CRÔNICA
Imagino um plano
O amanhã não está a salvo. E não há plano, por si só, que o garanta
Você tem um plano? Vários, respondi sorrindo, sentada à mesa do café, comendo um pão de queijo que havia torrado demais. A pergunta dá margem a muitas reflexões… planos de vida, de carreira, de viagem, por aí vai. Meu pensamento já voava longe, enquanto a mão segurava a espátula e passava mais uma camada de geleia no pão.
Não era nada disso. Eu entendi o questionamento. O papo havia entrado no assunto de convênios médicos. A dúvida era muito simples de ser respondida. Se eu tenho um plano de saúde? Sim. Mas será que basta? É que a gente se acostuma a se cercar dessas tentativas de garantia de alguma coisa… Como uma mensalidade que dá acesso a exames, consultas básicas e faz acreditar que, caso precise, haverá um leito hospitalar disponível.
Mas os planos… Ah, vão muito além disso. Um deles talvez seja justamente não precisar de convênio médico e viver mais de 90 anos. Quem não quer? Uma amiga afirma que tem planos até os 103, ainda vai estudar educação durante a velhice, financiar pesquisas e viajar por aí. Dizem que planos específicos são melhores para realizar do que os genéricos.
Ainda não sou tão boa com planejamentos detalhados. Todo início de ano, tento colocar alguns deles no papel, mas me deparo com minha falta de jeito. Descreva passo a passo, defina a cor, o dia, a sensação, o local exato, receitam os manuais. Mas, quando penso em como e quando… como vou saber? Melhor desse jeito ou de outro? Será que consigo daqui a um mês ou seis?
Claro que a gente tem um mínimo de previsão, mas sabe muito pouco do que vem pela frente. Em um mundo que muda tão rápido, sabe-se lá como será, como seremos, daqui a cinco, dez anos. Estarão as máquinas tomando conta de tudo? Não, não tenho esse tipo de alarmismo. A tecnologia não garantirá o nosso futuro.
Cá entre nós, entendo o entusiasmo e as preocupações com a inteligência artificial, precisamos conhecer o chão digital no qual estamos pisando, mas quero mesmo é saber da nossa inteligência natural. Acredito muito mais no poder dela. A questão é: estamos sabendo usá-la a nosso favor?
O amanhã não está a salvo. E não há plano, por si só, que o garanta. Somos nós. Aqui e agora. Com as nossas escolhas, as nossas idiossincrasias; com o que a gente acolhe ou descarta. Com a nossa capacidade criativa, o uso que fazemos das informações, das ferramentas que nos rodeiam, da linguagem que nos molda.
Sim, é bom ter um plano. Ou vários. Talvez a inteligência artificial possa até fazê-los. Mas, há algo de que só pessoas são capazes: a imaginação. Máquinas convertem dados em informações e já formam suas próprias ideias, mas não imaginam.
Na nossa cabeça, antes de planejar, é a imagem que entra em ação. Antes de o primeiro computador existir, um ser humano o imaginou. Antes de escrever, eu imaginei as palavras a partir das minhas experiências. Imaginei até dizer que plano não garante saúde, mas a boa imaginação pode garantir mais vida. Imaginar é transcender. Porque planos não bastam.
*Jornalista e escritora
Compartilhe essa notícia com seus amigos
Cidadão Repórter
Contribua para o portal com vídeos, áudios e textos sobre o que está acontecendo em seu bairro