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10/12/2023 às 8:00 - há XX semanas | Autor: Gilson Jorge

MUITO

Livro e exposição revelam a magnitude da obra de Voltaire Fraga

O livro 'Voltaire Fraga: uma Bahia em movimento' será lançado na próxima quarta

acervo de Voltaire Fraga, Farol da Barra
acervo de Voltaire Fraga, Farol da Barra -

Quando completou 400 anos de fundação, em 1949, Salvador tinha dois cenários altamente "instagramáveis", se o Instagram existisse. De um lado, a cultura afro-brasileira que já despertava a atenção do mundo através de Jubiabá, livro de Jorge Amado. De outro lado, a incipiente modernização urbana com a criação da Universidade Federal da Bahia, em 1946, e o primeiro condomínio residencial multifamiliar, o Edifício Oceania, que acabou de completar 80 anos.

Foi nesse período, as décadas de 1940 e 1950, que o francês com alma baiana Pierre Verger e o baiano com nome francês Voltaire Fraga produziram algumas das imagens mais representativas da história e da cultura soteropolitana. Se Verger encantava o mundo com as cores e os orixás da velha Cidade da Bahia, Voltaire acrescentava às lindezas da tradição baiana registros do novo modo de vida que surgia na capital.

Na próxima quarta, dia 13, aliás, será lançado o livro Voltaire Fraga: uma Bahia em movimento, organizado pelo historiador da arte Marcelo Campos, estudioso da cultura baiana, curador-chefe do Museu de Arte do Rio e doutor em Artes Visuais. O lançamento acontece na Alban Galeria (Ondina), onde no mesmo dia será aberta exposição com fotos do homenageado.

Campos, que veio à Bahia nos anos 90 para pesquisar o trabalho de Carybé, descobriu o fotógrafo baiano anos depois quando já fazia curadoria de exposições, passando a incluí-lo em algumas mostras. As fotos de arquivo que encantaram o historiador da arte eram algumas veiculadas em revistas de circulação nacional, mas também registros da cidade feitos a pedido de construtoras, que faziam à época intervenções urbanas.

"O que Voltaire tem de singular e único é justamente o olhar sobre uma Bahia moderna, vinculada às novas paisagens da cidade. Ele vai se interessar tanto pelo Carnaval quanto pelo Edifício Oceania", afirma Campos, autor do texto Voltaire Fraga em movimento: modernidade e imersão no mundo em imagem na cidade da Bahia, parte do livro Voltaire Fraga: uma Bahia em movimento.

"Ele vai documentando a arquitetura moderna da cidade. Por outro lado, há fotos muito raras. No livro, há três fotos de uma Salvador noturna, cheia de logomarcas. Voltaire não se recusava a fotografar coisas em que houvesse a intervenção de marcas estrangeiras", complementa Campos, que cita como exemplos a foto de um ponto de ônibus com anúncio da Coca-Cola e a do letreiro em neon na Rua Chile.

Campos destaca que desde que começou a pesquisar a cultura baiana não viu nada parecido ao trabalho fotográfico de Voltaire. "Quando a gente pensa no Voltaire, a gente pensa em um artista local que convive com o contexto afro-diaspórico e ao mesmo tempo convive com a elite e a ideia da modernidade", pontua Campos.

Para o galerista Roberto Alban, que representa o trabalho de Voltaire para todo o Brasil, trata-se de um artista que retratou a Bahia em suas facetas, figuras humanas, festas populares, paisagens. "Ele tem vários registros da sua obra que são inusitados. E com o lançamento desse livro as pessoas vão ter uma ideia de como era a Bahia nos anos 40 e nos anos 50. É um resgate muito importante para a arte e para fotografia baiana", afirma o galerista.

Alban sublinha que há poucos acervos fotográficos na Bahia como o que está com a família do homenageado. Uma coleção que poderia ser ainda maior. "Voltaire tinha um ateliê perto do Fórum Ruy Barbosa. Houve uma inundação e, infelizmente, ele perdeu mais de 3 mil negativos", afirma o galerista, que diz ter procurado por fotógrafos que pudessem ter deixado um legado parecido e não encontrou.

O historiador Francisco Senna, por exemplo, considera que Voltaire e Verger são os grandes fotógrafos no século 20. "Ambos registraram o momento áureo da nossa cultura do ponto de vista pictórico", declara o historiador, que no lançamento do livro vai debater com Marcelo Campos sobre o tema: A Cidade de Salvador nas fotos de Voltaire Fraga.

Roberto Alban, galerista
Roberto Alban, galerista | Foto: Shirley Stolze | Ag. A TARDE

Senna considera que a Salvador daqueles tempos, com cerca de 400 mil habitantes, apresentava uma harmonia perfeita entre a natureza e as edificações, além de ter o seu patrimônio histórico em bom estado de conservação "Era uma cidade que estava praticamente intacta, sem as agressões que iriam acontecer na segunda metade do século 20. Essa cidade do Salvador era o cenário perfeito para inspirar os artistas", avalia Senna.

O historiador considera que os dois fotógrafos tinham uma abordagem estética sobre Salvador muito parecida, mas com uma diferença importante. "O olhar de Verger era sobre a cidade negra. O olhar de Voltaire era sobre a cidade da diversidade. Mas eu digo que ambos fotografaram o colorido da Bahia em preto em branco", opina o historiador, ressaltando a qualidade dos contrastes obtidos pelos dois fotógrafos.

O historiador ressalta uma característica importante na fotografia de Voltaire é que, em contraposição a Verger, o baiano não tem a visão estrangeira. "A expressão do artista vem através do seu olhar, a forma como você enxerga e interpreta", define o historiador, que declarou-se encantado e emocionado com a preservação do acervo de Voltaire Fraga.

Além das fotos em exposição na Galeria Alban, há dezenas de retratos emoldurados de Voltaire, centenas de fotos guardadas em envelopes e um arquivo de mais de duas mil fotos digitalizadas na casa de sua filha única, Alba Mara Fraga Peixoto, que ele chamava de Albamara, como se fosse um nome só.

Mas não é claro o que vai acontecer, futuramente, com as fotos que estão em sua casa. O marido, Aroldo Peixoto, pensa em eventualmente vendê-las.

As lembranças que Alba Mara mantém do pai incluem idas à praia, visitas dominicais ao zoológico e sessões de cinema. "Eu ia ver filmes com meu pai até quando eu tinha 18 anos. Fomos ver Deu a louca no mundo, no Guarany, e a gente dizia que deu a louca no cinema, porque foi uma confusão de gente", recorda Alba.

Voltaire não falava sobre seus pais e a sua origem nem com a filha. Mesmo sobre informações básicas de sua vida, como nome e local de nascimento, paira uma sombra. O fotógrafo contava que nasceu em Nazaré das Farinhas e foi registrado como Antônio, mudando de nome posteriormente. Mas na sua certidão de nascimento consta o nome Voltaire Fraga, nascido no "Distrito de Nazareth, nesta capital".

Seu apartamento no Largo Dois de Julho transformou-se em estúdio fotográfico, enquanto ele morava com mulher e filha no São Raimundo, no Orixás Center. Gostava de almoçar diariamente nos botecos do Centro: rabada, moqueca, tudo o que é comida pesada. Uma dieta que manteve por muitos anos, às vezes saindo sorrateiramente de casa, quando o almoço que estava sendo preparado não era do seu agrado. Mas não foi um homem de farras noturnas.

Passava noites trabalhando no estúdio, sem que sua família tivesse a dimensão do trabalho que Voltaire fazia. Sabia-se que ele fotografava para órgãos públicos, como a Secretaria do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Sphan) e grandes empresas, como Tibrás e Odebrecht, mas sobre as fotos que produzia para si mesmo pouco se conversava. "Ele tinha esse hobby de fotografar, mas a gente não falava muito disso", conta Alba Mara.

Ainda assim, o genro Aroldo Peixoto, que trabalhava como chefe de serviços gerais no Polo Petroquímico de Camaçari, o acompanhava algumas vezes em suas caminhadas pelo Centro, carregando uma sacola de poliéster, dessas de feira, onde Voltaire camuflava o caro equipamento alemão de fotografia com o qual registrou cenas icônicas como as placas de neon em fachadas da Rua Chile ou o terminal de ônibus da Praça da Sé.

Mas também personagens anônimos, como o sapateiro que fotografou em 1974. Para conseguir a imagem que desejava, às vezes Voltaire passava um dia inteiro na rua, esperando uma luz, uma pose que precisava ser clicada.

Desinteressado por política, tinha fama de gostar de tudo direito e de ser extremamente correto em suas negociações comerciais. "Ele era incapaz de dar golpe em alguém. Muito pelo contrário, chegou a perder dinheiro. Ele cobrou R$ 400 mil por ter guardado 5 mil negativos de uma empresa por 10 anos. A empresa não pagou e o advogado ofereceu R$ 25 mil. Ele não quis receber o dinheiro, disse que não precisava", conta o genro Aroldo Peixoto.

Acervo de Voltaire Fraga, Rua Chile
Acervo de Voltaire Fraga, Rua Chile | Foto: Raphael Muller | Ag. A TARDE

Piadista e paquerador, Voltaire dançava em frente a mulheres estranhas no meio da rua. Definia-se como mulateiro, em referência à cor da pele de sua preferência. Com a morte de sua mulher, Nair, em 1979, passou a morar com a família de sua filha. Era apaixonado pelos netos. Gostava de levar o neto Leonardo para passear em Itapagipe, onde praticou remo na juventude, e de disputar com a neta Naiara uma maratona de piadas de duplo sentido, mesmo sem aprovação do resto da família.

Quando Leonardo, estudante de engenharia, recebeu o diagnóstico de leucemia, Voltaire tentou vender seu acervo para bancar o tratamento do neto. "Foi uma fase difícil. Meu marido, que estava desempregado, tinha parentes no Rio e a gente tentou vender as fotos a um instituto cultural, mas eles queriam de graça", disse Alba Mara. Leonardo morreu em 2001.

Cinco anos depois da morte do neto, o fotógrafo, então aos 94 anos, insistiu para comer um prato de moqueca de camarão, o que forçou a filha a descer para comprar crustáceos. À noite, sentiu falta de ar e foi atendido por uma ambulância do plano de saúde. No dia seguinte, voltou a apresentar um mal-estar e foi internado numa UTI do Hospital Geral do Estado, onde morreu em 20 de março de 2006. Dia em que seu neto Leonardo comemoraria aniversário.

Editado pela P55, com patrocínio da Global Participações em Energia, pela Lei de Incentivo à Cultura, o livro custará R$ 150 e também será vendido na loja virtual da P55 Edição: https://p55.com.br/loja/

Há uma cota limitada de 100 livros para estudantes no valor de R$ 35 (mediante apresentação do cartão de identificação), e o projeto conta com um site em que é possível fazer o download gratuito da obra.

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