MUITO
No balanço da rede
Antonia Damásio*
Por Antonia Damásio*
As redes sociais capturam os nossos sentidos, estabelecem novas valências, e favorecem aproximações, construindo narrativas de diferentes pesos atômicos e polaridades. Uma postagem pode passar despercebida, ainda que possua conteúdo relevante, estabeleça uma boa química, e possua uma base de dados consistente. Uma imagem agradável ou grotesca, sem muitos recursos linguísticos, pode viralizar quase que instantaneamente. São as peripécias dos algoritmos. E, talvez, exista aí um algo a mais.
Que estamos à mercê das acrobacias tecnológicas, já sabemos. Alguns até conseguem viver como outsiders, à margem das redes, mas pouco a pouco o aparato se impõe e determina os imperativos de formas de acesso. Por mais analógicos que sejamos, não utilizamos mais os envelopes postados no correio para estabelecer nossas comunicações pessoais ou empresariais. Para movimentar o correio eletrônico e a nuvem, é necessário possuir um dispositivo para confirmação de identidade. Alguns aplicativos demandam reconhecimento digital ou facial.
Um peixe não vive muito tempo fora deste aquário. E as borbulhas nem sempre são de amor. Há pronunciamentos que despertam e reverberam os mais violentos afetos. A magia do engajamento é como um anzol que, ao nos fisgar, captura nossa percepção. Uma enxurrada de estímulos que em lugar de ampliar nossa experiência sensorial, fragmenta as informações e limita a possibilidade de analisar os dados de um modo mais dilatado e reflexivo. As expressões vão se comprimindo e toda tentativa de descrever os sentimentos vira “alerta textão” ou “podcast”.
O fato é que a comunicação interpessoal também se altera com as mudanças de interação provocadas pelas redes sociais. Há outros códigos de conduta, outras linguagens, outra lógica circulando. Ainda outro dia meu face estourou com uma imagem de beleza nua e crua. Compreendi que a velocidade em que circula a informação afeta a nossa cognição e altera o nosso tempo de resposta.
Precisei retomar algumas vezes para entender que se tratava de uma exposição consentida de um corpo para lá de atlético (e conhecido). No caso, o modelo desejou expor seus atributos corporais, como um Davi regalado com a sua própria forma. Uma beleza digna extraída do mármore, que mereceu um olhar detido e meticuloso e muitos ritornelos.
O curioso é que, a princípio, não reconheci a estrutura. Um corpo modificado pelo tempo, pelo esforço e pela mudança radical na alimentação. Para meu espanto, uma parte significativa dos comentários oriundos das mulheres tinha tom de repreensão. Não resisti à tentação de sair em defesa da beleza, da ousadia e da subversão. Não se tratava de uma postagem erótica, mas tinha bastante potencial para mobilizar nossas reservas anuais de testosterona. Uma pessoa feliz com seu corpo exala sensualidade. E se ela decide compartilhar esse momento efusivo, tem meu respeito.
Não é segredo que podemos ser rastreados por toda parte. Nossas postagens podem transitar pelo mundo todo, ou permanecer em pequenos nichos. Tudo que não dizemos, também pode ser usado contra nós. Muitas vezes eu nada quero saber sobre a violência que eclode por toda parte, mas muito me regozijei naquele dia. O que os olhos não pegam, o coração aquiesce e sente.
*Psicanalista
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