VIDA LONGA
Iniciativas que estimulam a sociabilidade de pessoas 60+
Estima-se que nos 25 campi da Uneb espalhados pelo estado haja mais de 600 pessoas idosas frequentando cursos
Em meio a uma roda formada por cadeiras, com 16 alunos idosos do curso de danças circulares, em uma sala do campus da Uneb, no Cabula, a professora Sonia Bamberg pede o auxílio de dois veteranos. Eles se levantam, vão até a mesa e pegam folhas de papel em branco e canetas e as distribuem para que seus colegas novatos escrevam até três coisas que os impedem de dançar bem. As pessoas não precisam mostrar a ninguém o que anotaram, mas aqui e ali, nos que puseram letras de forma grandes, é possível ler coisas como timidez, equilíbrio e ritmo.
Servidora aposentada da Universidade, Sonia trabalha como consultora nos cursos de dança e acompanha os movimentos de pessoas com mais de 60 anos desde 1998, quando foi criada a Universidade Aberta da Terceira Idade (Uati) na Uneb.
Ela conhece centenas de histórias de gente que buscava aprender a dançar, falar francês, usar o computador ou outras atividades oferecidas nos cursos. E sabe as palavras que deve empregar para motivar as pessoas.
Em um pequeno discurso aos estudantes, a consultora diz que mesmo com timidez e a falta de jeito para tocar em um colega que acabou de conhecer é possível participar das aulas. "Você vai fazer do seu jeito, até encontrar o seu caminho. O bom é que a gente trabalhe a beleza de cada corpo", exorta ao grupo.
Antes de ligar o aparelho de som, a professora explica aos novos alunos o sentido do exercício com papel e caneta. Os alunos balançam no ar folhas lisas, fazendo um pequeno barulho no atrito do papel com o vento. Depois, as folhas são amassadas e quando são reabertas e sacudidas não há mais ruídos. Uma analogia com a maneira de enfrentar os obstáculos e silenciar as coisas que impedem os estudantes de soltar o corpo.
Há uma certa euforia juvenil no ar, como acontece com adolescentes na primeira semana de aula ou numa festa de debutantes. Surgem comentários sobre o maior número de mulheres e a falta de um homem para equilibrar o jogo. Uma aluna coloca óculos escuros, talvez por timidez, outra fala mais do que a média da turma, uma dupla mantém conversas paralelas. Todo mundo parece um pouco ansioso. Sonia não perde o rebolado com uma certa desatenção em classe e deixa sua mensagem aos alunos: "Não pensem que não vão conseguir fazer aquilo que fazem no Domingão do Huck. Aquilo não é dança, é acrobacia".
Estima-se que nos 25 campi da Uneb espalhados pelo estado haja mais de 600 pessoas idosas frequentando os cursos da Uati. Um deles é Inocêncio Pereira Quintiliano, 80 anos, eletricista aposentado, que nos finais de semana vende coco verde no Jardim de Alah para complementar a renda.
Inocêncio adora estar no salão. "Dançar é vida, é saúde", afirma o octogenário, que se vira bem no bolero e chá-chá-chá, mas sente dificuldade de performar o que mais gosta, o samba-de-roda. Mas além de mexer o corpo, Inocêncio busca também socialização.
Muitos dos idosos que se matriculam em atividades educacionais e culturais tentam buscar o fio de uma conexão com a sociedade na companhia de pessoas da mesma faixa etária. A experiência de Sonia mostra que o perfil preponderante de quem procura a Uati é o da mulher negra e pouco escolarizada que cuidou da família durante grande parte da vida e que depois de ver os filhos crescerem decide investir em si mesma.
Justamente como aconteceu com Maria Lúcia Silva Castro, 75 anos, que esperou os quatro filhos chegarem à universidade para se matricular em um curso supletivo e concluir o ensino médio. Paralelamente às aulas, Maria Lúcia começou a fazer artesanato e aprendeu a produzir imagens de orixás em gesso.
Por indicação de uma de suas filhas, que é servidora da Ufba, Maria Lúcia acaba de se matricular na Universidade Aberta à Pessoa Idosa da Ufba (Unapi), que começa na próxima terça-feira. “Minha filha sabe que eu sou eletrizada", brinca Maria Lúcia, sobre a sua vontade de permanecer ativa.
A Unapi tem um formato diferente da Uati. Não há recursos financeiros investidos diretamente no programa, iniciado em 2019 pelo servidor da Ufba, Anderson Ferreira, que submeteu seu projeto a um edital da Pró-Reitoria de Assistência Estudantil da Ufba e teve a ideia aprovada.
Pelo programa, universitários bolsistas de diferentes cursos oferecidos pela Ufba trabalham como monitores de oficinas de francês, chi-kung (arte marcial chinesa), estimulação cognitiva, terapia comunitária e dança, além de palestras sobre cuidados com a saúde.
Na primeira edição, que durou de 2019 a março de 2020, o programa também se chamava Uati. Houve uma interrupção por causa da pandemia e agora o projeto voltou com outro nome.
Anderson conta que teve a ideia de levar à Ufba algo semelhante à Uati da Uneb quando cursava fonoaudiologia nessa universidade e teve contato com idosos. Além disso, pesou a história de vida do criador da Unapi, que cresceu com sua avó e na infância visitava asilos junto com ela.
Ele está animado com o retorno: "No primeiro encontro, essa semana, vieram 12 pessoas. Ainda é pouco diante da Uati da Uneb. Mas, para a gente, é muito legal", afirma o coordenador do projeto.
Em ambientes de alta renda, a sociabilidade dos idosos tem um efeito econômico também. Há serviços específicos para pessoas da terceira idade que podem bancar sua vida cultural e o lazer que geram trabalho.
A fisioterapeuta Gabriela Coutinho montou no ano passado um serviço de transporte para pessoas com mais de 60 anos, a Reconnect Senior, que as leva ao teatro, cinema e outras atividades sociais e culturais que incluem a própria companhia de Gabriela.
"Enviei um questionário para pessoas nessa faixa etária, a maioria mulheres, e a principal queixa delas era a solidão", afirma a fisioterapeuta, que define como desafiadora a tarefa de fornecer ao idoso a reinserção na vida social de uma forma segura.
Os filhos crescem e formam suas famílias, os idosos se separam ou ficam viúvos, pessoas próximas morrem ou adoecem e, mesmo com recursos financeiros, a pessoa se sente impedida de levar uma vida normal por falta de companhia. "A partir desse mapeamento que fiz, foi criado o Vivências Douradas, que proporciona reuniões e formação de novas amizades", afirma Gabriela.
Uma vez por mês, o grupo de senhoras se reúne em um restaurante, cafeteria ou casa de chá para conversar e trocar ideias.
Um dos programas que fazem muito sucesso com idosos é o show do cantor Beto Narchi, 63 anos, no fim da tarde das sextas-feiras, na praça de alimentação do Shopping Itaigara. Cantor profissional desde os anos 1980, Beto se apresenta em diferentes pontos da cidade, mas se sente muito prestigiado pelos fãs de cabelos grisalhos.
"Eu tenho muito carinho por esse público e fiz um repertório específico de dança de salão, pois ficou instituído que é um gênero identificado com pessoas maduras", afirma Beto, morador do Itaigara, que não costumava se apresentar em shoppings, mas começou esse projeto no ano passado por ser perto de sua casa. O cantor diz que o público da terceira idade que frequenta a praça de alimentação às sextas-feiras se diverte com tudo, mas prefere os ritmos que estão associados à dança, como bolero, samba e chá-chá-chá.
Mas há os clássicos que levantam um sorriso especial nesses rostos maduros e despertam aquela vontade de soltar a voz, como O que é o que é, de Gonzaguinha; My way, eternizada na voz de Frank Sinatra e a inevitável La barca, bolerão que ganhou o mundo em 1957 com o trio mexicano Los Panchos.
O cantor, que se apresenta também em casamentos e aniversários, lamenta as poucas opções de lazer com música que sejam seguras para pessoas com mais de 60 anos. "Além do Itaigara, que é muito frequentado por pessoas maduras, há programas parecidos no Paseo e no Shopping Piedade, o Clube Espanhol e, quando é cedo, os shows no Clube Comercial (Avenida Sete) e no Lugar Comum (Rosário)", afirma Beto.
A cidade e os idosos
A insegurança mudou a maneira como os idosos se relacionam com a cidade, claro. A tradicional roda de conversa entre pessoas maduras na Praça da Piedade costumava fazer os ônibus das antigas linhas Barra/ Praça da Sé e Graça/Praça da Sé ficarem cheios de passageiros de cabeças brancas depois do almoço. Encontros que, atualmente, são mais comuns em shoppings. Mas não é de hoje que os grandes centros comerciais atraem grupos de amigos.
Desde 2004, um grupo de amigos idosos se reúne, com a presença esporádica de alguns jovens, no café que atualmente fica ao lado do SAC do Shopping Barra. Pelo forte teor político do grupo em sua origem, que remonta à década de 1980, o local foi batizado de Senadinho. A maioria dos integrantes já faleceu.
No grupo que ainda frequenta o local, formado em grande parte por funcionários aposentados do judiciário, alguns se encontram pela manhã e outros pela tarde para falar de política, futebol e o que o ocorrer. "Só não discutimos religião. Mas as conversas sobre política só devem ficar frequentes no ano que vem por causa das eleições municipais", afirma o servidor aposentado Mário Brito, 70 anos, torcedor do Bahia que na última quinta-feira se encontrou no Senadinho com três amigos, incluindo o também servidor aposentado Oswaldo Pereira, 96 anos.
Brito, que frequenta o grupo desde que as reuniões migraram para a Barra, garante que mesmo com diferenças políticas entre os integrantes, o tom de voz na mesa nunca se alterou. Mas a mudança do endereço do Senadinho teve origem em provocações feitas por uma pessoa que não era da turma original, todos amigos do ex-governador Waldir Pires, inclusive o ex-deputado federal constituinte Luiz Leal.
A migração foi uma iniciativa do militante político Magno Burgos, que foi preso durante a ditadura, depois de se irritar quando um militar passou a frequentar o grupo no Iguatemi, sem ser convidado, e passou a fazer comentários inconvenientes, incluindo elogios aos generais. O grupo de amigos começou a se reunir em 1985, com a redemocratização do Brasil.
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