MUITO
MUITO traz guia de acarajés em Salvador
Por Luana Ribeiro, Eron Rezende e Alessandra Oliveira

Acarajé é uma instituição para os soteropolitanos. Todo mundo tem o seu preferido, sua fórmula para o recheio – “pimenta, vatapá e camarão”; “com caruru, sem pimenta”; “vatapá, caruru e salada” – e todos são especialistas nesse bolinho de feijão-fradinho, cebola e sal. Simples e complexo, um acarajé nunca é igual ao outro, podendo ter variações que vão da massa, em aspectos como sabor, crocância, textura, ponto, aos complementos – porque, afinal, um vatapá ruim pode acabar com o quitute.
Em tempos globalizados, nos quais surgem novas comidas de rua e lanches da moda, ele resiste, ainda que possa se adaptar aos novidadeiros, com invencionices, como acompanhamento de siri catado. Muito percorreu diversos bairros e traz uma pequena amostra desse universo. Há desde os clássicos, como a trinca Dinha-Cira-Regina, aos que estão fora do roteiro turístico. Esses, não se engane, têm seus fãs nos locais onde encravam seus tabuleiros, com filas que começam antes de o azeite de dendê perfumar o ar, em clima de cumplicidade – já reparou que quase todo acarajé é conhecido pelo primeiro nome da baiana?
Dária e Laura -- Primoroso
Dária, a mãe, administra a produção numa casa em Pituaçu. Laura, a filha, assume a negociação com produtores e fregueses. O tabuleiro, há 30 anos, está posicionado numa esquina no bairro da Pituba. E o acarajé (R$ 10, com camarão) é assim: supercrocante por fora, úmido por dentro, com vatapá que não nega a raiz – ali, com certeza, está o camarão seco, a castanha e o amendoim. Há quem, do carro mesmo, peça o seu. Outros sentam para a prosa. Com o acarajé cor de brasa na mão, jura-se que a cidade toda virou mar. A sensação não nega a raiz do negócio. Dária e Laura começaram suas histórias sendo baianas de barracas de praia. A concorrência acirrada, diz Laura, fez com que a receita se guiasse pelo cuidado na escolha dos ingredientes. Primazia é uma praia para elas.
Cira -- Icônico

Jaciara de Jesus Santos, a Cira, é um ícone na história do acarajé. Dito assim, meio RG, soa vago. Mas é de seu ponto original no bairro de Itapuã – depois reproduzido no Rio Vermelho, Piatã e Lauro de Freitas – que essa baiana, há 40 anos, protagoniza a rota do dendê na cidade. Sequinho e dourado, de interior macio, o quitute tem segredo, diz Cira. Mas ela diz sem revelar. “Tem que ser simples. Feijão-fradinho, cebola e sal. Nada mais. O segredo é saber bater”. A filha, Jussara, hoje à frente da administração do negócio, aponta a qualidade do azeite – fresco e não industrializado. Com uma média de 120 bolinhos de acarajé (R$ 10, com camarão) comercializados num único ponto, por dia, o Acarajé da Cira conta com 25 funcionários – sete deles ligados diretamente à produção. A história desse quitute, no entanto, tem um prólogo importante. Odete, mãe de Cira, foi quem primeiro dispôs seu tabuleiro em Itapuã. São dela, diz Cira, as lições até hoje praticadas.
Áurea -- Justo

A escalada do preço do acarajé é, quase sempre, justificada pelo alta do preço das matérias-primas, como o feijão-fradinho e o camarão. Ednei, que herdou o ponto da mãe, Áurea, logo viu que o preço do seu quitute também subiria. Mas ponderou que um agrado era preciso dar ao cliente. Os bolinhos (R$ 8, com camarão) seguem o preço da vizinhança, mas o tamanho é levemente maior. E nada de miséria na hora de colocar o vatapá. Áurea, que inaugurou seu tabuleiro no Parque Costa Azul há 35 anos, ensinou assim: cliente satisfeito, baiana com emprego. Com clientela fiel, a maioria do próprio bairro, Ednei recém-acrescentou ao tabuleiro passarinhas (baço bovino). Fritas, são oferecidas todas as sextas. Ao conselho da mãe, o hoje baiano Ednei diz assim: bem feito é sempre melhor que bem dito.
Dinha -- Tradicional

O ponto foi o primeiro estabelecido no Rio Vermelho. A linhagem começou com a cozinheira Ubaldina de Assis, há 70 anos. Lindinalva, a filha a que todos chamavam de Dinha, fez o ponto no Largo de Santana rebatizar informalmente o local. Hoje, é Largo da Dinha e o negócio é tocado pela neta, Elaine. Uma vez alcunhado como o melhor quitute da cidade, este acarajé (R$ 9, com camarão) é presença certa em guias de turismo. Elaine, diz à Muito, não alterou a receita das baianas de outrora – a única adaptação ficou por conta da inserção de máquinas para moer o feijão-fradinho e fazer a base da massa. A fama que o bolinho ainda carrega, no entanto, parece exagerada. O acarajé, diminuto, vem guarnecido por um vatapá de sabor pouco acentuado. Não inviabiliza a experiência, mas põe certo amargor na celebridade do quitute.
Jaci e Jaci -- Caprichado

Crocante, leve e muito bem acompanhado, tanto em qualidade quanto em sabor. O acarajé (R$ 6 sem camarão e R$ 8 com camarão) das irmãs Jaci é de pedir bis. Elas aprenderam o ofício com a mãe – uma terceira irmã vende os quitutes em feiras e eventos. O único ônus do bolinho é o excesso de azeite do vatapá – boca, garfo e prato ficam “amarelados”. Há 30 anos no mesmo ponto, a irmã mais velha é amiga dos moradores, de quem ganhou o apelido de “Baia”, abreviação de baiana. O bar ao lado do tabuleiro empresta as cadeiras, que dão maior comodidade aos fregueses.
Neinha -- Harmonioso

O tabuleiro de Neinha é parada obrigatória na avenida 7 de Setembro, onde está há 40 anos. O bolinho (R$ 5 sem camarão e R$ 7 com camarão) tem uma massa tão leve e sequinha que é tranquilamente possível repetir a dose. O preço é justo em relação ao tamanho e à qualidade. A quantidade dos acompanhamentos é generosa, com vatapá e caruru. Apenas em relação ao camarão, quando comido separadamente, percebe-se certa falta de sabor. A simpatia das atendentes deixa a desejar, mas nada injustificável em um ponto lotado às 17h30, próximo ao fim de expediente.
Val -- Correto

No ponto onde antes ficava a famosa baiana Loura agora está a barraca, com cerca de um metro, de Val. A cabeleireira começou a vender acarajé e abará há dois meses, depois de concluir um curso no Senac onde aprendeu a fazer os quitutes. Foi a alternativa que encontrou para o desemprego. Seu bolinho de feijão (R$ 6 sem camarão e R$ 8 com camarão) não é irresistível, mas ela não erra. Crocante, seca e branquinha por dentro, a massa do acarajé pesa um pouco na barriga, apesar de não ser grande. Os acompanhamentos vêm em pequena quantidade, mas são bem gostosos.
Meire -- Crocante

Paradoxal talvez seja uma boa palavra para classificar o acarajé de Meire, vendido em uma loja pequena no final da avenida Dom João VI, presente ali há oito anos – antes disso, Meire Carvalho dos Santos, 35, passou dois anos vendendo o quitute no Alto do Saldanha, também em Brotas. O bolinho (R$ 6 sem camarão; R$ 8 com camarão) tem algumas das boas características – é bastante crocante e leve – mas vem com muito azeite residual. O óleo, no entanto, não deixa ranço ou aquele gosto queimado (sim, a palavra aqui é contradição). Quem quiser sair da rotina pode experimentar o acarajé com siri catado (R$ 9): a inovação resulta em um recheio gostoso, mas um pouco salgado.
Ana Alice -- Generoso

Simples, forrado de chita, o tabuleiro de Ana Alice Pedreira, 42, fica instalado embaixo de um dos abrigos do final de linha de Periperi. A pegada é BBB, bom, bonito e barato – o acarajé sem camarão pode ser comprado com aquela moeda de R$ 1 esquecida no bolso (é R$ 3 com camarão). É gostoso, mas poderia ser melhor, se fosse crocante: o bolinho é macio por dentro e por fora, com uma massa de sabor neutro e mais pesada, mas que não chega a ser abatumada. O vatapá segue a linha e vai agradar aos que gostam de consistência. A beleza fica por conta do atendimento simpático de Alice e pela generosidade dos recheios: haja camarão! “Eu não sei trabalhar com miséria, não”, afirma.
Bóris -- Saboroso

O melhor do acarajé do Bóris, apelido de Edilson Anunciação, 41, é o gosto do bolinho: bastante saboroso, satisfaz até mesmo puro, com a cebola dando calor à massa (R$ 10 com camarão; R$ 20 a porção com 15 miniacarajés). Na primeira mordida, sente-se primeiro o crocante da casca. Na sequência, o miolo carnudo. Ele divide com a esposa, Cibele, o atendimento no balcão montado na Praça Aquarius, onde estão há nove anos – ali mesmo já dá para sentar e pedir, quem sabe, outras delícias típicas, como passarinha (que não é uma ave, e sim o baço do boi frito no azeite de dendê) e bolinho de estudante, que não se encontra mais em todo tabuleiro. O negócio é mesmo família: o casal já trabalhou com o tio de Cibele, Gregório, famoso por ser o primeiro homem a vender acarajé na cidade.
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