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Há 40 anos, o Olodum transformou o Pelourinho e tornou-se um emblema da cultura baiana

Por Roberto Aguiar

08/04/2019 - 9:39 h | Atualizada em 08/04/2019 - 10:11
O percussionista Bira Jackson no Pelourinho, bairro onde o Olodum nasceu
O percussionista Bira Jackson no Pelourinho, bairro onde o Olodum nasceu -

No dia 25 de abril de 1979, na casa nº 11 da Rua Santa Isabel, no Pelourinho, nascia uma pequena agremiação carnavalesca somando forças ao movimento de criação de blocos afros iniciado pelo Ilê Aiyê, em 1974, que, junto com o Alvorada, fundado em 1975, fazia contraponto a grandes blocos de trio, como Os Internacionais e Os Corujas, que dominavam o Carnaval.

Carlos Nascimento, Geraldo Miranda, José Carlos Nascimento, José Luís Almeida, Francisco Almeida, Antônio Almeida e Edson Santos da Cruz foram os sete diretores eleitos com a responsabilidade de colocar o bloco na rua.

Os ensaios abertos nos fins de semana, improvisados em uma quadra de chão de barro nos fundos do Teatro Miguel Santana, foi a forma encontrada pelo grupo para chamar a atenção da comunidade, que se identificou com o projeto. Assim, na sexta-feira de Carnaval de 1980, foliões vestidos com adereços nas cores branco e vermelho desfilaram no novo bloco afro da cidade: o Olodum.

Vocalista da banda desde a fundação, Lazinho lembra: “Dentro do grupo e da comunidade cada um sabia fazer uma coisa e foi ajudando. A fantasia, o carro de som, tudo foi feito por nós. Logo no primeiro ano, mesmo com pouca estrutura, chamamos atenção. Um bloco do povo negro, de um bairro pobre e discriminado, brincando no Carnaval”.

O Olodum conseguiu ir às ruas nos dois anos seguintes – o que não foi possível em 1983. De acordo com Lazinho, dificuldades financeiras e na organização não permitiram o desfile. Após o Carnaval, a diretoria se reuniu, avaliou a importância de reestruturar o grupo e convidar novos integrantes. Seria uma reviravolta.

Neguinho do Samba e João Jorge (atual presidente), ambos vindos do Ilê Ayê; Márcia Virgens, Cristina Rodrigues e outros ativistas ligados à luta contra o racismo aceitaram o convite e ingressaram no projeto. Na reconfiguração, o Olodum deixou de ser apenas um bloco de Carnaval para se transformar em uma organização não governamental (ONG), o Grupo Cultural Olodum.

A afirmação identitária se expressou com a adoção das cores internacionais da diáspora africana – vermelho (o sangue), amarelo (o ouro da África), preto (o orgulho do povo negro) e o branco (a paz mundial). As mulheres foram incorporadas à diretoria, com Cristina Rodrigues eleita presidente.

João Jorge, 62 anos, acredita que foi uma mudança radical: “Demos um viés cultural, social, político, ligado às pautas e lutas do movimento negro, com atividades socioculturais durante o ano inteiro”.

Projetos como Rufar dos Tambores começaram a ser desenvolvidos no bairro com objetivo de aperfeiçoar crianças e adolescentes na arte musical. A iniciativa transformou as ruas estreitas do Pelourinho em salas de aula a céu aberto. Os alunos aprendiam a tocar sob a orientação do mestre Neguinho do Samba (1955-2009). Desse projeto vieram os três atuais maestros da banda-show do Olodum: Bartolomeu Nunes, Andréia Reis e Gilmário Marques.

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Bartolomeu, hoje conhecido como mestre Memeu, há 35 anos lavava carros no Terreiro de Jesus quando foi convidado por Neguinho do Samba a ingressar no projeto. Hoje ele é o maestro nº 1 da banda-show do Olodum, composta por 19 músicos. “O Olodum mudou a minha vida, a vida de um filho de uma lavadeira e de um vigilante, nascido e criado no Maciel – Pelourinho, bairro marginalizado e visto pelas pessoas apenas como um lugar de prostituição e tráfico. Mas aqui sempre teve pessoas do bem”.

Andréia Silva, 44 anos, foi uma das primeiras mulheres a ingressar na banda. “Tinha 12 anos de idade. Devido ao sucesso da música Faraó Divindade do Egito, a meninada do Taboão organizou uma banda de lata. Ensaiávamos todos os sábados. Um dia, o mestre Neguinho do Samba passou e ouviu o som. Ficou curioso e foi ver o que era. Quando ele viu a gente ensaiando, chamou todo mundo para o Olodum”.

Apesar de no início haver “resistência e discriminação” por muitos pensarem que percussão era uma tarefa para homens, aos 16 anos Andréia passou a fazer parte da banda adulta. “ Tenho muito orgulho do que faço, me sinto vitoriosa”, reconhece.

Protesto

A experiência da Rufar dos Tambores fez surgir a Escola Olodum, com uma proposta pedagógica envolvendo cultura, educação e tecnologia numa perspectiva afirmativa da identidade negra.

Essa visão também se refletiu nas letras das músicas, tratando dos problemas que a comunidade enfrentava, ampliando as reivindicações de reconhecimento, como em Protesto Olodum, composta por Tatau: “Declara a nação, Pelourinho contra a prostituição/ Faz protesto, manifestação / E lá vou eu”.

Outra estratégia utilizada pelo grupo para chamar a atenção para as pautas políticas em torno da questão étnico-racial foi a realização de passeatas. Do Pelourinho ao Tororó, uma multidão denunciava a violência policial, reivindicava o respeito ao candomblé e à cultura negra, seguindo uma Kombi de som.

Essas ações passaram a interessar outras comunidades negras e periféricas de Salvador, movidas por uma transformação musical contagiante. Foi isso que fez a música Faraó Divindade do Egito, composta por Luciano Gomes, ser cantada pela população em 1987, mesmo sendo rejeitada nas rádios e ficado com o terceiro lugar na premiação de blocos.

O sentimento no Olodum, no entanto, era que o bloco havia vencido. E outros rumos se desenharam, de acordo com João Jorge: “Ficamos superchateados. A partir daí, decidimos nunca mais concorrer, disputar com ninguém. Resolvemos fazer o nosso trabalho. Quem não ouviu e não enxergou o Olodum continuaria cego, surdo e mudo. Resolvemos conquistar o Brasil e o mundo. Colocamos o pé na estrada”.

No mundo

A banda deu início a uma turnê nacional, com show de lançamento no Clube Periperi, ao lado da banda Os Paralamas de Sucesso. Depois, viajaram para Brasília, São Paulo e Rio de Janeiro.

Tudo isso foi potencializado com a força percussiva que expandiu a batida do samba-reggae, criado por Neguinho do Samba, para além dos limites do Pelourinho. A voz de Margareth Menezes, no disco Faraó, de Djalma Oliveira, levou a música para o mundo. Hoje ela avalia o que isso representou: “O Olodum e o samba-reggae atravessaram as fronteiras e fizeram uma revolução questionando a necessidade de termos uma visão mais justa e humana em relação às conquistas do povo afro-brasileiro”.

Para o músico e arranjador Letieres Leite (fundador da Rumpilezz), “o samba-reggae foi uma revolução que impactou a música mundial. Algo que poucas vezes aconteceu com a música brasileira. Isso fez do Olodum a grande ponta de lança, a catapulta de todo movimento musical da Bahia. É um patrimônio que eles preservam e que precisa ser reconhecido”.

Foi absoluto reconhecimento quando, em 1990, um estrangeiro chegou à casa nº 9 do Largo do Pelourinho. “Ei, tem um gringo aqui querendo falar com alguém do Olodum”, gritou uma pessoa do lado de fora do casarão. Lazinho abriu a porta e o homem se apresentou: era Paul Simon. Como o vocalista não entendia muito a língua inglesa, foi ao telefone e ligou para outro membro do grupo, que não acreditava no que tinha acabado de ouvir. Mas era verdade, o célebre cantor e compositor americano queria gravar com o Olodum.

Essa visita proporcionou que grupo cultural iniciasse um intercâmbio internacional. A banda viajou aos Estados Unidos, participou de um programa de TV e gravou The Obvious Child, do disco de Simon que se chamaria The Rhythm of the Saints. Um videoclipe da canção foi gravado no Pelourinho e exibido em mais de cem países. No ano seguinte, o Olodum foi convidado para o Festival de Arte de Nova York e realizou um show para mais de 750 mil pessoas no Central Park.

Já em 1996, foi a vez do rei do pop mundial, Michael Jackson, vir ao Pelourinho gravar com o grupo o videoclipe da música They don’t Care About Us. A indicação foi do diretor Spike Lee, após uma minuciosa pesquisa sobre som de tambores da África, Cuba e América Latina. “É um dos dias mais felizes de toda a minha trajetória nesses 40 anos do Olodum”, diz emocionado o vocalista Lazinho. “Impossível não chorar. Tudo que passamos para chegar até aqui. Não imaginava que a ideia de criar um bloco de Carnaval tomaria a proporção que o Olodum tomou”.

O grupo também foi responsável pela recepção de diversos líderes políticos em Salvador, com destaque para Nelson Mandela, líder da luta contra o apartheid na África do Sul, em 1991, e Malala Yousafzai, Prêmio Nobel da Paz, em 2018.

Além da consagração musical, o Olodum também promoveu outras expressões artísticas, com o Festival de Música e Artes Olodum (Femadum), realizado desde os anos 1980, contemplando literatura, artes plásticas e audiovisual.

No segundo semestre de 1990, em parceria com o diretor Marcio Meirelles, foi criada a companhia negra Bando de Teatro Olodum. Ao espetáculo de estreia, Essa praia é nossa (1991), seguiram-se, entre outros, o aclamado Ó paí, ó (1992), e o Bando revelaria talentos como os atores Lázaro Ramos e Érico Brás.

Além das artes, o som do Olodum também se associou ao esporte. As copas do mundo de futebol são comemoradas no Pelourinho com a Torcida Brasil Olodum há sete edições do evento.

Pirâmides da bahia

Após 11 discos gravados em estúdio, dois álbuns ao vivo e quatro coletâneas, em setembro o Olodum viaja para a China e alcança uma marca de 40 países visitados em 40 anos. A disputada Terça da Bênção, no verão, e os ensaios aos domingos durante todo o ano seguem tendo a Praça Teresa Batista como palco. E hoje são atendidos 360 alunos de baixa renda na Escola Olodum.

João Jorge arrisca uma síntese dessas quatro décadas: “Não resolvemos todas as coisas. Nem era para resolver todas. Não temos raiva nem rancor. Apanhamos. Batemos. Acertamos muito. Erramos também. Mas edificamos as pirâmides da Bahia. As pirâmides da cultura, da ciência, do encontro com o mundo inteiro”.

Entre as falhas, ele destaca a necessidade de levar o Olodum para o interior. A banda já fez shows em 25 cidades da Alemanha, mas esteve apenas em 20 municípios baianos, de um total de 417. “Isso precisamos corrigir. Este ano, queremos realizar oficinas e pocket shows em 30 cidades. O baiano tem que sentir que o Olodum é dele, hoje estamos muito presentes no Recôncavo. Temos que ir para todas as regiões”.

O presidente do grupo atribui ao Olodum o papel de força motriz nas transformações do Pelourinho e no empoderamento dos moradores através da arte: “Somos um rito de passagem entre a Bahia passada e suas dificuldades, o presente e suas dificuldades, e o futuro do mundo melhor que virá. O Olodum é a revolução da emoção. Somos uma solução amorosa, prazerosa, criativa, empreendedora, gerada na Bahia, a partir de uma população negra e mestiça. Contribuímos para a Bahia ficar mais moderna, contemporânea, plural e cosmopolita”.

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