MUITO
Frederico Mascarenhas: "O receio do homem não é só em relação ao exame de toque, mas ao diagnóstico"
Por Gilson Jorge | Foto: Adilton Venegeroles | Ag. A TARDE
Desde o último mês de março, um grupo seleto de médicos baianos utiliza o robô Da Vinci, do Hospital Santa Izabel, para a realização de cirurgias. Um recurso que tem permitido um grau de precisão impensável nas operações feitas exclusivamente com mãos humanas. A qualidade das imagens e pinças que giram em 360 graus diminuem o risco de danos em terminações nervosas do corpo e, consequentemente, que haja sequelas. Mas isso tem um preço alto. Essa cirurgia é parcialmente coberta pelos convênios, que cobram como se fosse uma cirurgia laparoscópica. E o paciente complementa pagando pela utilização do robô e das pinças. O custo varia de R$ 8 mil a R$ 12 mil, a depender da quantidade de pinças utilizadas. E apenas quatro instituições no país fazem a cirurgia pelo SUS (Inca, no Rio de Janeiro; o Hospital de Amor, em Barretos-SP; o Instituto do Câncer de São Paulo – Icesp; e o Hospital das Clínicas no Rio Grande do Sul). Referência na utilização do robô na Bahia, o urologista Frederico Mascarenhas fala à Muito sobre as vantagens do procedimento e também tira dúvidas sobre incontinência urinária, câncer de próstata, cirurgias para mudança de sexo e faz um alerta. A maioria dos homens que se submetem ao procedimento para aumento do pênis, em cirurgias experimentais, está equivocada quanto ao que consideram ser um pênis pequeno, de acordo com o padrão do povo brasileiro.
Há uma década, o pesquisador baiano Edson Paschoalin fez um estudo com homens de Ipiaú que demonstrou haver nove vezes mais casos de câncer de próstata em negros do que em brancos. A ciência já tem a resposta sobre as razões que levariam um grupo a ter mais chances de contrair a doença do que o outro?
A única razão comprovada como fator de risco para o câncer de próstata é a hereditariedade. A maior parte dos dados que temos disponíveis para a avaliação é importada da literatura americana. O que se sabe é que a doença é mais frequente, e geralmente mais grave, em negros. Os negros americanos são provenientes de regiões diferentes da África de onde vieram os negros para o Brasil. Extrapolar os dados dos Estados Unidos para a população brasileira muitas vezes não condiz com a realidade. O estudo do doutor Edson Paschoalin nessa época foi feito na população de uma única cidade. Muito provavelmente o resultado está relacionado à ancestralidade. Um estudo melhor para avaliar isso seria baseado em genes relacionados à etnia, relacionados aos negros, aos brancos e aos ameríndios e o percentual de expressão desses genes. Quantos por cento de expressão desses genes existe em cada pessoa para, aí sim, tentar identificar qual é a real prevalência naquela etnia específica. No consultório privado, isso acaba se remetendo a uma população que tem acesso aos planos de saúde e algum dinheiro para poder pagar uma consulta. Como eu trabalhei também em serviços públicos, a população é mais negra. E, realmente, os casos mais graves e mais avançados que a gente pega são nessa população. Mas daí a dizer que no negro a incidência é mais grave do que no branco pode ser um viés de observação. A recomendação da Sociedade Brasileira de Urologia é investigar a partir dos 50 anos para quem não tem histórico familiar e 45 para quem tem. E, mais uma vez, extrapolando a literatura americana, que os homens negros façam a partir dos 45 também. Mas eu ainda tenho um pouco de restrição [ao viés racial].
O senhor sente que ainda há esse bloqueio por parte dos homens em fazer o exame?
Ainda existe um certo tabu que tem melhorado bastante com as reportagens, as campanhas do Novembro Azul, a disseminação da informação sobre a importância do rastreamento do câncer de próstata, então, tem diminuído muito, o homem fica com menos receio. Porque ele está inserido em uma população que sabe que tem que fazer, ele vai lá e faz. Mas ainda tem tabu. O receio do homem não é só em relação ao exame de toque, mas em relação ao diagnóstico. Eles optam por não se submeter a uma determinada consulta porque o diagnóstico pode ocasionar muitas mudanças em sua vida. Ter que se submeter a uma cirurgia, sair do mercado de trabalho…
Perda da virilidade?
Como eventual complicação do tratamento, pode haver interferência na potência e na incontinência urinária também. Pode acontecer, mas não é uma certeza.
No filme Minha vida sem mim (2003), o médico, abatido, se senta ao lado de uma mulher de 22 anos para informar que ela vai morrer. Como o senhor lida com essa tarefa de avisar a uma pessoa que ela tem pouco tempo de vida?
Felizmente, com os rastreamentos na área de urologia, os cânceres que a gente diagnostica, na maioria das vezes, são curáveis. Então, a gente dá um diagnóstico de câncer de próstata, mas na maioria das vezes com um horizonte de tratamento e de cura muito grande, assim como nos cânceres de rim e de testículo, claro que a depender do momento do diagnóstico. Quando, por outro lado, a gente diagnostica numa fase mais avançada, que tem impossibilidade de cura ou alta possibilidade de morte por causa do câncer, muitas vezes a gente precisa de apoio psicológico. Trabalhar numa equipe com o oncologista clínico, o radio-oncologista, o psicólogo e o nutricionista facilita muito. Porque a gente consegue dar um apoio psicológico e um suporte para o paciente enfrentar o tratamento da doença. Quando a gente trabalha com pacientes oncológicos, frequentemente a gente se depara com casos de câncer que não são curáveis. Mas também na urologia você tem um leque de tratamentos muito grande, baseados em hormônios, em quimioterapia, radioterapia ou terapia com medicamentos nucleares, que acabam dando uma sobrevida maior ao paciente. É diferente dos pacientes com cânceres gastrointestinais, que acabam morrendo muito rápido.
Quais são os benefícios da hormonoterapia?
A hormonoterapia foi descoberta mais ou menos há uns 50 ou 60 anos, quando se identificou que se fosse retirada a testosterona da circulação do homem, os cânceres de próstata reduziriam de tamanho. O câncer de próstata é dependente de um estímulo hormonal da testosterona. Quando o paciente tem impossibilidade de tratamento com intuito curativo, resta para ele fazer ou a quimioterapia ou a hormonioterapia ou os dois juntos. O que é a hormonioterapia? Ou se faz uma castração cirúrgica, tirando o testículo, que produz a testosterona, ou usa medicamentos que bloqueiam a produção da testosterona. Com isso, o homem fica com o tumor lá, mas sem a testosterona circulando ele tende a murchar ou parar de crescer. A gente pode dizer que ele tem vantagens em relação à quimioterapia porque ele é menos tóxico. O homem sente alguns efeitos colaterais. Tende a perder musculatura e ganhar gordura, diminuir um pouco o grau de atenção, ficar menos ativo, menos alerta, diminui o apetite sexual. Mas, em compensação, ele não tem os efeitos tóxicos, como queda de cabelo, náusea, vômito, lesões de pele, lesões neurológicas, que são consequências de alguns medicamentos quimioterápicos.
Tem gente que fica vendo filme e quer ter um pênis de 18 cm. A vagina tem 8 cm, não é necessário um pênis muito grande para satisfazer
A perda da testosterona acontece normalmente por volta dos 65 anos…
Naturalmente, mas há homens muito mais jovens que podem ter deficiência de testosterona, em diversos graus, mas essa deficiência não segue a mesma linha da deficiência de estrógeno nas mulheres. A mulher vai ter menopausa e vai parar de produzir estrógeno porque o ovário envelhece e não produz mais. Mas, mesmo idoso, o homem pode produzir testosterona. A partir dos 50, 60 anos, tende a haver um declínio na produção desse hormônio. Quando essa redução se traduz nos sintomas mencionados (perda de atenção, perda de memória…), a gente repõe a testosterona.
Ao mesmo tempo em que algumas pessoas têm dificuldade para controlar a micção, há uma questão: segurar a urina por muito tempo pode ser prejudicial à saúde? Qual o intervalo adequado entre as micções?
A bexiga tem uma capacidade, como um reservatório, que gira entre 350 ml e 500 ml. Isso lhe dá uma autonomia para você não ficar fazendo xixi de hora em hora. Você consegue viajar, passear, dar aula. E aí a cada três, quatro horas você vai lá e urina. Claro que essa frequência urinária está relacionada à capacidade de sua bexiga, à quantidade de líquido que você ingerir, à temperatura do ambiente em que você está e ao tipo de atividade que você está fazendo. Se você estiver deitado, assistindo a televisão e bebendo água no ar-condicionado, você vai produzir urina sem parar porque não está perdendo líquido de outra forma, não está suando. Em compensação, se você estiver na praia, jogando futebol no sol , sem beber água, você vai suar, suar, suar e não vai produzir urina quase nenhuma. Para urinar, a gente conta com a sensibilidade da bexiga. As pessoas mais idosas, diabéticas ou que podem ter perda da sensibilidade da bexiga, geralmente a gente pede que urinem a cada três ou quatro horas, independentemente de terem vontade ou não. Para evitar que hiperdistenda a bexiga e passe do ponto de controle. Quando a bexiga hiperdistende, é como se fosse uma bola que a gente estica e ela perde elasticidade. Com relação à retenção de urina, um dos maiores problemas que isso pode ocasionar é que a urina parada funciona como um meio de cultura. Tem a temperatura ideal, está cheia de matéria orgânica, uma bactéria que cai ali começa a produzir infecção urinária. Não esvaziar a bexiga é o maior fator de risco para infecção urinária.
A incontinência urinária é mais frequente em mulheres… como é o tratamento?
A gente tem, a grosso modo, dois tipos de incontinência. Uma está relacionada ao esforço físico, como tosse e espirro. Por uma deficiência do músculo que segura a urina, o esfíncter, o xixi escapa. E tem a que está relacionada à urgência urinária. Dá vontade de urinar e a pessoa não consegue segurar, o que chamamos de bexiga hiperativa. Para os casos de deficiência esfincteriana, geralmente a recomendação é cirurgia para a colocação de um esfíncter artificial ou uma faixinha de tela, quando ela não melhora com o fortalecimento da musculatura pélvica, através da fisioterapia. Nos casos da bexiga hiperativa, a gente tem também a possibilidade de fazer fisioterapia, mas também há medicamentos que diminuem essas contrações involuntárias da bexiga que dão urgência para urinar. Ou ainda a injeção de botox, que paralisa a musculatura da bexiga e diminui as contrações. E existe o neuromodulador sacral, um aparelhinho que funciona como se fosse um marcapasso para a bexiga.
Segundo a Sociedade Brasileira de Urologia, continua crescendo a busca por cirurgia de aumento peniano, mesmo em pacientes com o aparelho dentro dos padrões. Como lidar com quem está decidido a fazer o procedimento?
Toda cirurgia para aumento do pênis é considerada totalmente experimental e que só deve ser realizada em ambiente de pesquisa, com o paciente sabendo que está se submetendo a um protocolo de pesquisa, assinando um termo de consentimento. As técnicas para aumento de pênis podem trazer danos irreversíveis. Não estamos autorizados nem devemos recomendar que o paciente faça a cirurgia fora desse protocolo. Por complexo e por desinformação, muitos homens acham que têm um pênis pequeno, mas a avaliação mostra que o tamanho é adequado, dentro da média da população, que no Brasil está em torno de 12, 13 centímetros. Tem gente que fica vendo filme por aí e quer ter um pênis de 18 centímetros. A vagina tem 8 centímetros, não é necessário um pênis muito grande para satisfazer alguém. Nosso papel é desencorajar. Mas muita gente vai buscar na porta ao lado.
Tem esse fator de competição entre os homens. Não seria o caso de indicar tratamento psicológico?
Em centros universitários que realizam pesquisas com cirurgias experimentais, há uma equipe multidisciplinar, semelhante ao que se faz nas cirurgias de transexuais. Tem junto um urologista, um endocrinologista, o geneticista, o ginecologista, o psicólogo para avaliar o perfil daquele paciente, se a cirurgia se adéqua a ele, se ele tem uma disforia de gênero que dê para fazer mudança de sexo.
Há muitos casos de arrependimento após a cirurgia para mudança de sexo?
Há uma taxa de arrependimento e até de suicídio que não é pequena. Mas isso ocorre nos casos em que eles não foram adequadamente avaliados nem tiveram suporte psicológico.
No ano passado, comemorou-se uma década da primeira cirurgia do Brasil feita com um robô. E, desde o último mês de março, o procedimento está disponível no Hospital Santa Izabel. Como tem sido a aceitação?
As primeiras cirurgias no Brasil foram feitas em São Paulo, uma no Sírio-Libanês e outra no Albert Einstein, no mesmo dia. Seis meses depois, outros dois hospitais paulistanos adquiriram o robô, por disputa de mercado. Mas o processo foi ganhando espaço muito lentamente. Nos últimos três anos, isso se espalhou pelo Brasil todo. Eu comecei a fazer a cirurgia em 2014, mas eu levava meus pacientes para São Paulo. E somente agora o robô chegou a um hospital de Salvador. Para fazer a cirurgia robótica, o médico precisa passar por um treinamento e pela certificação. O processo inclui acompanhamento de pessoas que faziam a cirurgia, treinamento online através do fabricante do robô, horas de simulação, semelhante aos pilotos de avião. Depois, a gente vai para um centro de certificação, onde uma pessoa avalia se você está apto para começar a operar. Então, você opera sob supervisão de quem já operava até ser liberado para operar sozinho. O processo dura de quatro a seis meses. A certificação para médicos brasileiros acontece em Bogotá, na Colômbia. No final do ano, começa a funcionar um centro de certificação no Rio de Janeiro.
Quantas cirurgias o senhor já fez em Salvador?
O nosso grupo, com cinco pessoas, fez até agora sete cirurgias. Há cinco médicos habilitados. Eu sou o instrutor da Santa Casa para os médicos que querem se habilitar. O hospital está com 10 médicos em busca de habilitação em diferentes especialidades, não só urologia.
Para quem precisa passar por uma cirurgia urológica, quais as vantagens do procedimento robotizado em relação à cirurgia manual?
A qualidade de imagem e de movimento que o robô oferece. O robô tem uma visão tridimensional e as pinças do robô fazem movimentos sem tremor, e outros que a nossa mão não faz. Elas giram em 360 graus, o que o nosso punho não consegue fazer. A gente consegue atingir determinados locais do corpo que com a mão não conseguimos com visão. A gente atinge, mas sem conseguir enxergar ao mesmo tempo. E consegue manipular os tecidos com mais delicadeza e com mais precisão. No caso da próstata, a gente preserva mais os nervos responsáveis pela ereção e pela continência urinária. Ou seja, há menos chances de a cirurgia provocar incontinência urinária ou disfunção erétil. E é uma cirurgia que provoca menos sangramento porque é feita sob visão. Nos casos de tumores de rim, a gente consegue também preservar mais o rim com menos sangramento e com menos tempo em que ele fica sem circulação. Para a gente tirar o tumor, precisa interromper a circulação de sangue e com o robô a gente consegue reduzir pela metade esse tempo sem irrigação, reduzindo as chances de comprometimento do rim.
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