como exemplos o grupo Pradarrum, criado pelo percussionista baiano Gabi Guedes em 2009, e a Orquestra Afrosinfônica, fundada no mesmo ano pelo maestro Ubiratan Marques.

Criador e curador do Batuka Jazz Festival, o produtor cultural Jamir Lopes idealizou o evento para unir o gênero americano com a “cultura do batuque afro-brasileira”. “Eu percebi que existiam muitos festivais que utilizavam o jazz e os ritmos africanos, mas que não colocavam o músico negro como protagonista no palco”, afirma.

O festival vai explorar desde as origens do jazz até as fusões contemporâneas com apresentações de artistas como a cantora brasiliense Ellen Oléria e os baianos Lazzo Matumbi e Gerônimo Santana. Para Jamir, um festival de jazz deve abrir espaço para diversos ritmos. “O jazz é negro como o rap, como o rock, como o maracatu, o ijexá, o samba e até a bossa nova, que foi muito embranquecida pela elite carioca”, considera.

O músico, cantor e compositor baiano Mateus Aleluia Filho é uma das atrações do Batuka Jazz Festival. O trompetista começou a carreira tocando com o pai, o multi-instrumentista Mateus Aleluia, que nos anos 70 integrava o grupo Os Tincoãs. A banda ganhou projeção nacional ao entoar músicas dos terreiros de Candomblé, das rodas de capoeira e do samba de raiz.

Para Mateus Aleluia Filho, os Tincoãs cantavam sobre a expressão mais íntima de um povo. “Era o município de Cachoeira refletido num modo único de viver, um amálgama da cultura do Recôncavo da Bahia em formato de música e expressão”, diz. No Batuka Jazz Festival, o músico pretende celebrar a ancestralidade negra. “Estou muito feliz de participar do evento porque nos convida a saldar nossos antepassados com traduções artisticamente distintas”, opina.

O conceito amplo do gênero musical americano também é algo que inspira o curador do Festival de Jazz do Capão, Rowney Scott. Para ele, a essência do jazz é a improvisação, a mesma dos ritmos africanos percussivos da Bahia. “A base do jazz é a música negra e isso encontra um eco aqui no estado”, afirma. O festival, que já levou para o Capão nomes como o cantor Ivan Lins e o percussionista Naná Vasconcelos, reúne mais de duas mil pessoas em dois dias de evento.

Esta será a segunda participação da cantora paulistana Tatiana Parra no Festival de Jazz do Capão. Desta vez, ela se juntará aos músicos Antonio Loureiro, Louise Wooley e Bruno Migotto para uma apresentação inédita. O repertório deve trazer temas instrumentais, canções autorais e versões de obras dos músicos brasileiros Léa Freire e Milton Nascimento.

Tatiana diz que cresceu ouvindo jazz e música brasileira e essas influências estão inseridas nas escolhas de repertório. "O jazz é uma música que tem uma proposta de trazer uma liberdade de improvisação, de criação melódica e de expressão e isso está muito incorporado ao meu trabalho", diz a cantora.

Para Rowney, o objetivo do festival é descentralizar eventos musicais que costumam acontecer em Salvador. “Essa é uma oportunidade que turistas e moradores do Capão têm de assistir ao vivo artistas que, dificilmente, passariam por lá”, conta o curador.

Passado e presente

Soteropolitano com ascendência escocesa, Rowney é membro fundador do Grupo Garagem, um dos principais nomes da música instrumental baiana na década de 1980. A banda era atração constante na vida noturna de Salvador e tocava em casas de eventos como Vagão e O Bilhostre, ambas no bairro do Rio Vermelho.

“A 100 Graus, por exemplo, já recebeu o multi-instrumentista Hermeto Pascoal. A noite boêmia de Paris acontecia aqui em Salvador e eu, jovem adulto, ficava da plateia vibrando”, diz o músico Ivan Huol relembrando outra casa de eventos famosa em Salvador na década de 1980.

Ivan é criador de uma das iniciativas de jazz mais reconhecidas da capital, a Jam no MAM. O projeto teve início em 1993 como uma continuação das jam sessions particulares promovidas entre Ivan e outros amigos. O Museu de Arte Moderna da Bahia (MAM) foi o segundo local escolhido pelo grupo para realizar as apresentações que, com o tempo, atraiu cada vez mais público.

O idealizador do projeto lembra que sentia resistência da diretoria do museu para realizar os shows. “No início, nos diziam que não ia dar certo por falta de público, depois que começamos a colocar duas mil pessoas para nos assistir, falavam que o projeto não podia ser lá porque dava muito público e o lugar não comportava”, conta.

Desde então, a Jam no MAM já realizou mais de 500 apresentações, somando uma audiência superior a 600 mil pessoas, e contou com participações de artistas como os cantores Elza Soares, Flávio Venturini e da Orquestra Sinfônica da Bahia. Segundo Ivan, no entanto, o próprio sucesso do projeto fez a realização semanal do Jam no MAM se tornar inviável. Por isso, atualmente, ele é organizado de forma esporádica.

Ontem, a propósito, uma apresentação fechou o mês de comemorações dos 25 anos da Jam no MAM. Para Ivan, o projeto se tornou um local de resistência. “Salvador deixou de ser esse lugar onde as pessoas aproveitam a noite para ouvir música instrumental, porque dizem que a rua é violenta, isso é uma mudança de paradigmas brutal”, opina.

Legado

Para quem não reconhece mais ou sequer conheceu a Salvador instrumental da década de 1980 narrada pelo idealizador do Jam no MAM, é preciso olhar para os palcos da Axé Music. Segundo Ivan, o movimento que dominou o mercado musical baiano entre as décadas de 1990 e 2000 absorveu grande parte dos músicos que tocavam em grupos instrumentais.

“Era uma mão de obra muito qualificada que foi chamada pelo mercado mais comercial da música de Carnaval”, lembra Ivan. Ele próprio tocou com cantoras expoentes do Axé, como Sarajane, Ivete Sangalo, Daniela Mercury e Margareth Menezes. “Isso tirou um pouco da energia da música instrumental, porque esses músicos também queriam ter o seu padrão de vida melhorado”, avalia.

Já fora desse mercado, Ivan e outros profissionais que participaram do auge do jazz em Salvador, nos anos 80, deixaram um legado no Axé de bandas que prezam pela excelência dos músicos. Segundo Ivan, outro impacto sofrido pelos grupos de música instrumental tem relação com um traço cultural do público de Salvador: “Quer sempre música de graça. É um sacrifício”.

A forma que o segmento tem encontrado para driblar essa dificuldade é a inscrição em editais para a realização de festivais, como o do Capão, o Batuka e o Salvador Jazz, realizado em maio deste ano. Para Ivan, o jazz sobrevive na Bahia por meio desses eventos e da mistura com outros ritmos. “Ele tem isso de acolher vários gêneros dentro dele, basta ter improvisação e não ser tão comercial”.

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