ABRE ASPAS
Ju Ferraz: "Eu só consegui me amar depois dos 38 anos"
Confira entrevista com a empresária Ju Ferraz
Por Pedro Hijo
Entre uma reunião em São Paulo e uma viagem para a Califórnia, nos Estados Unidos, a empresária soteropolitana Ju Ferraz, 43 anos, conversou com A TARDE. No estado americano, Ju está no festival de música Coachella, mas a trabalho. Sócia da Holding Clube, uma das maiores empresas do setor de eventos e comunicação do país, ela busca referências para marcas patrocinadoras da próxima edição do Rock in Rio, em setembro, no Rio de Janeiro.
Ju também é diretora de relações públicas e negócios da empresa e criadora do B.O.D.Y., evento de discussão sobre empreendedorismo e corpo livre que chega à quarta edição em outubro, em São Paulo.
Apesar de parecer corrida, a rotina da empresária já foi bem mais intensa. Com 23 anos, mudou-se para São Paulo com o filho e o então marido para trabalhar com comunicação. Sentiu na pele a dor e a delícia de não pertencer ao novo cenário e sofreu por duas vezes com o esgotamento profissional, a chamada Síndrome de Burnout.
O tempo afastada do trabalho a forçou a se olhar no espelho e redefinir a rota. “Ali eu entendi que eu precisaria recomeçar de um jeito mais cuidadoso e eficiente”, lembra. Desde então, Ju passou a discutir abertamente sobre liberdade feminina, empreendedorismo, positividade corporal e autoestima. Faz isso nas redes sociais, no podcast Ju Ferraz Cast e no evento B.O.D.Y.
Para o segundo semestre deste ano, a empresária ainda planeja lançar um livro sobre como ser dona da própria vida. “O meu corpo não me define. É mais sobre o caráter, ética, propósito, o que te move e o que você deixa de bom para a sociedade”.
Você nasceu em Salvador e mora em São Paulo há 19 anos. Do que sente saudade da Bahia?
A Bahia é uma terra abençoada e de um povo lutador, que tem luz e fé sem iguais. É para onde eu volto sempre que estou distante de mim, é um porto seguro. Eu fui casada com o pai do meu filho, ele foi transferido para São Paulo e seguimos juntos. Isso foi no começo do meu casamento, meu filho tinha três meses, e eu sempre tive um sonho muito grande de morar em São Paulo, de fazer sucesso aqui e trabalhar com comunicação. Foi isso que me trouxe para São Paulo. Tudo o que eu tenho e tudo o que eu construí, foi nessa cidade, por meio do meu trabalho, dos meus contatos, da minha comunicação. Mas eu cheguei aqui uma menina, com 23 anos e muitos sonhos. Hoje, ver tanto tempo depois tudo o que conquistei é motivo de muita felicidade.
Enfrentou preconceito no mercado paulista por ser baiana?
Sim. Por ser baiana, por ser nordestina, por ser mulher gorda. Por muito tempo, eu ouvi que eu precisava me adequar aos códigos de São Paulo. Diziam que eu tinha que falar baixo, tinha que falar "põe" em vez de "bote", que eu tinha que vestir azul ou preto, tudo para me inserir nesse contexto. Por muitos anos eu acreditei nisso, achei que era necessário fazer parte dessa história toda porque eu ouvia que essa era a regra do sucesso. Mas, depois que eu me descobri e usei minha potência baiana de ser quem eu sou, consegui conquistar meus espaços e lutar por tudo o que eu quis e quero. Ainda hoje, mesmo com voz e credibilidade, eu passo por situações que eu não gostaria. É por isso que eu luto e falo tanto sobre alguns temas, porque assim eu abro caminhos para que outras nordestinas cheguem e não passem pelo que eu passei.
Você diz que foi com o Burnout que conseguiu ter tempo para olhar para si mesma e redefinir o rumo da sua carreira. Como foi essa transição?
O Burnout foi o meu limitador. Foi a forma que eu tive para me desconstruir. A doença me deixou nua, me virou do avesso. Eu passei 43 dias afastada psiquiatricamente do trabalho. Eu não sabia quem eu era, o que eu deveria fazer e qual seria o meu futuro. É uma doença muito solitária, triste, que não te permite enxergar o que você tem à frente. Mas é uma doença que te faz conviver muito consigo mesma. Quando eu, enfim, consegui entender isso, comecei a me reorganizar mentalmente, a me enxergar como eu sou, a ver a mulher que eu era, a aceitar que eu precisava redesenhar a estrada da minha vida e a fazer um trabalho profundo de mergulho em mim. Foi, principalmente, um trabalho de autoestima, para que eu pudesse sair daquele lugar. O Burnout foi um divisor de águas na minha vida, mas eu não desejo para ninguém, e nem quero normalizar essa doença. Mas foi, sem dúvidas, a minha virada de chave, foi quando eu entendi que eu precisaria recomeçar de um jeito mais cuidadoso e eficiente.
Como foi o processo de conquistar amor pelo seu corpo?
Esse amor veio muito por causa do Burnout, veio desse momento de entrega, de me olhar no espelho e me enfrentar. Eu só conseguiria sair daquele lugar se eu me amasse. Essa é a história verdadeira da minha vida: eu só consegui me amar depois dos 38 anos, quando entendi que a minha potência máxima era ser eu mesma e o meu corpo é a minha casa.
Você, inclusive, criou o B.O.D.Y., um evento para discutir sobre corpo livre e empreendedorismo. De onde surgiu a ideia?
Surgiu a partir das minhas angústias. Entendi que eu já tinha passado por um estágio dessas fragilidades e resolvi juntar outras mulheres para falar sobre esses assuntos. É um evento que não é exclusivamente feminino, mas é feito principalmente para que mulheres discutam sobre temas como corpo e liberdade feminina. Surgiu em 2022, logo depois da pandemia. Já foram feitas três edições e, na última, contamos com mil pessoas. A próxima será realizada em outubro e a minha ideia é que esse evento rode o Brasil em versões menores, com vozes regionais. Assim, a gente vai poder discutir assuntos como esses em diversas perspectivas. O B.O.D.Y. é um trabalho de educação e transformação social.
De que forma que essa percepção sobre o seu corpo impactava na sua vida e na sua carreira antes da “virada de chave”?
Eu me sentia uma mulher inferior. Porque eu me considerava uma mulher fora do padrão. Eu aceitava relações abusivas por ter medo de ser descartada por ser uma mulher gorda. Por outro lado, entendi que precisava me destacar em outra coisa e pus potência máxima no meu trabalho, na forma de ser protagonista. Esse foi um combo perigoso. Porque a falta de aceitação me fez topar situações nunca antes imaginadas. É por isso que eu conto histórias de mulheres que superaram essas barreiras e se aceitaram. Porque a vida precisa ser vivida e o meu corpo não me define. É mais sobre o caráter, ética, propósito, o que te move e o que você deixa de bom para a sociedade.
O mercado de comunicação e marketing de Salvador tem dificuldade para reter talentos. Pessoas com muito potencial migram para economias mais aquecidas e não voltam para a cidade. Com a sua experiência em São Paulo, o que acha que falta para que a capital baiana mantenha profissionais por aqui?
O que Salvador precisa é valorizar suas pessoas e entender que tem o povo mais criativo desse país, com uma cultura muito forte e muitas ideias. São cabeças novas que querem trazer transformação. O mercado de comunicação de Salvador precisa valorizar o que tem. Não existe mais acreditar que cabeças criativas e profissionais qualificados precisam sair de suas terras para realizarem seus sonhos e fazerem sucesso. Isso é antigo, retrógrado, defasado. O que as pessoas precisam é valorizar o que temos de melhor: o nosso povo. A partir do momento que a gente conseguir valorizar a nossa força e a nossa capacidade de trabalho, tudo ficará mais fácil. Quer coisa melhor do que trabalhar na cidade que nasceu e ama? É urgente desconstruir o padrão de que a gente precisa sair da nossa terra para fazer sucesso e realizar nossos sonhos. O mundo tá cada vez mais conectado, é muito menos sobre localização e muito mais sobre entrega e dedicação.
Um processo comum no mundo corporativo é a adoção de posturas mais masculinizadas por mulheres que disputam espaço nesse meio. Isso passa por comportamento, voz e até escolha de roupas. Você sente que esse processo já sofre mudanças?
Eu já fui essa mulher que precisou falar mais alto, ser mais ríspida e que precisou se masculinizar para ser respeitada. Eu não acredito mais nisso. A gente tem uma rede de apoio enorme no mercado de trabalho. As mulheres têm ocupado espaços nunca antes alcançados e isso é muito importante, apesar de a gente ainda ter muita coisa a conquistar. Eu não acredito que a gente precise ter características de homem para chegar na alta liderança. Seremos sempre mulheres que têm jeitos específicos e que querem ser líderes. Toda vez que uma mulher abrir caminhos para outra mulher, a luta ficará mais fácil e a gente vai conseguir fazer essa mudança. Ainda tem muito trabalho para fazer no que diz respeito à equidade de gênero em cargo de liderança, mas eu acho que a gente tem avançado em algumas pautas. O que antes não era falado, hoje é o oposto. Eu estou aqui te dando entrevista, falando para um dos principais jornais da Bahia sobre esse assunto, por exemplo, isso é mudança. As mulheres estarão onde elas quiserem através de sua força de trabalho e, principalmente, por meio de outras mulheres. Isso, para mim, é liberdade feminina, e só isso faz sentido.
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