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24/12/2023 às 6:00 | Autor: Gilson Jorge

MUITO

“Na legislação brasileira, posse tem mais força do que a propriedade"

Assessor da Comissão Pastoral da Terra - Bahia, Ruben Siqueira falou sobre o assunto com a Muito

Ruben Siqueira
Ruben Siqueira -

No último dia 18, o site da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) publicou um texto defendendo que seja assegurada a posse dos territórios indígenas aos povos originários. Uma preocupação que aumentou consideravelmente depois que o Congresso Nacional derrubou os vetos presidenciais ao Marco Temporal, Projeto de Lei que limita a posse aos terrenos ocupados pelos indígenas em 1988, ano da promulgação da Constituição.

A CNBB começou a se preocupar com questões fundiárias na Amazônia em 1975, quando criou a Comissão Pastoral da Terra (CPT), entidade financiada por instituições católicas da Europa. Nessa entrevista, o assessor regional da CPT na Bahia, Ruben Siqueira, formado em filosofia e pedagogia e mestre em ciências sociais, fala sobre a luta pela posse de terra pelos povos originários, comunidades tradicionais e a violência no campo.

Em setembro deste ano, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu contra o marco temporal criado pelo governo baiano para terrenos reivindicados por comunidades tradicionais. Uma vitória dos pequenos proprietários. No plano nacional aconteceu o contrário e o Congresso acaba de derrubar os vetos presidenciais ao marco temporal para terras indígenas. Como o senhor avalia essas decisões?

O marco temporal nacional diz mais respeito aos povos originários. Mas nos dois casos, estadual e nacional, há decisões do Supremo favoráveis aos povos. O nacional volta à tramitação porque o Congresso decidiu que só se pode reivindicar como dos povos originários os terrenos que já estavam ocupados na promulgação da Constituição, em 1988. E teve o marco temporal da Bahia, que diz respeito às terras públicas do estado. Nesse caso, o governo baiano tinha estabelecido, em 2018, que as comunidades quilombolas e de fecho e frente de pasto [tipo de propriedade rural coletiva] só teriam direito a terras que já estivessem ocupadas em 2013.

Como ficam as coisas agora?

No caso do estado, eu não tenho notícia de que houve recurso por parte do governo. Nem sei se cabe mais. No caso federal, o movimento social, os representantes das entidades indigenistas e de direitos humanos estão para recorrer ao Supremo Tribunal Federal porque se trata de uma decisão inconstitucional. O argumento mais forte contra as mudanças que o Congresso fez diz respeito ao que a própria Constituição estabeleceu. Mas a nossa democracia está tão fragilizada que há um protagonismo do Poder Judiciário porque os parlamentos, em níveis federal e estadual, estão fragilizados em função dos grandes interesses que estão por trás dessas decisões. Há uma esperança de que a coisa seja revertida. O que está por trás, tanto no caso do marco temporal baiano quanto no federal, é que essas áreas, ainda controladas por povos originários ou tradicionais, possuem muita riqueza. Antes, era só a terra de lavrar. Hoje é o subsolo, com uma grande diversidade mineral, com minerais estratégicos, como o lítio, usado em baterias de carros elétricos e para kits de energia solar. E a Bahia está bombando nessa transição energética.

Como é a relação das empresas que constroem parques eólicos e de energia solar com os pequenos proprietários que arrendam os terrenos?

Boa parte desses parques está em áreas que essas comunidades centenárias controlam. Ainda que haja um regime de comodato, no caso das torres eólicas, com as comunidades recebendo royalties pela energia gerada, eles estão com o seu modo de vida perturbado. As abelhas correm, os bodes correm. O plantio embaixo das torres tem certas restrições. É uma intervenção em nome do desenvolvimento e da energia limpa que tem prejudicado muito essas comunidades. O que se espera é que o Poder Judiciário, o último ao qual a gente se apega, possa reverter essa decisão nacional e manter a estadual.

As empresas que constroem os parques assinam contratos com os proprietários de terra. Como isso funciona?

Há um contrato bem detalhado, mas tem aquela coisa das letras minúsculas. Se as comunidades não tiverem assessoria, assinam sem saber. E muitas são atraídas pelos royalties, mas sem saber os efeitos da implantação do parque. Depois da implantação, muitas delas reclamam, por exemplo, do barulho causado pelas hélices. Isso causa transtornos mentais em pessoas idosas, afeta os animais.

Na Bahia, quais são as áreas com situação mais dramática em termos de conflitos de terra?

A Bahia é bem diversa. Mas você tem a Serra Geral, o Espigão Mestre, entre a margem direita do Rio São Francisco e a margem esquerda da Chapada Diamantina, que tem os melhores ventos, ventos constantes, ideais para as torres eólicas. E está bombando, não é? Você tem parques ali com 800 torres. E está aumentando. Isso traz transtornos, porque também essas áreas de topo de serra são zonas de recarga hídrica. Tem um impacto direto sobre o fornecimento de recursos hídricos. Até porque para levar essas imensas torres e construir as bases para sustentar essas torres em pé você vai passando sobre o que estiver no caminho, cursos d'água, riachos, nascentes. Há muitos danos e isso é pouco visibilizado. Mesmo o Governo Lula agora, na COP 28, teve o discurso de que o Brasil será o paraíso das energias renováveis e também da exploração de petróleo, o que é um discurso contraditório. Quanto aos conflitos de terra na Bahia, no ano passado houve 221 ocorrências, 17% a mais do que em 2021. Há um avanço nos conflitos. No ano passado, houve três assassinatos. Dois sem-terra e um indígena, o Gustavo Pataxó, de 14 anos. Em 2022, houve 27 ameaças de morte, 170% a mais do que em 2021. Foram 22 agredidos, 175% a mais do que no ano anterior. E houve quatro tentativas de assassinato.

Onde há mais conflitos?

A conflitividade maior é com o agronegócio e com as eólicas. Os municípios mais conflitivos são Correntina e a região de Campo Formoso, Ourilândia. Boa parte desses conflitos têm relação com as comunidades de fundo e frente de pasto, que se dedicam à criação de animais, que usam o terreno de maneira comum. Cada rebanho tem a marca de seus donos, mas pastoreiam juntos e uns cuidam dos animais dos outros. Esses conflitos se concentram no Oeste da Bahia, onde as famílias usam as áreas próximas à margem de pequenos cursos de rios para uma lavoura mínima, inclusive com irrigação. Na época da seca, eles vão levar o gado para o pé da serra, para um terreno que, tradicionalmente, é deles. Isso remonta à Lei de Terras de 1850. Muitos vaqueiros foram ficando com essas áreas e a lei lhes favorece. Na legislação brasileira, a posse tem mais força do que a propriedade privada. Há muitos conflitos em municípios como Correntina, São Desidério, Cocos.

E o impacto da mineração no estado?

A Bahia tem a maior diversidade mineral do país e a terceira maior produção, atrás do Pará e de Minas Gerais. As pesquisas indicam extensas áreas com possibilidade de exploração e a gente sabe que, pelas autoridades, as comunidades que ali estão e, de certa forma, o próprio meio ambiente, são secundários. O interesse empresarial, do negócio, vem em primeiro lugar.

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