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ABRE ASPAS

Monique Almeida: “diferença entre o medicamento e o veneno é a dose”

Farmacêutica fala sobre os medicamentos mais vendidos sem prescrição para a população

Por Marcos Dias

14/05/2023 - 8:00 h
Monique Almeida é especialista em farmácia clínica e hospitalar em oncologia e farmacêutica da clínica AMO
Monique Almeida é especialista em farmácia clínica e hospitalar em oncologia e farmacêutica da clínica AMO -

Para a Organização Mundial da Saúde, o uso racional de medicamentos compreende doses adequadas às necessidades individuais, por um período correto e ao menor custo. A automedicação pode causar complicações e mortes e é uma realidade mundo afora, mas no Brasil a estatística assusta: o Instituto de Pesquisa e Pós-Graduação para o Mercado Farmacêutico (ICTQ), mostrou no ano passado que 89% das pessoas se automedicam no Brasil e que os analgésicos estão no topo da lista, com 64%.

Nesta entrevista, a farmacêutica Monique Almeida, especialista em farmácia clínica e hospitalar em oncologia e farmacêutica da clínica AMO, mostra como aspectos culturais e sociais podem estar na base do fenômeno, quais os medicamentos mais vendidos sem prescrição para a população em geral e o risco aumentado da automedicação para pacientes com câncer.

Levantamento do Instituto de Pesquisa e Pós-Graduação para o Mercado Farmacêutico (ICTQ), feito em 2022, revelou que 89% das pessoas se automedicam no Brasil. Qual a razão dessa porcentagem tão alta?

É uma questão cultural do Brasil, em outros países é menor, e também por conta do acesso que os brasileiros têm à saúde, quando a gente vê como é construído o sistema de saúde. Os pacientes buscam fazer a automedicação para curar suas enfermidades, mesmo que não tenham acesso a um médico ou outro profissional de saúde que possam dar uma melhor orientação.

Quais os riscos que correm?

Precisamos entender primeiro, por exemplo, que o paciente sente uma dor de cabeça porque teve um dia estressante ou porque bateu a cabeça em algum lugar, e toma um analgésico. Até aí tudo bem, o que a gente vê maior risco é quando um paciente começa a sentir uma dor que nunca sentiu, não tem motivo aparente, a dor não vai embora, então, ao invés de buscar um profissional de saúde, ele toma um medicamento em casa por conta própria, ou vê alguém falando nas redes sociais, ou um vizinho e familiar orientam a tomar um medicamento sem ter uma orientação. É quando a gente vê a maior gravidade em relação à automedicação. Porque isso pode fazer com que ele demore a ter um diagnóstico de alguma doença porque pode estar mascarando por causa do uso do medicamento. Ou é um paciente que já é politratado, tem alguma comorbidade e já utiliza outros medicamentos e pode estar tendo uma piora clínica ou um evento adverso por conta de outro medicamento que está usando, que também pode mascarar e pode inclusive piorar porque pode haver interação medicamentosa que pode levar à internação desse paciente. Também vemos o Sistema Nacional de Informações Tóxico-Farmacológicas (Sinitox/Fiocruz) que diz que são registrados mais de 30 mil casos de internação por intoxicação medicamentosa, então, é outro risco que podemos ter com pacientes que fazem automedicação, o uso de medicamentos sem orientação adequada.

A OMS estima que mais metade de todos medicamentos são prescritos, dispensados ou vendidos de forma inadequada e que metade dos pacientes não os utilizam de forma correta. Por que isso ocorre?

Isso tem a ver com o uso racional dos medicamentos. Quando a gente sai um pouquinho da parte de automedicação, que é uma forma de você caracterizar o uso irracional dos medicamentos e a gente entra em outros aspectos do uso irracional dos medicamentos, a gente vê que medicamentos são prescritos, dispensados ou vendidos de forma inadequada. Quando medicamentos são vendidos ou dispensados de forma inadequada é quando temos um paciente que compra um medicamento que o onera, com um custo elevado, sendo que ele podia ter outro medicamento com custo mais adequado economicamente. E se a gente tentar vender um produto para um paciente que é inviável economicamente, fazemos com que o paciente não tenha adesão ao tratamento, é uma coisa que acaba levando a outra, ou não faz no tempo correto. Consegue comprar uma caixa mas não consegue comprar duas. Temos outro problema que é quando o paciente não faz o uso no tempo adequado. Quando a gente pensa num antibiótico, por exemplo, que tem um número de dias para fazer o tratamento, e ele não consegue comprar o tratamento completo do problema dele, ele pode ter um prejuízo, ter uma resistência bacteriana, por exemplo.

Quais os medicamentos mais vendidos em relação à automedicação?

Primeiro, são os analgésicos, com 48%, de acordo com o ICTQ. Depois, os antigripais, os anti-inflamatórios, os relaxantes musculares e os antitérmicos. Mas a gente também tem os descongestionantes nasais, expectorantes, antiácidos e os próprios antibióticos. Isso é bem cultural, a gente passou a ter a obrigatoriedade de retenção de receita de antibióticos, com controle pela Anvisa, em 2012, mais ou menos. De lá para cá, a gente vem construindo uma nova cultura, porque antes disso as pessoas confundiam muito. Ah, sentiu uma dor de garganta e imediatamente associava a antibiótico, mas poderia resolver com anti-inflamatório.

Há inclusive pacientes que quando vão ao médico reclamam se eles não prescrevem antibióticos...

Exatamente, a gente vê muito isso. Quando trabalhei em drogarias, fui requisitada várias vezes para fazer indicação de antibiótico quando uma pessoa tinha dor de ouvido ou garganta, é comum ter esse tipo de pedido em drogarias

Há uma febre (a palavra é sintomática) nos EUA de pessoas morrendo por dependência de analgésicos. No Brasil também?

Intoxicação. Sim, no Brasil, o Sintox, da Fiocruz, também apresenta número de mortes no Brasil por intoxicação: são cerca de 20 mil mortes por ano, é um número muito grande.

Farmácias já chegaram a vender cigarros. Há algum produto que se compare a isso nas lojas atualmente?

Atualmente, a gente vê até um controle maior em grandes redes de farmácias em relação à venda de alguns produtos. Vendem produtos de higiene, suplementação, mas em algumas outras, aquelas que chamamos de farmácias de bairro, as independentes, a depender do local a gente ainda encontra vendendo sorvetes, sapato, pilhas e até ração para animais, mas, claro, dentro das possibilidades, os órgãos regulatórios fazendo fiscalizações combatem isso.

Mas, em relação a produtos com a mesma gravidade dos cigarros...

O que a gente costuma dizer é que a diferença entre o medicamento e o veneno é a dose. O uso de medicamentos em si já é arriscado, e fazendo o uso indiscriminado você corre o risco de ter uma intoxicação, entre aspas, de ser envenenado.

Há quem diga que se a pessoas lessem as bulas não tomariam remédios...

A gente escuta muito isso mesmo. Tem muitos pacientes que dizem que depois que leram as bulas passaram a sentir tudo. Não tinham nada antes de ler, depois dizem que começaram a sentir todos os efeitos. Quando você lê a bula começa a fazer uma observação, uma autoanálise, e aí é quando toma consciência daquilo que você está sentindo e pode ter algum tipo de relação com aquele medicamento. Então, um paciente que esteja tomando uma sibutramina, por exemplo, muito utilizado para emagrecimento, muitas vezes tem uma dor de cabeça diária e muitas vezes acha que isso não tem nada a ver com o medicamento. Acha que é porque não está se alimentando direito, porque tem a inibição do apetite, que é por causa da fome. Mas se você ler a bula vai ver que um dos efeitos adversos do medicamento é a dor de cabeça. Ler a bula e começar a sentir é quando você toma consciência de que o que você está sentindo pode ter uma relação com o uso do medicamento. E a partir do momento que tome consciência disso, deve buscar um profissional, um farmacêutico mesmo, que estão nas farmácias. Se é um paciente que faz um tratamento em algum estabelecimento, que procure o farmacêutico desse local, ou mesmo o médico que fez a prescrição, porque a depender do nível daquele efeito é possível trocar, ter um substituto para que o paciente continue o tratamento mantendo a qualidade de vida dele.

Muitas pessoas aliam chás ao uso de medicamentos que estejam usando. Há riscos nessas combinações?

Existe, sim. O uso de chás também é cultural na vida do brasileiro. Crer que tudo se cura com chás, o produto é natural, qualquer pessoa pode tomar... Só que temos alguns medicamentos que interagem com os chás. Há medicamentos que têm substâncias de plantas com efeito farmacológico. O chá vai ter um efeito muito menor do que tomar um medicamento inteiro, claro, mas pode trazer prejuízos quando a gente associa alguns chás com medicamentos ou até mascarar doenças tentando curá-las com chás.

A senhora é especialista em farmácia clínica e hospitalar em oncologia. Pacientes com câncer também costumam se automedicar? Correm mais riscos?

Sim, eles têm o hábito de se automedicar, inclusive muitos também têm o hábito de tomar chás. Nós orientamos, dependendo do tratamento que estejam fazendo e da doença, quais são os chás que devem evitar, que não devem tomar durante o tratamento. A gente vê também alguns pacientes que sentem alguma dor, desconforto, diarreia ou constipação e eles fazem automedicação, mas a orientamos e nos colocamos disponíveis para que entrem em contato sempre que sentirem algo diferente do que têm como normalidade. Fazemos esse acompanhamento e eles têm, sim, risco aumentado, porque quando a gente fala de um paciente idoso, que já tem outras comorbidades como hipertensão e diabetes, que é o que mais encontramos, então, já é um paciente politratado, e ainda fazer uma automedicação sem orientação prévia, realmente, está exposto a um risco muito alto.

Geralmente, os corticoides (que podem agravar sintomas com o que se chama de efeito rebote), podem ser comprados sem receitas. Não há uma regulação sobre essa classe de medicamentos?

Esses medicamentos que ficam dentro do balcão da farmácia devem ser vendidos sob prescrição médica, mas infelizmente não temos um controle tão rigoroso da venda desses medicamentos. A farmácia tem obrigação de cobrar essa prescrição para fazer a venda, mas a gente encontra até a indicação mesma desses medicamentos. Todas as farmácias são organizadas da mesma forma e os medicamentos que ficam fora do balcão são medicamentos isentos de prescrição médica.

Mas fora do balcão, por exemplo, cada vez mais há muitos dermocosméticos e as pessoas podem comprar livremente. Há muitos influencers fazendo propaganda nas redes sociais das grandes multinacionais com o marketing do skin care. Esses produtos são inócuos?

Os dermocosméticos não são inócuos, eles podem trazer danos se o paciente não for bem orientado. Há pacientes alérgicos a determinadas substâncias que podem estar na composição e muitas vezes a pessoa não é alérgica à substância, mas é ao corante, ou não é indicado para aquele o tipo de pele. Vemos muita indicação para tratamento de acne que, na verdade, não resolve, só faz a pessoa gastar com aquele produto e não vai adiantar muita coisa, ao invés de ir ao dermatologista e identificar a causa daquela acne e fazer indicação do tratamento correto para que não tenha um custo tão elevado, porque os dermocosméticos têm valor elevado, para que o paciente não tenha um prejuízo financeiro por causa de uma má indicação do produto.

E até mesmo porque no SUS a maioria da população lida com clínicos, que resolvem muitas doenças, mas não são especialistas. E é uma espécie de tortura, quase, conseguir consulta com um dermatologista, por exemplo.

Sem dúvida. Muitas vezes não é só uma questão estética. Tem alguns problemas que, realmente, precisam ser resolvidos com especialistas, porque o sintoma pode ser acne, mas podem ter outras questões envolvidas e só saberá se fizer uma investigação adequada. Quando deixamos de dar acesso e assistência a pequenas complexidades, acabamos trazendo outro prejuízo ainda maior.

Por falar em influencers, inovações como as de Inteligência Artificial (IA) e o ChatGPT têm mobilizado faculdades de medicina sobre os efeitos dessa tecnologia para essa área. Se alguém descrever sintomas, a IA pode indicar remédios. Acha que isso é uma ameaça aos médicos e que essa tecnologia pode reforçar esse comportamento de automedicação?

Acredito que sim, que pode reforçar. Toda evolução tecnológica é muito bem-vinda, mas quando é má utilizada ficamos reticentes de indicar o uso de alguma forma. A gente vê, realmente, a área da medicina orientando profissionais sobre como eles podem utilizar o ChatGPT para facilitar na área da saúde. Mas acredito que a inteligência artificial pode endossar esse comportamento da automedicação.

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