MUITO
Lambe-lambe volta a invadir as ruas de Salvador
Por Bruna Castelo Branco

Em todo canto da cidade, colado em cada muro, rua, esquina, lá está ele. Mensagens motivadoras, críticas sociais, poemas ou apenas uma ilustração isolada, mas cheia de significado. Feito a partir de uma técnica de colagem a baixo custo, o lambe-lambe mistura-se às paisagens urbanas da cidade e enche o cotidiano de poesia.
Inicialmente, a técnica se popularizou no meio comercial, por ser uma maneira rápida, prática e barata de propaganda para lojas pequenas. Só no final dos anos 40 e início dos 50, os reclames publicitários, como eram chamados, passaram a compor os cenários dos principais espaços urbanos do mundo. Ainda hoje, nos pontos mais movimentados das grandes cidades, é quase impossível não encontrar um cartaz colado em um poste que seja, oferecendo algum serviço ou produto.
Mas, fugindo desse aspecto mais utilitarista, artistas e designers vêm se apropriando da técnica para fomentar a arte de rua. O coletivo Motora é um desses exemplos criativos. Formado pelas estudantes de design Júlia Lago, Juliana Argollo e Luize Araújo, surgiu com o objetivo de tirar a arte da cabeça e espalhar literalmente pela cidade. A primeira ação aconteceu em abril deste ano, no muro da Nossa - Casa Colaborativa, no Rio Vermelho.
Os cartazes, todos coloridos, estampam mensagens pensadas por mulheres que ocupam a Casa Colaborativa. A arte foi toda feita pelo coletivo, desde as fotografias das flores que ilustram as mensagens até a impressão e colagem dos cartazes, que levou quatro dias para ser concluída.
A principal característica do lambe, que é o que o faz ter esse nome, é a forma como é colado na parede. O primeiro passo, depois de pronto o cartaz, é preparar a cola caseira, feita com maisena ou farinha e água. "A gente realmente cozinha a cola, no fogão, como se estivesse fazendo comida. Pega a maisena, em uma panela grande, e mistura com água. Não pode parar de mexer. Quando chegar ao ponto, que é quando a mistura começa a grudar, pronto. Depois, ainda precisa deixar a cola descansar por um dia e, no final, misturar com um pouco de cola branca, para aumentar a consistência", explica Júlia.
Alguns artistas também optam por usar vinagre na receita, para evitar que o trabalho final seja corroído por bactérias. Depois, com tudo em mãos, o cartaz é colado com a ajuda de um rolo, que lambe o papel. Daí o lambe-lambe. Mas, para finalizar a arte feita pelo Motora, foi usada uma técnica um pouco diferente. "Ficaria bem mais caro imprimir os cartazes com tinta colorida. Então, nós decidimos colorir a cola, ao invés de já imprimir colorido. Essa escolha acabou dando ao material uma textura bem diferente e deixou o trabalho todo colorido", conta Luize. Para fazer com que o lambe das meninas sobreviva por mais tempo ao calor e às chuvas, o mural pronto foi todo coberto por verniz.
Mensagem rápida
Para o artista plástico Alfredo Gama, o lambe-lambe tem uma relação direta com o grafite. "Os dois querem passar uma mensagem e, ao mesmo tempo, deixar uma marca na cidade. Mas o lambe foi feito para ser rápido, você vai ao local e só cola. Em cidades em que a arte de rua é proibida, o lambe é ainda mais seguro, já que o grafite exige mais tempo para ficar pronto. Mas, no mundo, infelizmente sempre houve uma ideia de criminalidade em relação a quem faz arte de rua". E o pôster, por ser feito antes, também permite uma riqueza maior de detalhes, que em muitos casos não é possível com o grafite.
Cada artista é livre para usar a técnica que preferir para confeccionar os pôsteres. Mas, atualmente, a mais utilizada é a impressão digital, produzida normalmente em impressoras que permitam que a produção seja feita em folhas maiores que A4. "A pessoa faz o trabalho de arte e design em um computador, depois, em uma impressora grande, imprime". A escolha do papel e do local em que o lambe será colado é o que define quanto tempo o trabalho vai sobreviver na rua.
"Depende muito da gramatura do papel. Quando a folha é muito grossa, a tendência é descolar mais fácil na chuva. Quando é mais fina, acaba aderindo às texturas da parede. Mas, se a cola for preparada direitinho, o lambe pode durar entre cinco e seis meses no muro. Normalmente, o que mais desgasta é o vandalismo. As pessoas veem, chegam a mão, arrancam uma pontinha...".
O Lambe SSA, idealizado por Caio Sá Telles em parceria com os amigos Pedro Magalhães e Uala Vandeik, surgiu inicialmente com o objetivo de incentivar os próprios membros a fazerem arte. Desde o início deste ano, o coletivo vem realizando ações em alguns bairros e em ruas do centro da cidade, como Dois de Julho, Carlos Gomes e Rio Vermelho, por exemplo.
A ideia, segundo eles, era criar um coletivo em que cada um pudesse continuar produzindo seus trabalhos de acordo com a sua própria linha. "Por isso, não temos um conceito criativo que nos defina. O que temos em comum é que queremos fazer essa arte de rua em Salvador, que é uma cidade que já carrega muita linguagem em si mesma. Nosso objetivo é entender a cidade também como um meio, como mídia, que pode comunicar", diz Caio.
Por estarem na rua, os artistas que trabalham com lambe-lambe não passam despercebidos pelos olhares dos passantes. Enquanto colava os pôsteres no Rio Vermelho, o trio do coletivo Motora era observado e questionado sobre o que estava fazendo. "As pessoas, em geral, ficaram muito curiosas, querendo saber o que era aquilo que estávamos colocando ali. Alguns achavam as frases engraçadas, outros, que estávamos ali fazendo uma ação junto à Casa de Jorge Amado. A técnica também despertou muita curiosidade. Mas, realmente, fomos perguntadas muitas vezes", diz Luize Araújo.
Debate no meio da rua
Para Caio Telles Sá, a interação com quem está na rua é um dos momentos mais preciosos para quem trabalha com lambe-lambe. "Primeiro, elas param para olhar, perguntam o que são aqueles pôsteres que estamos colando. Depois, começam a trocar ideia, perguntar sobre a técnica, como é que se faz a cola, ou então ficam discutindo sobre arte visual mesmo. Quando percebemos, já estamos fazendo um debate ali na rua".
Caio conta que alguns falam sobre o que acham bonito e apontam aquilo que acham feio e, então, começa uma discussão sobre o porquê disso ou daquilo. "Essa é uma das melhores partes de se trabalhar com lambe, e é também o principal objetivo desta arte urbana. Levar as pessoas a prestarem mais atenção na cidade, a se envolverem com ela".
Para além da técnica, Caio acredita que, ao levar a arte para rua, é fomentada a discussão sobre onde ela deveria realmente estar. "Assim, podemos dessacralizar a imagem do museu. Não que o museu não seja também um espaço importante para a arte, mas não é o único, não precisa ser hegemônico. Dessa forma, podemos lembrar que a expressão artística também faz parte do cotidiano de uma cidade. Com o lambe-lambe, mostramos que na vida de todo mundo também tem arte".
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