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CULTURA

Livro conta história do design têxtil no Carnaval negro de Salvador

Livro, que começou a ser organizado em abril deste ano, está calcado nas memórias do artista visual Alberto Pitta

Por Gilson Jorge

12/12/2021 - 6:04 h

A poucos dias do último Carnaval, em 2019, Gilberto Gil estava fazendo a sesta, em sua residência soteropolitana, quando o artista visual Alberto Pitta tocou o timbre. Precisava urgentemente de uma declaração pública de apoio do cantor às mudanças que fez na fantasia do afoxé Filhos de Gandhy, que tem Gil como um dos seus associados mais destacados.

No ano em que a entidade comemorava 70 carnavais, Pitta tascou um amarelo na roupa que por décadas era azul e branca. Deu pano pra manga. Houve uma forte reação por parte de alguns membros e o autor da alteração contava que uma palavra do tropicalista podia ajudar a apaziguar os ânimos. “Ele perguntou se eu tinha mexido no turbante. Como eu disse que não, ele falou que não tinha problema, que visto de cima continuaria o tapete branco”, lembra.

Essa é uma das muitas histórias de folia acumuladas por Pitta, um filho de bordadeira e ex-jogador de futebol que se encantou com os figurinos ainda na década de 70, com os blocos de índios como Apaxes e Comanches, inspirados no cinema americano e que caíram no gosto dos homens negros de Salvador.

No início de 2022, talvez ainda sem a festa, o artista deve lançar o livro Histórias contadas em tecidos – O Carnaval negro baiano. “O espaço da negrada, da gente do povo, estava nos blocos de índios, por isso eram também muito perseguidos. Sair nos blocos de índios era uma atitude política, de afirmação”.

Frequentador dos cinemas Tupy, Guarany e Tamoio, Pitta curtia os filmes de Hollywood que mostravam os combates entre os colonizadores brancos e as nações indígenas, que lhe fizeram se interessar pelas tribos da América do Norte e pela sua luta. Era resistência pura, assim como, a seu ver, eram os negros baianos vestindo lindos adereços indígenas e marcando território no Carnaval de Salvador.

Filhos de Gandhy inova no Carnaval 2019: o amarelo uniu-se ao azul e branco
Filhos de Gandhy inova no Carnaval 2019: o amarelo uniu-se ao azul e branco | Foto: Uendel Galter | Ag. A TARDE

Finas estampas

“Já que a gente não podia sair nos Internacionais e nos Corujas e nem frequentar o Fantoches, o Cruz Vermelha e a Associação Atlética, a gente ia para os blocos de índios. No meu livro eu conto o que aconteceu com o Apaxes em 1977, quando foi acusado de invadir o bloco Lá vem Elas para pegar as mulheres e há muitas versões em relação a isso”, diz Alberto Pitta.

O Lá vem Elas era o bloco das mulheres da elite soteropolitana. “É uma história importante porque é aí que se faz o jogo, aí se desenha a estética baiana”, considera.. “Os blocos de índios eram sempre acompanhados pela polícia, de forma discreta. Mas eles eram lindos, se vestiam muito bem, tinham uns carros maravilhosos”.

Pitta faz inclusive um paralelo entre a relação da polícia com os Apaxes e a perseguição do exército americano aos índios. “A 7ª Cavalaria, do General Custer, é um nome emblemático nessa história, mas também gosto da coalizão entre os cheyennes e outros para derrotar e matar, inclusive, o general”, declara o artista.

Pitta lembra que em 1977 o Carnaval acabou mais cedo por conta da tensão em torno dos Apaxes, e houve uma tentativa de proibir o desfile do bloco em 1978, quando a entidade comemorou 10 anos de fundação.

“Eles tiveram uma ideia genial e se fantasiaram de índio batedor americano, o índio que já falava inglês, que circulava pela cidade. O Apaxe trocou o cocar pelo chapéu, trocou o vermelho e branco por uma roupa toda branca. E a diretoria saiu com uma roupa toda azul, as cores do Exército dos Estados Unidos. Tudo muito genial”, diz ele.

África

O Ilê, que surgiu três anos antes desse episódio com os Apaxes, já trouxe uma outra estética, voltada para a África, mas também fortemente influenciada pela luta dos direitos civis nos Estados Unidos com os Panteras Negras. E era praticamente a mesma turma. “Muita gente do Ilê saía nos Apaxes. João Jorge, do Olodum, saiu nos Apaxes”.

Pitta estava lá, no primeiro desfile do Ilê. Seu irmão, o bailarino Elísio Pitta, era amigo dos fundadores do Ilê, Vovô e de Apolônio Silva de Jesus Filho, o Popó, e levou para casa a novidade do primeiro bloco afro indo às ruas de Salvador.

O livro, que começou a ser organizado em abril deste ano, está calcado nas memórias de Pitta, em entrevistas a integrantes de grandes agremiações carnavalescas, policiais que participaram de episódios como a suposta invasão dos Apaxes ao Lá Vem Elas, e uma enormidade de amostras de tecidos armazenados no ateliê de Pitta em Pirajá.

“Cada tecido desse conta uma história, a importância de escrever nos panos, até porque muita gente que sai nesses blocos afros não sabe ler. É um encontro de analfabetos. O cara que sai da universidade chega no bloco afro e como é que ele lê símbolos e signos milenares? Ele fica batido. Mas o cara analfabeto que trabalha na feira faz a leitura toda aí”, afirma.

Editado pela Corrupio, o livro de 340 páginas deve custar R$ 400 e contará com um texto de apresentação de Gilberto Gil, além de uma singela citação de Mãe Stella: “Meça três vezes, porque você só vai cortar uma vez”.

A publicação inclui o Bloco da Capoeira, de Tonho Matéria, uma homenagem de Tonho Matéria ao seu pai que vendia frutas que estampa um tecido usado pelo Olodum; a fantasia do Malê Debalê em homenagem ao disco Refavela de Gilberto Gil, e o Melô do Banzo, o segundo bloco afro de Salvador, criado na Federação, que, ao contrário do Ilê, teve a presença de não-negros entre os seus associados.

Pirou de vez

Quando o Olodum trocou as indumentárias tradicionais pelo abadá, no início da década de 1990, Pitta, que estava na entidade havia 15 anos, decidiu colocar o seu próprio bloco na rua. Assim surgiu o Cortejo Afro.

No processo de mudança, Pitta compôs junto com Ythamar Tropicália uma música que se tornaria um grande sucesso, Alegria geral, aquela que fala que o Olodum pirou de vez.

“A gente cantava: o Olodum tá hippie, o Olodum tá pop. E o povo cantava ‘O Olodum tá rico, o Olodum tá pobre’, que era uma crítica também”.

Para alguns blocos afros, as estampas são resultado de intensa pesquisa. Antes de assumir a concepção artística das fantasias do Ilê Aiyê, J. Cunha viajou a Angola, em 1976, um ano depois que o país se tornou independente de Portugal e mergulhou numa sangrenta guerra civil.

“Eu fui com Vovô. Fiquei fazendo pesquisas, reconhecendo os locais, fui recebido por etnias, uma experiência de vida para sempre. Recebi livros que são verdadeiras bíblias, como Etnias e culturas de Angola, de José Redinha”, declara.

Cunha, que foi convidado pelo Ilê em função de sua experiência na internacionalização do grupo de teatro Viva Bahia, afirma que sempre teve um público em mente para criar.

“Meu foco sempre foi atingir a juventude periférica, com uma oportunidade que talvez eles não vislumbrassem por viverem num cativeiro cultural”.

O Ilê tinha reunido uma equipe de negros com formação universitária, como Arany Santana e Jonatas Conceição, para trabalhar a estética do Ilê, na base de livros emprestados e consulta a moradores do Curuzu.

“Era um ambiente agradável de gente jovem, tentando fazer uma coisa afro-baiana voltada para o conhecimento, não havia discussões paralelas. Não era mais uma coisa da moda”, declara Cunha.

Ele ressalta que, naquela época, era muito raro ver um negro na universidade e que era preciso se impor como cidadão. E também pontua que o trabalho estético do Ilê tinha muito a ver com o fato de os negros não aceitarem mais o castigo e a inferioridade. “Eu me baseio nos griôs africanos (contadores de histórias). Eu vejo Rodin, mas vejo o pensador africano mais antigo”.

Pedrinho da Rocha criou o abadá: “Se não fizesse, outra pessoa faria”
Pedrinho da Rocha criou o abadá: “Se não fizesse, outra pessoa faria” | Foto: Uendel Galter | Ag. A TARDE

Outro circuito

No outro lado do circuito, nos blocos da classe média branca, a grande inovação em termos de fantasias foi a criação do abadá. Um projeto de roupa sugerido pelo publicitário e designer Pedrinho da Rocha, que seria originalmente inspirado na capoeira. As mudanças estéticas não foram totalmente aceitas, exceto pela redução na quantidade de tecido, mas o nome acabou ficando. “Quando o Asa de Águia foi para o Eva, Durval me convidou para fazer a fantasia”, lembra.

O caminho percorrido por Pedrinho até criar o abadá foi interessante. Aos 15 anos, então um rapaz dos Barris que trabalhava numa cozinha industrial, ficou desempregado e recebeu o convite para pintar o trio elétrico da Banda Scorpions, que futuramente se tornaria o Chiclete com Banana.

O resultado foi bom e ele começou a ser chamado para desenvolver diferentes trabalhos gráficos na indústria da axé music: Beijo, Pinel, Eva, Cheiro. Os principais blocos da classe média ostentaram trabalhos feitos por Pedrinho.

Curiosamente, o autor do abadá, que conquistou até o Olodum, afirma que preferia a velha mortalha de algodão. “Se eu não fizesse, outra pessoa faria”, declara. Pedrinho ressalta que a mudança veio numa questão de oportunidade.

Durante a reunião com a direção do Eva, foi-lhe perguntado se havia algo que ele desejava fazer mas nunca teve chance em outros blocos e ele cravou: “Sempre quis encurtar a mortalha”.

Preferidos

Entre seus trabalhos preferidos, ele cita a fantasia monocromática do Pinel em 1984, a camuflagem explícita feita para o Crocodilo em 92, e os abadás countries do Cheiro, em 1998.

Famoso por seus desenhos lúdicos, Pedrinho diz que isso representava apenas 10% de seu trabalho e confessa que desenhar, para ele, era uma tortura.

“Eu precisava fazer, mas não era algo que gostava”, diz o ex-menino da Rua do Salete que curtia as fanfarras e batucadas no Garcia, Nazaré, Dois de Julho e Barris e que, afirma, nunca teve a pretensão de ser um nome conhecido.

“No meu tempo, a Avenida Sete era a veia principal, mas que ia sendo abastecida por uma série de artérias, os Apaxes do Tororó, as escolas de samba, vários blocos”, lembra.

Desde 2017, Pedrinho se dedica a uma empresa de publicidade em outdoors, mas segue postando em suas redes sociais o seu material de trabalho no Carnaval. “Eu tenho 40 mil arquivos, se eu morrer quero que esteja em algum lugar público”.

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