OLHARES
Novos talentos na fotografia
Na fotografia, o frescor de novos olhares também não fica imune à regra geral dos desafios
Por Cristina Damasceno* / [email protected]
O surgimento de novos talentos, em qualquer época em diferentes áreas, é de vital importância para a dinâmica de uma sociedade. Contudo, na maioria das vezes, o processo de aceitação, à primeira vista, se torna um obstáculo para os principiantes no percurso de encontrar um lugar de reconhecimento de suas habilidades.
Na fotografia, o frescor de novos olhares também não fica imune à regra geral dos desafios estabelecidos na disputa por espaço. Em razão disso, quero falar hoje, aqui, sobre a produção fotográfica ainda menos conhecida de estudantes que considero promissores para a fotografia contemporânea baiana.
Alguns nomes reencontrei na exposição Impermanência, que ficou em cartaz até o começo de setembro na Casa de Castro Alves, Carmo, Centro Histórico de Salvador. Lá foram expostos 14 trabalhos dos seguintes monitores: Caíque Silva, Eloá Silva, Laís di Oliveira, Luísa Calmon, Maiana Oliveira, Martha Valentine, Meneson Conceição, Mamirawá, Pedro Pinheiro, Raquel Brito, Raquel Franco, Samara Said, Thaís Chaves e Vitória Sampaio. Os trabalhos, com variados gêneros fotográficos, indicavam vocação jornalística, documental, como também viés artístico conceitual.
Os integrantes fazem parte do Labfoto, vinculado à escola de Comunicação da Universidade Federal da Bahia (Ufba), laboratório que tem como objetivo dar suporte às disciplinas de fotografia, ofertadas pela Facom.
Coordenado pelo professor Rodrigo Rossoni e tendo na equipe permanente de apoio a fotógrafa experiente Mara Mércia, o Labfoto desenvolve um programa de formação em fotografia com ênfase no fotojornalismo, estimulando ainda projetos fotográficos autorais.
A exposição reuniu um panorama de temas relacionados à atualidade que despertam emoções comuns a todos nós, como o sofrimento da perda, abordado por Martha Valentine e Vitória Sampaio.
Martha utilizou as cores como guia para expressar seu sentimento de tristeza diante da dor, imagens em que um corpo aparece coberto por uma névoa na penumbra e, na sequência, tons vibrantes vão aparecendo, simbolizando o processo de pesar. Enquanto Vitória revisita a casa de um ente querido, falecido, à procura de lembranças para preencher o vazio vivido no seu luto.
A série é composta por fotografias da fachada da casa, dos cômodos, quintal e detalhes da caixa de correio, da fechadura e, no centro da composição, um aviso da Secretaria de Saúde indicando que a casa estava fechada durante a visita de inspeção do órgão. O efeito dessas fotografias me uniu à fotógrafa pela sensação de desconsolo perante o sofrimento.
Valores identitários
Já Laís di Oliveira e Caíque Silva optaram por fazer ensaios performáticos trazendo conteúdos referentes à identificação dos corpos, seja na sociedade ou em suas relações com a natureza. Laís escolheu realizar seu trabalho a partir de suas experiências como mulher integrante do Coletivo LGBTQIAPN+ Das Liliths.
Ela lança uma provocação ao incômodo social em relação aos corpos de pessoas trans, homossexuais e lésbicas que se recusam a ser silenciados ou ignorados. “Esses corpos, ao transitarem nesse espaço, desafiando normas e expectativas, produzem fissuras no sistema de poder dominante e abrem caminho para novas possibilidades”, afirma Laís.
Um cenário particular foi montado para a encenação do trabalho intitulado Antes da performance, que contou com a participação do Coletivo. Com uma iluminação predominantemente vermelha, nota-se no conjunto de seis imagens a presença de alguém que, de várias maneiras, aparece junto às partes de corpos de manequins, podendo sugerir a ideia de um duplo.
Em algumas fotografias se percebe, no segundo plano, ao fundo, detalhes de uma grade entreaberta e em outra um espelho na lateral. As escolhas simbólicas de Laís foram assertivas na forma de tratar a profundidade do assunto selecionado.
Com Caíque, as relações do corpo com a natureza foi o motivo central de seu trabalho. Ela fala de seu desejo íntimo de investigar a natureza e refletir sobre uma ancestralidade verde, pensando no corpo-terra e nas consequências que o modo de viver em sociedade tem afetado o planeta.
As imagens foram criadas em alguns dos poucos bolsões verdes que ainda existem da Mata Atlântica, em Salvador. Os atores convidados para performar interagiram com elementos da natureza como pedras, flores, folhas, terra, animais mortos, dentre outros. O resultado do projeto originou o ensaio intitulado Tudo que sonhei antes do fim.
Segundo Caíque, seus trabalhos anteriores sempre estiveram relacionados à natureza e à territorialidade, mas duravam alguns meses. Entretanto, esse projeto é fruto de cerca de um ano de desenvolvimento. Mesmo que pareça repetitivo, o tema não se esgotou, pois ela sente que a terra ainda a chama. Caíque atualmente é estudante do BI de Artes, mas já tem uma graduação em publicidade. A construção sensível de sua obra reflete a sua maturidade criativa.
Olhar com o coração
Por fim, mais uma promessa vinculada à Escola de Belas Artes da Ufba, Milena Palladino, estudante de artes plásticas que, mesmo sendo graduada em jornalismo, busca um aprofundamento nas possibilidades criativas da fotografia no campo da arte.
Em seu processo criativo, ela usa a fotografia como matéria no sentido de enxergar o mundo de forma mais humanizada, “com o coração”. Ela declara: “Eu procuro colocar os olhos para dentro, investigar o que me incomoda e o que quer se expressar, sempre é o coração que responde”.
A escolha de um ensaio com autorretratos partiu de sua necessidade de autoconhecimento, principalmente nos momentos melancólicos. Em suas pesquisas, ela buscou referências na sensibilidade dos autorretratos da artista americana Francesca Woodman e na ousadia de Cindy Sherman. A poética de Milena encanta pela leveza de como, muitas vezes, trata seus anseios e angústias.
Concluindo, perante o número cada vez maior da produção fotográfica atual, fica aqui uma pequena mostra do vigor de uma nova geração que explora questões diversificadas e escolhem a fotografia como meio de expressão.
*Doutora em Artes Visuais e professora da Escola de Belas Artes (Ufba)
Compartilhe essa notícia com seus amigos
Cidadão Repórter
Contribua para o portal com vídeos, áudios e textos sobre o que está acontecendo em seu bairro
Siga nossas redes