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25/02/2024 às 6:00 - há XX semanas | Autor: Pedro Hijo

ANÁLISE

"O BBB é um grande jogo de espelho da sociedade", diz psicanalista

Na 24ª edição, o Big Brother Brasil, ou BBB, apresenta números que impressionam

Juliana Sperandio – Psicanalista
Juliana Sperandio – Psicanalista -

Na 24ª edição, o Big Brother Brasil, ou BBB, apresenta números que impressionam. O programa da Rede Globo faturou mais de R$ 1,2 bilhão este ano, de acordo com dados da emissora, e em 2020 entrou no livro dos recordes Guiness Book como o programa de televisão que recebeu a maior quantidade de votos em uma eliminação. Foram 1,5 bilhão de votos. Mas, por que o BBB interessa tanto aos brasileiros? De acordo com a psicanalista baiana Juliana Sperandio, ver as conquistas e dores de outra pessoa pode oferecer algum nível de realização a quem assiste ao reality show. Testemunhar a dinâmica de um grupo de pessoas confinadas numa casa em busca de um prêmio em dinheiro pode servir como um microscópio do que acontece fora dali, segundo a especialista.

“O que a gente assiste na televisão é também um espelho daquilo que gostamos de ver na gente e daquilo que gostaríamos de ser”, comenta Juliana que é doutoranda da Universidade Paris VII e pesquisa sobre saúde mental. Na edição deste ano, as desavenças entre o motorista de carro por aplicativo Davi Brito e a cantora Wanessa Camargo têm levantado debates sobre racismo e consciência de classe nas redes sociais. Para muitos, a cantora tem movimentado uma perseguição a Davi dentro da casa, o que abalou a reputação de Wanessa como pessoa pública. Ao tratar sobre o assunto, Juliana traça um paralelo entre a lógica do cancelamento e a mentalidade manicomial. “Quando alguém destoa [da sociedade], essa pessoa é excluída”, diz. “Pouco importa o que aconteça com ela, o que importa é que ela não esteja no mesmo ambiente em que eu estou porque a existência dela me incomoda. Mas, por que essa existência incomoda?”.

Por que o Big Brother mobiliza tanto os brasileiros?

É interessante você fazer esse recorte do Brasil, porque o Big Brother é um jogo de exclusão. É um programa que propõe ver quem aguenta ficar mais tempo excluído da família, dos amigos, de um contexto social em que estava. E o Brasil é um país muito excludente. O programa traz uma questão que todo mundo passa a vida tentando responder, que é a de quem se é a partir do olhar do outro e como isso influencia na forma como nos relacionamos, pensamos em nós mesmos e nas coisas que fazemos. Essa auto cobrança também deixa o pessoal de dentro da casa completamente agoniado para tentar descobrir como o outro está vendo seu comportamento. Volta e meia, os participantes querem colocar alguém no "paredão" para testar se aquele competidor está sendo aceito pelo público ou não, e isso é curioso. Porque surge uma dúvida: será que o certo é agir pelo que se sente ou pelo que o público deseja e acredita ser correto? O Big Brother é um programa muito popular e que mostra várias bolhas sendo furadas. E o brasileiro ama acompanhar suas verdades sendo jogadas na televisão e se distanciar disso.

Existe uma necessidade humana de saber sobre a vida do outro? Falar da tristeza dos outros nos faz esquecer as nossas próprias angústias?

Sim. O brasileiro gosta da fofoca e é interessante notar isso a partir do recorte em que vivo. Eu, que moro na França, percebo que, neste ponto, são países muito diferentes. Aqui na França não há muito a cultura da fofoca, de querer saber tanto da vida dos famosos. O brasileiro tem essa característica e acho que isso tem a ver com uma realização própria baseada nas conquistas do outro. Se o outro é rico, aquilo, de certa forma, me realiza porque eu desejo aquela vida. Ver o outro sofrendo também diminui um pouco nosso sofrimento.

Geralmente, nas versões internacionais do programa, se destaca o participante que joga, manipula, cria estratégias. No Brasil, um perfil que costuma agradar é o do excluído, o do mocinho. Por que o Brasil, de um modo geral, responde dessa forma?

O Brasil é um país extremamente moralista e, volto a dizer, excludente. Tivemos questões muito complicadas no âmbito da política recente por causa disso, por exemplo. Acho que o que toca no brasileiro é o medo de não pertencer, de ser excluído. Todo mundo já teve momentos em que se sentiu de lado. Então, é esperado que se tente fazer justiça por quem é excluído. Não é à toa o personagem que a gente escolhe para amar e para odiar.

O Big Brother seria então um reflexo do país?

Isso. O Big Brother é um grande jogo de espelho da sociedade e que não acontece só dentro da casa. Geralmente, o participante que acha que o jogo só acontece dentro do programa acaba não indo muito à frente na competição. O que a gente assiste na televisão é também um espelho daquilo que gostamos de ver na gente e daquilo que gostaríamos de ser. Daí entra a idealização. Quando o outro mostra características que a gente não quer ver em nós mesmos, surge um ódio mortal. "Quem ele pensa que é para mostrar, em rede nacional, esse meu lado que eu tanto tento esconder?". É muito curioso. O BBB é esse jogo onde é importante impor limites do que se deve mostrar, do que se deve esconder, onde é preciso se segurar, se entregar, performar com quem está dentro e fora da casa. Veja, nada muito diferente do jogo que a gente já faz na vida. Às vezes nos seguramos, outras, não dá para conter. Essa identificação que a gente tem com os personagens de dentro do programa vem de uma idealização. Idealiza-se um ponto, nunca com o sujeito inteiro.

É possível ver comportamentos machistas, racistas e homofóbicos dentro do programa. Parar de assistir é uma forma de se posicionar contra essas manifestações?

Esse é um ponto essencial. É interessante refletir sobre o que é que a gente faz quando acontecem crimes ou situações que a gente não valida. Uma opção é cancelar, excluir e cortar todos os laços que nos envolvem aquilo. Outra é olhar diretamente e falar sobre o assunto, educar quem, de certa forma, nos agride ou agride outra pessoa. Tem uma coisa dessa lógica do cancelamento que me parece muito com a lógica do manicômio. Quando alguém destoa [da sociedade], faz algo que não é interessante, essa pessoa é jogada em algum lugar, é excluída. Pouco importa o que aconteça com ela, o que importa é que ela não esteja no mesmo ambiente em que eu estou porque a existência dela me incomoda. Mas, por que essa existência incomoda? E mais: será que dá para excluir e parar de falar sobre esses comportamentos? Como a gente muda uma sociedade racista? Como é que a gente se move contra esse fenômeno? Durante as eleições, a gente viveu essa problemática. As pessoas não sabiam lidar com o bolsonarismo, por exemplo. A gente educa quem coaduna com aquelas ideias? Finge que não está ouvindo? Tem uma questão muito complicada que é: o que a gente faz com isso? Em 2018, vimos isso. Não havia argumentação, não havia acordo. O cancelamento não dá espaço para a problematização, mas o alvo existe e retorna. E pode retornar de uma forma agressiva e mais forte. O Big Brother é um termômetro social de questões que, inevitavelmente, vão aparecer. E aí fica a questão que incomoda. É doloroso ver algumas coisas, mas o que a gente faz com isso? Para de assistir? Mas, quem vai continuar assistindo e que força isso vai ter em quem continua assistindo?

O psicanalista Christian Dunker fala que só é possível cancelar aquele em que nós depositamos expectativas. E aí me vem à mente a eliminação da rapper Karol Conká, que participou da edição de 2021 do Big Brother e teve o maior índice de rejeição da história do programa. Acredita que esse movimento reflete um comportamento social de exclusão de pessoas semelhantes a ela?

Esse é o problema da identificação. A gente pega um traço e julga o todo. A sociedade está perdendo a capacidade de viver o "entre". Não é nem uma coisa nem a outra, é o "entre". Todo mundo vive a dor e a delícia de ser o que é. Mas, o que acontece antes de Karol Conká ser tão agressiva com alguém? É interessante se perguntar sobre qual aspecto da história da vida dela a leva a ter certos comportamentos. Será que quem assiste nunca foi agressivo também? E qual é a expectativa que se tem em relação a ela, uma mulher negra que veio da periferia? Se fosse uma mulher branca e loira, o Brasil não teria o mesmo ódio como resposta, com certeza.

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