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MUITO

Iguarias de antigos tabuleiros inspiram chefs contemporâneos

Por Ronaldo Jacobina

26/05/2015 - 13:25 h | Atualizada em 26/05/2015 - 14:03
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Muito embora no tabuleiro da baiana do compositor Ary Barroso tivesse apenas vatapá, caruru, mungunzá e umbu pra ioiô, as mercadoras carregavam muito mais iguarias no seu enorme bandejão de madeira. Em 1936, quando a música foi composta, elas já vendiam também acarajé, abará, aberém, efó, cocadaamoda, acaçá e muito mais. Com o passar do tempo, muitos desses quitutes, inclusive os quatro últimos, sumiram dos tabuleiros e das cozinhas de restaurantes locais. Já o umbu nunca foi especialidade das baianas. Uma licença poética talvez. Afinal, Barroso era mineiro.

Até porque, mesmo a maioria dos nativos, especialmente aqueles que nasceram nas últimas décadas e não são adeptos do candomblé, muito provavelmente, nunca comeu ou sequer ouviu falar em acaçá. Aberém, cocadaamoda, aluá então... nem pensar. Se hoje são desconhecidas da maioria, essas iguarias, assim como outros pratos regionais que fizeram a alegria de muitas gerações, como o arroz-doce e o feijão de leite, já foram muito populares na terra de Caymmi.

Com o boom da gastronomia, algumas estão, aos poucos, voltando à cena. Seja na sua forma original ou em releituras assinadas por chefs. O complexo processo de elaboração, que requer, no caso do aluá e do acaçá, dias e dias de fermentação para ficar pronto, pode ser um dos motivos que os levaram a desaparecer. "Sem dúvida, essa é uma questão que pesa. Somado às facilidades do preparo da maioria dos produtos que a indústria de alimentos coloca no mercado, esse tipo de comida deixou de ser atraente", explica o antropólogo Vilson Caetano, professor do curso de nutrição da Ufba e pesquisador da etnoculinária.

Elaboração

As dificuldades de preparo das iguarias não impediram a chef Leila Carreiro de reinseri-las no cardápio do Dona Mariquita. O efó, prato à base de folhas de língua de vaca, e o acaçá, bolo feito de milho branco, envolto na palha de bananeira, são servidos lá. O primeiro como guarnição, o outro como sobremesa. "Essas comidas requerem maior elaboração, por conta da fermentação, mas não são trabalhosas. É que as pessoas hoje querem facilidade, praticidade".

Pesquisadora da cozinha de raiz, a chef vem resgatando muitas dessas comidas que caíram em desuso, incluindo-as no cardápio da casa. Em junho, o Dona Mariquita passará a servir também o aluá, bebida à base de milho amarelo, que também passa por um processo de fermentação demorado para atingir o ponto ideal de consumo.

Originalmente, o milho era batido no pilão e fermentado em pote de barro, cuja boca era cerrada com um pano para impedir a entrada de ar. Na versão gourmet de Leila, o processo é igual, mas o modo de fazer e os utensílios são atuais. "Aquele jeito natural pode não ser bem aceito, por isso boto os ingredientes numa garrafa de vidro e fermento na geladeira".
A alteração do modus operandi vai além. "As pessoas hoje têm receios em relação à alimentação, então fico com medo de algo dar errado, por isso optei por fazer à moda moderna". Atuais ou do passado, fato é que as comidas de raiz, como costumam ser chamadas, estão voltando à moda. Chefs como Rodrigo Castro, atualmente à frente do Cuco Bistrô, desenvolve pesquisa nos mais diversos grotões da Bahia. "Minha proposta é resgatar sabores antigos da Bahia e do Brasil", diz.

Comida de orixá

Se nos tabuleiros, o acaçá virou artigo raro, nas religiões de matriz africana permanece como comida sagrada e é feita como no passado, transformando o milho numa pasta branca que fica alguns dias de molho e é pilada ou moída. Depois é separar a pasta ainda quente em porções e envolvê-la na folha de bananeira para enrijecer. Na versão do Dona Mariquita, o milho é fermentado por dias e dias e a água, trocada três vezes. A última é conservada e recebe leite de coco e pitadas de sal e de açúcar. "De leve". O restaurante de Leila também costuma oferecer feijão doce (ou feijão de leite). "Esse é mais simples. Bate no liquidificador como se fosse tutu à mineira e acrescenta leite de coco e açúcar", ensina.

Autor de Formação da culinária brasileira - escritos sobre a cozinha inzoneira, Carlos Alberto Dória credita o fato de algumas comidas caírem em desuso à substituição por outras. Segundo ele, no mundo todo, há um movimento periódico de revisitação das coisas mais antigas ou tradicionais.

Como vivemos uma onda retrô, é possível que algumas destas tradições voltem à cena. O efó, por exemplo, já integra o cardápio de restaurantes como Ponto Vital e Senac-Pelourinho. "A questão é que as pessoas não sabem mais fazer e nem querem aprender, mas, se tiver procura, voltamos a vender", diz Angelice Batista dos Santos, coordenadora estadual da Associação das Baianas de Acarajé, de Mingaus e Receptivos (Abam). Se Dória tiver razão quando diz que "a gastronomia, para ser viva, usa sempre o expediente de revisitação", nada impede que, mais adiante, o tabuleiro das baianas volte a oferecer acaçá, aberém, arroz de doce etc. e tal. Para a alegria dos baianos e, quem sabe, a inspiração dos poetas.

Onde comer:

Dona Mariquita - Rua do Meio, 178, Rio Vermelho - 71 3334-6947
Cuco Bistrô - Largo do Cruzeiro de São Francisco, 6 - 71 3322-4383
Ponto Vital - Rua das Laranjeiras, 23, Pelourinho - 71 8154-6151
Senac - Largo do Pelourinho, 19 - 71 3324-4520

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