MUITO
"Nosso acervo tem 600 mil peças e não temos um prédio definitivo"
Por Gilson Jorge

Qual a importância da descoberta da fonte com espelho d’água na Praça Castro Alves?
Toda a requalificação vem sendo acompanhada por arqueólogos, desde a Avenida Sete à Praça Castro Alves. Pela legislação brasileira, qualquer intervenção no subsolo deve ser acompanhada por um arqueólogo, principalmente em locais históricos como Salvador, uma das cidades mais antigas do Brasil. Para além do período histórico, Salvador tinha uma ocupação anterior, indígena. Pelo levantamento histórico não havia nenhum indício do que pudesse existir. Se não houvesse acompanhamento de arqueólogos, provavelmente não teríamos sabido de sua existência. Como já se sabia do Teatro São João, incendiado em 1923 e depois demolido, imaginou-se que fosse do teatro. Era comum que teatros tivessem fossos para acomodar a orquestra, um balé, integrantes de uma ópera... Mas tudo indica que é uma estrutura posterior ao teatro, porque está posicionada acima da fundação do São João, e em 1930 não existia mais, teve uma presença curta na vida pública da cidade.
Como o museu está acompanhando o processo?
Na parte da arqueologia, o que tem acontecido é um contato. A gente organizou pelo museu duas visitas técnicas com monitores, estagiários e outros alunos da Ufba ao sítio arqueológico da Praça Castro Alves. Essas informações que tenho foram passadas em conversas com o pessoal da arqueologia. [Há três empresas privadas de arqueologia trabalhando em Salvador atualmente para o poder público].
Antes dessa descoberta já se falava em 10 mil artefatos encontrados ao longo da área requalificada na Avenida Sete, inclusive documentos da cultura tupi. Parte desse acervo vem para o Museu?
Foram encontrados documentos arqueológicos como uma urna funerária da cultura tupi, com presença de ossos. É um sítio menor onde vai ser realizado o salvamento depois das obras de requalificação. Todo trabalho de arqueologia precisa de um endosso institucional. Uma instituição de guarda e pesquisa, um museu, tem que dizer que fica responsável por aquelas peças ao final do trabalho. A equipe de arqueologia escava, analisa, faz o relatório, limpa, enumera. Faz todos os trabalhos de laboratório, classifica e acondiciona e aí vai para um museu. Em Salvador, hoje, não temos nenhuma instituição que esteja apta a dar o endosso institucional. O Museu de Arquelogia e Etnologia não está. Estamos inaptos desde 2014. O nosso acervo já tem cerca de 600 mil peças e não temos ainda um prédio definitivo. O Ifba [Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia da Bahia] cedeu um espaço, mas estamos lutando para a construção de um prédio na área da Escola de Belas Artes, no Canela, para que possamos mover nossas coleções. Eu, pessoalmente, acho uma pena. Há uma recomendação do Iphan [Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional] de que o material arqueológico fique o mais próximo possível do local em que foi encontrado. Na impossibilidade, admite-se levar para mais longe.

Onde vai ficar quardado o material que está sendo descoberto?
Essas peças vão para o Campus da Uneb [Universidade do Estado da Bahia], em Paulo Afonso. Eles que deram endosso institucional e pelo menos não fica tão longe, fica na Bahia. Mas, infelizmente, a gente precisaria de um investimento, não só por parte da Ufba, mas também de empresas parceiras para que possamos ter uma esturutura que nos permita não só acondicionar, mas também realizar pesquisas nesse material. Neste momento, não há ninguém realizando pesquisas no museu porque o nosso material não está organizado. A gente não pode receber visitantes porque não se sabe nem onde estão as peças. Recentemente, uma doutoranda queria analisar as cerâmicas históricas vermelhas. Eu não sei quantas temos hoje. A equipe do museu é recente. Estou no museu desde 2014, apenas. O museu, apesar de ser de 1983, tem acervo da década de 1960. É um acervo muito grande, variado. A gente está tentando sistematizar. O atual diretor [Marco Tromboni] tem dois anos no cargo.
Não há nenhum funcionário antigo no museu? Ninguém que conheça todo o acervo?
Hoje, não. A equipe toda é nova. O que é bom é que é uma equipe interdisciplinar. A gente tem museólogo, conservador e restaurador, agora, é uma equipe pequena. Do corpo técnico, somos cinco, para cuidar de mais de 600 mil peças arqueológicas e 800 peças etnológicas que requerem cuidados especiais, pois se degradam mais facilmente. Palha, pena, tecido... Nosso acervo já era importante por si só, mas depois do incêndio do Museu Nacional, no Rio de Janeiro, em que se perderam importantes acervos etnológicos do Xingu, nosso acervo ganhou uma importância ímpar. O acervo do professor Pedro Agostinho, que está em exposição, é a maior coleção dos camaiurás fora do Xingu. Um acervo da década de 1960. Recebemos no ano passado a visita dos camaiurás para conhecer o acervo e estamos tentando desenvolver projetos juntos para valorizá-lo.

A Ufba designou esse terreno no fundo da Escola de Belas Artes para ser vir como Centro de Referência em Arqueologia e Conservação e Restauro, onde vão ficar as reservas técnicas, a sala de arquivo e pesquisa, tudo junto porque o ideal é que a documentação fique próxima dos objetos. Aqui ficariam apenas a sede expositiva e administrativa do museu.
Explique, por favor, o que são as reservas técnicas. Há data para esse novo prédio?
É onde fica o material que não está em exposição. Por exemplo, temos cerca de 600 mil peças arqueológicas, mas há umas 200 na exposição. Todas as outras estão acondicionadas na reserva técnica, numa caixa específica, numa embalagem específica, com a ficha que diz o que é aquela peça, quem coletou e em que data, para que possa ser identificada facilmente. Se um pesquisador me perguntar onde estão as conchas de vidro da Praça da Sé, eu sei onde estão. A gente tem uma parceria com o Centro Nacional de Arqueologia, do Iphan, que disponibilizou uma verba via TAC [Termo de Ajuste de conduta] para construção e equipagem da reserva técnica. A gente está esperando esse processo andar. A Bahia também abriga um mito da arqueologia brasileira.
O que era exatamente o Documento 512, que falava em minas de ouro e prata?
(Risos) É um manuscrito do período imperial em que os bandeirantes descrevem uma cidade perdida na região de Rio de Contas, na Chapada Diamantina, com abundância de ouro e prata. Um lugar nos moldes das cidades andinas. Só que a gente nunca encontrou nenhum indício arqueológico de que essa cidade existiu.
Foi uma fake news... a primeira da história da Bahia?
Total. Não sei se a primeira... nem dá para saber qual foi a intenção, se eles acreditaram nisso, se houve uma alucinação coletiva por causa da insolação. Mas a gente já teve várias equipes de arqueologia desde o Império. E não há indício que essa cidade existiu.
Vai haver este ano um encontro de arqueólogos na Bahia. Qual o objetivo?
A arqueologia em Salvador é muito pouco falada. Temos uma graduação em Paulo Afonso (Uneb) e uma pós no Recôncavo, mestrado em arqueologia e patrimônio cultural. Mas é muito recente e ainda é uma tema muito pouco falado. Dá para viver na Bahia de arqueologia.
Compartilhe essa notícia com seus amigos
Siga nossas redes