MUITO
Hora da Criança completa 80 anos com arte e cidadania
Em comemoração aos 80 anos, aorganização vai remontar uma peça escrita por Adroaldo em 1957
Por Renato Alban

“Enquanto nós cantarmos haverá Brasil”. Gilberto Gil encerrou seu show do último fim de semana, na Concha Acústica do Teatro Castro Alves, com essa frase. A mesma citação que fez há 10 anos no Fórum Nacional, ao defender a promoção da música como política de Estado. A frase é uma citação do professor baiano Adroaldo Ribeiro Costa, fundador da organização Hora da Criança, localizada no Rio Vermelho, em Salvador, que completa 80 anos no dia 25 de julho.
Gil passou parte da infância na organização, que hoje atende mais de 300 crianças e adolescentes. Outros artistas, como as irmãs do grupo musical Quarteto em Cy, a cantora e compositora Nairzinha Spinelli e a escritora Mabel Velloso também passaram por lá. Atualmente, todos elogiam o trabalho da Hora da Criança e reverenciam a pedagogia proposta por Adroaldo.
O objetivo da organização, no entanto, sempre foi além da formação de artistas, como explica o sobrinho de Adroaldo, o médico e poeta Aramis Ribeiro Costa: “A ideia dele não era fazer uma escola de arte, mas formar cidadãos sensíveis à arte”. Aramis também foi uma criança da instituição e um participante ativo depois de adulto.
Corroborando com Aramis, a professora de dança da Hora da Criança, Lais Rocha, conta que os aprendizados na organização não formam só artistas. Ela entrou na instituição com nove anos de idade. “Mantenho vínculo com vários colegas da época que são vendedores, administradores, professores, pessoas que estão em diversas áreas", conta a professora, que também é jornalista.
Lais diz que a Hora da Criança foi o primeiro contato que teve com a arte. "Sempre fui a criança da família que gostava de aparecer, brincar de teatro, e lá eu tive como aprender brincando sobre essa linguagem artística". A pedagogia humanizada por meio da arte era o maior objetivo de Adroaldo, segundo o sobrinho dele.
“Adroaldo não se conformou às quatro paredes da sala de aula e partiu para a complementação artística da criança para formar cidadãos que sabem conviver com os outros”, comenta Aramis. O professor Adroaldo, ressalta o médico, foi pioneiro na proposta educacional com foco na arte e criador do Teatro Infantil Brasileiro.
Com a máxima de que “toda criança é uma possibilidade”, o educador transformou A Hora da Criança, que começou como um programa de rádio, em um movimento educacional e cultural. “Não há distinção de raça, religião e condição social, todas as crianças são tratadas da mesma maneira, se unem e se socializam”, diz Aramis.
A frase de Adroaldo se tornou título do livro da escritora Conceição Estevam. Administradora de empresa, Conceição entrou na Hora da Criança com cinco anos de idade junto com as sete irmãs. Aos 70 anos, ela relata a importância da experiência na vida dela e da família: “A relação que ele tinha de confiança e respeito me marcou muito, muito mesmo”.
Conceição lembra de quando foi escolhida como oradora da turma pelo professor. “Quando a criança sente que é respeitada, isso empodera ela”, diz a escritora. Para a autora do livro, a Hora da Criança influencia a formação pessoal e profissional das pessoas que passam pela organização.
Ela também ressalta a inovação da pedagogia proposta por Adroaldo na década de 1940: “Nunca fui para a Hora da Criança com caderno, lápis e caneta, a gente aprendia na vivência”. Com dança, música, artes visuais e teatro, a organização forma as crianças por meio da ludicidade. O objetivo de Conceição é que essa pedagogia seja reproduzida por organizações em todo o mundo.
Os filhos de Conceição também passaram pela instituição. E, agora, ela quer matricular os netos. Como diz o superintendente da Hora da Criança, Matheus Russo, a organização “não é unidade de passagem, é uma unidade de ser”. Não à toa, o local conta com o trabalho de 18 profissionais e todos eles passaram pela instituição na infância, incluindo Matheus.
“A Hora da Criança só consegue realizar suas ações porque tem por trás esse grupo que a gente nem chama de ex-membros, são integrantes”, afirma o superintendente. Esse também é o caso da presidente da organização, Josélia Almeida. Atualmente, à frente da Hora da Criança, ela relata a importância da instituição na vida das pessoas.
“A arte é um instrumento de libertação, de aprendizado, de pensamento, como não é mais valorizada?”, questiona. Assim como Gilberto Gil, a presidente da organização defende que a arte precisa se tornar uma política de Estado. “O professor de arte é um professor marginalizado, ele não ganha o mesmo que os outros”, protesta Josélia Almeida.
Timide
Em comemoração aos 80 anos da Hora da Criança, a organização vai remontar uma peça escrita por Adroaldo em 1957. Encenada pela primeira vez naquele ano, o espetáculo Timide aborda a mortalidade infantil, que tinha índices altos na década de 1950. Quase 70 anos depois, a peça traz o assunto de volta em outro panorama.
Com um índice de mortalidade infantil menor que o dos anos 50, os tempos atuais trouxeram questões como a queda na vacinação infantil e o retorno de doenças consideradas erradicadas. “A gente quer chamar a família e a sociedade para discutir o tema através do espetáculo teatral, que é nossa forma de resistência”, conta o superintendente da organização.
A peça foi encenada em dezembro do ano passado para convidados e deve estrear oficialmente no final deste ano, com direção de Guilherme Hunder, que também passou pela Hora da Criança na infância.
Hunder explica que o espetáculo manteve a estética dos anos 50, mas os cenários e figurinos também tiveram a contribuição criativa das crianças.
Apesar da celebração, a instituição tem precisado de mais doações, segundo o superintendente. “A instituição não tem um patrocinador, um benfeitor que traga e injete recursos diretamente”, diz Matheus. A organização lançou a campanha Hora da Ajuda para conseguir “padrinhos”, pessoas e empresas que ajudem a instituição mensalmente.
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