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Novos modelos de paternidade: mais escuta e afeto

Pais revelam com qual paternidade tiveram contato e os atuais desafios do cuidado afetivo dos filhos

Por Renato Alban

13/08/2023 - 6:00 h | Atualizada em 14/08/2023 - 12:01
Advogado Diego Massena, pai de Helena e Isabela
Advogado Diego Massena, pai de Helena e Isabela -

Relações distantes, sem espaço para conversas e com poucos abraços. É assim que alguns pais entrevistados pelo A TARDE neste Dia dos Pais descrevem a paternidade que tiveram contato quando crianças. Agora, com os próprios filhos e acesso a debates sobre papéis de gênero, escolhem relações baseadas na escuta, no cuidado e no afeto. Para o psicólogo e terapeuta familiar Alexandre Coimbra Amaral, o Brasil vive uma revolução parental.

Segundo ele, a divisão tradicional de funções entre pais e mães passou a ser questionada pelas mulheres. “Ao longo das últimas décadas, as mulheres vêm dizendo das ausências, negligências e violências dos homens contra elas e contra a organização de uma família”, explica.

O centro da mudança, diz Alexandre, está na responsabilidade pelo cuidado. De acordo com o terapeuta, o padrão social orienta os homens a se responsabilizar pela renda familiar e a delegar o cuidado da casa e dos filhos às mulheres, sejam esposas, mães ou empregadas. Mas, com a popularização de debates sobre feminismo, isso está mudando.

Alexandre, que é pai de Luã, de 16 anos, Ravi, 14, e Gael, 9, ressalta que a mudança, ainda que despertada pelo movimento de mulheres, traz aos homens a possibilidade de criar os filhos com menos dor e mais respeito do que viveram na infância.

“Tem cansaço, tem angústia, mas tem um imenso prazer que vem desse vínculo amoroso que se constrói com o tempo e a entrega”.O psicólogo ressalta que repensar a educação das gerações passadas não é uma “desonra” às paternidades que vieram antes. “Eles fizeram o melhor que puderam, mas isso não deve silenciar a dor que está dentro de nós”.

Alexandre conta que tinha uma relação íntima com o pai, mas que sofreu com a normalização da violência física na época.Também psicólogo, Anderson Chalhub, pai de Lucca, 4, conta que se inspira no carinho que recebia da mãe para se relacionar com o filho.

“Meu pai era o provedor que pouco sorria, pouco demonstrava afeto, mas trazia o sustento para a família”, lembra. Na paternidade, o psicólogo atenta para não reproduzir a educação punitiva e repressora que recebeu.“Quando sinto raiva por alguma coisa que meu filho fez e me desapontou, tento entrar nas conversas difíceis e acordos que eu não tive na infância”, conta Anderson.

O psicólogo quer que Lucca tenha acesso à educação emocional, ou seja, que ele seja capaz de reconhecer as emoções e encontre caminhos para lidar com elas.Como avô, o pai de Anderson tem repensado o lugar do carinho nas relações familiares.

“Ainda que distante emocionalmente, ele já demonstra alguns tipos de afeto pelos netos”. A própria relação do psicólogo com o pai tem mudado com a adoção de Lucca. “Temos uma oportunidade de ressignificar o carinho transmitido pelos homens da família de lá de trás, meu pai, meu avô”.

O advogado Diego Massena, pai das gêmeas Helena e Isabela, de 10 meses, também sentiu falta de diálogo na infância: “Meu pai sempre tentou mostrar afeto por meio de presentes, mas o diálogo não era comum”.Primeiro pai solo por fertilização in vitro do Nordeste, Diego enfrentou uma batalha judicial para realizar o sonho da paternidade. O advogado precisava da autorização do Conselho Regional de Medicina da Bahia (Cremeb) para realizar o procedimento, mas, a priori, o órgão negou o pedido.

A recomendação do Conselho Federal de Medicina (CFM) é que a pessoa que oferece a barriga solidária já tenha engravidado antes, o que não tinha acontecido no caso da gestora de Helena e Isabela.Diego entrou na Justiça alegando que a recomendação do CFM não é uma lei.

“Tive que lutar pelo meu direito constitucional de ser pai”, diz ele. Depois de vencer a disputa, Diego se dedica a oferecer às filhas uma educação baseada na união. “Estamos em uma constituição familiar peculiar, então, quero que elas tenham muito amor olhando uma para a outra, carinho, atenção, parceria”.

Como advogado, Diego relata que é comum testemunhar a ausência paterna em disputas judiciais: “Às vezes, o pai acredita que basta pagar uma pensão e que isso é suficiente para a educação de uma criança”.Ele quer seguir outro caminho e romper com padrões sociais: “Não exerço um papel de pai e mãe, eu exerço um papel de pai, o que me permite fazer tudo”.

Estudante de Medicina, Theo Brandon, pai de Dionísio, 3, também teve que ser resiliente para se tornar pai. Ele é um homem transgênero e teve o filho com uma mulher trans. Como os dois estavam em tratamento hormonal, a geração da criança poderia se tornar impossível, por isso, tiveram que decidir rapidamente se teriam filho. E, mesmo depois, Theo sofreu um aborto retido.

“Dionísio é produto da nossa resiliência para uma segunda tentativa, nossa dádiva”, afirma Theo. O filho nasceu no dia 7 de Setembro, data que marca a Independência do Brasil e também o dia do Orgulho Trans em Salvador. “Foi um ato simbólico de resistência e existência muito importante para mim, de materializar a conquista da transparentalidade”.

Com Dionísio, o universitário afirma que reproduz valores que aprendeu com o próprio pai, como ser honesto, digno e trabalhador. Mas também evita outros comportamentos, como discutir a relação com a esposa na frente do filho. “Isso tem um grande impacto na saúde emocional, na memória e no desenvolvimento da criança”, opina Theo.

O porquê das coisas, uma composição familiar com pai e mãe, Moana, 4, tem crescido sem a distinção conservadora entre os papéis dos cuidadores. É como enxerga o pai dela, o controlador de voo Aderbal Aguiar. Ele cresceu com um pai que, para garantir a renda familiar, passava pouco tempo em casa. Ainda que reconheça o esforço dele, Aderbal não quer repetir o padrão com Moana.“Nos dias de semana, eu fico a manhã toda com ela, consigo conciliar bem com o trabalho”, conta ele.

Apesar de crescer sem se sentir à vontade para conversar com o pai, Aderbal aprendeu com o avô de Moana a escutar. “Ele sempre explicava o porquê das coisas, Moana é muito ‘perguntadeira’ e eu tento explicar tudo para ela também”.O planejador financeiro Raphael Carneiro, pai de Pedro, 6, mudou de carreira para ter mais tempo com o filho.

“Hoje, arrumo ele, dou café, faço almoço, encaixo a rotina de cuidado, levo ao médico”, descreve. Para Raphael, o pai não pode ser apenas o provedor da renda familiar. “O papel que muita gente acha que é da mãe, para mim, é dos pais”.Raphael conta que o pai dele estava aberto à conversa durante sua infância. Com o filho, ele reproduz o laço de amizade, mas troca a punição e o castigo que recebeu quando criança por conversa.

“Vejo meu filho como uma pessoa que quer entender o que está acontecendo, então, o diálogo é maior, não só de abertura para conversa, mas para explicar os porquês”.Liderando um grupo terapêutico de homens de todo o país, Alexandre Coimbra Amaral destaca que a revolução da paternidade voltada para o afeto e para a escuta ainda é restrita a determinados grupos.

Para o psicólogo Anderson Chalhub, discussões sobre novos modelos de paternidade ainda estão mais associadas a homens brancos em classes sociais com mais dinheiro.Formando um casal interracial e pai de um menino negro, Anderson afirma que discussões sobre diversidade de etnias e cores precisam estar em mais casas.

“A gente tem que levar esses debates sobre paternidade para famílias pretas, porque isso não chega e, quando chega, é enviesado pelo olhar branco”, explica.Com o filho, o psicólogo e o marido conversam sobre questões de raça, sexualidade e gênero por meio de histórias infantis. Abordam variedade de tons de pele, respeito ao corpo e formações familiares com mães solo, pais divorciados e casais homoafetivos.

“É importante que a gente nunca aponte um caminho só para a criança, como o da heteronormatividade”. Transformação para os pais ouvidos pela reportagem, a paternidade tem vários significados, que passam por responsabilidade, afeto, amor, diálogo e transformação. O psicólogo Alexandre sugere que os pais relembrem das vivências na infância e se imaginem no lugar dos próprios filhos com a reflexão do que pode ser feito diferente.

Para Aberbal, a paternidade é a compreensão de que a filha é a principal obrigação dele. “A felicidade dela é minha prioridade, eu priorizo os sonhos dela”, afirma o controlador de voo. O advogado Diego também destaca o comprometimento exigido pela função: “A responsabilidade pela paternidade é conjunta e não limitada ao pagamento de uma pensão”.Seguindo o mesmo caminho, o planejador financeiro Raphael considera que paternidade não tem a ver apenas com a garantia da renda da casa.

“Pai é o que faz o papel de criar, cuidar, orientar, dividir a criação do filho”.O psicólogo Anderson afirma que demorou a sonhar em ser pai por ser um homem gay. “A homofobia que eu sofri na minha família me afastou de qualquer pretensão de desejar ter uma família só minha”, conta.

O marido de Anderson trouxe a vontade, que transformou a vida dele: “A paternidade tem sido uma revolução para mim”.O estudante de Medicina Theo entende que, para ele, se tornar pai foi uma “grande metamorfose”: “É um aprendizado constante com relação a quem você está criando e acerca de si mesmo”. Segundo Alexandre, a função de pai pode liberar canais de afeto e até oferecer um entendimento das próprias emoções. “A paternidade é a pedagogia do amor”, afirma o psicólogo.

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