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22/11/2020 às 6:00 - há XX semanas | Autor: Gilson Jorge

MUITO

Margens do presente da Ribeira, cartão-postal da Península de Itapagipe

Com o tempo, os brancos de seu Pereira abandonaram os casarões e a Ribeira se tornou um símbolo da mais popular baianidade | Foto: Ag. A TARDE
Com o tempo, os brancos de seu Pereira abandonaram os casarões e a Ribeira se tornou um símbolo da mais popular baianidade | Foto: Ag. A TARDE -

José Pereira, 73 anos, hesita em encarar as lentes para uma fotografia. De bermuda e sem camisa, diz que não quer aparecer assim para os irmãos da congregação evangélica no Alto do Cabrito, onde é pastor.

Enquanto puxa a tarrafa que havia lançado às águas da Enseada dos Tainheiros, no lado da Ribeira, o homem que se converteu ao cristianismo curva-se ligeiramente para a frente, olha para o chão e diz: “Eu tenho uma história aqui. Minha mãe tinha uma barraca na feira e eu me criei com esses brancos daqui da Ribeira”.

A frase de Pereira deixa claro que o ideal cristão de igualdade entre todos não se aplica aos bairros separados pela enseada. Mas elenca as famílias que o tratavam como filho: Doutor Durval, advogado da Câmara Municipal de Salvador, Dona Loura, Seu Heitor, médico. Antes da implementação do ferryboat, em 1969, que possibilitou a construção de casas de veraneio na Ilha de Itaparica, a Ribeira era o destino de algumas famílias baianas de classes alta e média-alta, como residência ou lazer.

Desde o final do século 19, as águas tranquilas da Baía de Todos-os-Santos ajudaram os jovens da elite a adotar o remo como primeiro esporte a ser praticado de forma organizada no estado. Em uma regata, ocorrida em 1903, houve uma homenagem especial ao inventor da aviação, Alberto Santos Dumont, que, a bordo de um navio que seguia para o Rio de Janeiro, foi levado por remadores até Itapagipe.

Com o tempo, os brancos de seu Pereira abandonaram os casarões e a Ribeira se tornou um símbolo da mais popular baianidade.

Margens do presente

Com algo de pressa e sorrindo, uma adolescente sai da água na Praia da Penha e vai em direção ao sombreiro onde está sua família. Não quer ser fotografada ou identificada, deixa claro. Mas mostra, orgulhosa, cinco aratus amontoados na palma da mão direita. “Estavam mortos”, desconversa. Ainda assim, lhe parecem um tipo de troféu.

A poucos metros de onde ela se sentou estão nove jovens com idades entre 16 e 25. Esses, sim, querem fotografar todos os momentos possíveis. A maioria deles se conheceu há sete meses pelo Instagram, mas nesses primeiros dias de interação presencial tratam-se como velhos amigos.

Duas das moças estão grávidas, de relações mais longevas. Todos sonham com a fama. Agora é rir, beber, fotografar e postar. Para os anfitriões e os convidados, a tarde na Ribeira é a fotografia do momento. “A gente decidiu se encontrar aqui, tem uma semana que eu cheguei”, diz o pernambucano Marcus Vinicius, que começou a postar há pouco mais de um ano, tinha 1.962 seguidores na tarde da última quinta-feira e se declara blogueiro e humorista.

A quilômetros dali, Prentice, 80 anos, nem lembra direito quem abriu a conta do seu ateliê no Instagram há quatro meses. “Como é mesmo o nome do rapaz que fez seu Instagram?”, pergunta a mulher, Valdeci Carvalho, que ficou sem resposta.

Mas ela admite que a rede social ajudou a divulgar o trabalho de Prentice, que tem uma sólida reputação no mundo das artes, mas não é muito conhecido pela população. “Eu fiz isso aqui antes de Carybé”, declara ao apontar um desenho em azulejo.

Soteropolitanos

O que Prentice queria era ver mais soteropolitanos e itapagipenses entrando pelo portão que ele abre, solicitamente, quando a reportagem se anuncia. É um casarão de 142 anos, que pertenceu à família Amado Bahia, adquirido na década de 1970 pelo artista plástico, que não se encaixa bem no padrão de branco da Ribeira descrito pelo pastor Pereira.

Prentice é, sobretudo, um homem do Pelourinho, que morou na Avenida Sete, viveu o centro de Salvador e ganhou fama internacional com o seu trabalho em azulejos. Comprou o casarão na Cidade Baixa porque precisava de espaço para colocar as obras.

Ele abre a porta do banheiro para mostrar a arte que fez no teto, exibe com orgulho as fotos com turistas orientais, europeus, africanos. Gente que foi à Rua Porto dos Tainheiros pensando em encontrá-lo no casarão discreto, cuja única sinalização de que se trata de um ateliê é um azulejo ilustrado no muro.

O artista pergunta ao repórter onde ele mora. E, ao ouvir Garcia como resposta, diz: “Tem um bocado de trabalho meu por lá”. Fala rapidamente que gosta da tranquilidade da Ribeira, mas logo emenda a informação de que tinha acabado de receber visitas de Israel e dos Estados Unidos. “Eu sou mais conhecido lá do que aqui na Bahia. Sabia disso?”.

Ao olhar para o outro lado da enseada de sua varanda, Prentice comentou a pobreza do lugar onde mora o pastor José Pereira, assim como milhares de soteropolitanos que se aglomeram em casebres nas encostas do subúrbio fugindo da aridez miserável do sertão.

A industrialização da Península de Itapagipe e o êxodo rural, a partir dos anos 1970, transformaram as roças nas encostas, que abasteciam as feiras da Ribeira e de São Joaquim, em concentrações de construções irregulares.

“As autoridades não deviam permitir isso”, opina o artista, que viu, dali mesmo, o deslizamento de terra que aterrou o Motel Mustang em uma tarde chuvosa de abril de 1989.

Mas Itapagipe também tem a beleza. “Remar é o tipo da coisa. Só em você ter a paisagem da Ribeira e da Península de Itapagipe disponível, o remador tem o prazer de estar em um clima maravilhoso”, afirma o presidente da Federação dos Clubes de Regata da Bahia, Nyomisio Lisboa Neto.

A federação conta com cinco clubes que disputam anualmente o campeonato baiano, além de algumas dezenas de atletas que praticam o remo apenas por prazer.

Morador da Ribeira, onde também tem um comércio, o administrador de empresas Roberto Vivas sai uma ou duas vezes por mês com outras cinco pessoas no barco da família para pescar. Vermelho, carapeba... peixes que encontra nas proximidades do Bonfim e, quando o Bonfim não está para peixe, em outros pontos da enseada. O que é pescado vira comida na reunião familiar que se segue. “Meu pai, que tem 90 anos, é de Maraú e costumava pescar. A gente acabou gostando também”, diz.

Memórias

Criado em 2003, por iniciativa do jornalista italiano Pietro Gallina, sua mulher, Marlene Rosa de Souza, e um grupo de amigos, o Instituto Cultural Brasil Itália Europa (Icbie) ocupa o casarão que nas décadas de 1950 e 1960 foi sede do Esporte Clube Bahia.

Desde 2014, o prédio hospeda a Exposição Memórias da Península de Itapagipe, um espaço voltado para a preservação de documentos sobre a região. A Biblioteca Leonardo da Vinci dispõe de cerca de 16 mil títulos, mas a instituição só deve voltar a atender o público a partir de 2021.

“Acredito que o cuidado com esse acervo seja muito importante para a nossa comunidade, pois sua versatilidade permite que ele seja acionado por diversos públicos, desde pesquisadores até turistas interessados em uma vivência mais profunda e qualitativa de nossa cultura”, afirma Pietro, que é curador da exposição e morador da Ribeira há 17 anos.

O bairro ganhou marcas próprias. A segunda-feira gorda, extensão da Lavagem do Bonfim que durante anos esticou os festejos pelas barracas da Beira-mar, a fila do clássico sorvete, a mariscada no boteco, o baba no Campo do Lasca, o gari que vira diretor de arte quando pede a um transeunte para fotografá-lo em determinada pose, para mandar ao chefe e provar que ele está trabalhando. A Ribeira ficou ainda mais soteropolitana depois que os brancos ricos içaram vela e partiram.

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