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ELIANE AZEVEDO

“O meu ser não é só ciência, também tem a parte espiritual”

Na entrevista, Eliane Azevedo fala sobre busca por respostas por meio da ciência e da espiritualidade

Por Gilson Jorge

25/12/2022 - 6:00 h
"A minha busca não é só pelo conhecimento produzido pela espécie humana, a ciência, mas o saber que satisfaça a plenitude do meu ser", diz a professora
"A minha busca não é só pelo conhecimento produzido pela espécie humana, a ciência, mas o saber que satisfaça a plenitude do meu ser", diz a professora -

A paralisia infantil causada pela poliomielite não deteve Eliane Azevedo. Ao contrário, a enfermidade foi desde a infância um motor para que essa filha de um cirurgião nascida em Tanquinho, perto de Feira de Santana, tomasse a decisão de se tornar médica, professora e pesquisadora. Em 1992, a doutora Eliane tornou-se a primeira mulher a ocupar a reitoria da Universidade Federal da Bahia (Ufba). Católica, acaba de ser declarada membra honorária da Academia Fé e Razão, ligada à Arquidiocese do Rio de Janeiro, fundada pelo Monsenhor Aníbal Gil Lopes [Leia abaixo depoimento sobre a indicação]. “A participação em uma academia dessa me completa”, diz ela. Nesta entrevista, a professora fala de sua busca por respostas através da ciência e da espiritualidade.

O que significa para uma pesquisadora que se tornou referência no estudo da genética humana ingressar em uma academia de cunho religioso?

Essa é a sexta academia científica que eu faço parte, sendo quatro delas exclusivamente de ciência, a Academia de Medicina da Bahia, a Academia de Ciências da Bahia, a Academia de Medicina de Feira de Santana e o Instituto de História da Medicina. As outras duas têm uma pintura religiosa, a Academia de Letras e Artes Mater Salvatoris e a Academia Fé e Razão, que tem sede no Rio de Janeiro. Agora, porque, depois de tantos anos de pesquisa, essa paixão pela questão da fé? Veja bem, o conhecimento científico é muito parcial e eu tenho muita busca por verdades profundas, eternas, que só a fé pode me oferecer. A ciência oferece verdades transitórias. Não existe verdade científica. As verdades na ciência prevalecem até que alguém prove o contrário. Isso vem acontecendo a todo momento. Todos estão vendo isso. A questão da religião, como a Igreja Católica, por exemplo, que tem uma história de dois mil anos, ela nos oferece uma fé mais profunda, alguma coisa que nos satisfaz. A minha busca não é só pelo conhecimento produzido pela espécie humana, a ciência, mas o saber que satisfaça a plenitude do meu ser. O meu ser não é só ciência, também tem a parte espiritual. A participação em uma academia dessa me completa. Isso é a completude do meu ser quando eu lido com ciência e ao mesmo tempo lido com fé.

Há uma discussão muito grande sobre esse trânsito entre fé e ciência... Recentemente, cientistas britânicos aplicaram células geneticamente modificadas no tratamento de uma adolescente paciente de câncer que não estava mais respondendo à quimioterapia. Como a senhora, que transita nas duas esferas, fé e ciência, enxerga essa questão do tratamento a partir de células geneticamente modificadas?

À medida em que ocorreram esses avanços na manipulação do DNA, a possibilidade de técnicas que alteram o DNA, técnicas que já existem, umas mais potentes do que outras, a ciência progrediu nesse território de modificar o DNA para diversas aplicações. Obviamente, a questão ética e religiosa se preocupa não apenas com o bem que aquilo pode trazer para a humanidade, mas com determinadas consequências que podem ser não tão benéficas. O DNA é uma molécula muito poderosa, tem um poder extraordinário. O vírus é apenas um pedaço de DNA numa cápsula protéica. Aí ele invade a célula para se multiplicar. E veja a luta que existe para matar um vírus! Com medicação, vacinas, etc. E à medida em que um vírus é agredido, que o DNA é agredido, ele é capaz de apresentar mutações para se defender. Os vírus estão no Planeta Terra há três bilhões de anos. E nós, humanos, estamos há 500 mil, por aí. Então, a ciência consegue manipular o DNA, mas ainda não tem consciência do extraordinário poder do DNA. Daí, essa atitude de avaliar as questões éticas que surgirão em decorrência dessa manipulação.

Quais seriam, então, os limites éticos para pesquisas com células geneticamente modificadas?

Como eu coloquei, aquilo que vai beneficiar alguém, que vai evitar o sofrimento de uma criança, é sempre o peso entre risco e benefício. E a medicina toda funciona assim. De quanto benefício se obtém da invasão daquela manipulação para melhorar a humanidade, para salvar uma criança de uma doença e as consequências. O grande desafio na manipulação do DNA é que as consequências não aparecem de imediato, mas no longo prazo. É uma questão que requer muita reflexão dos comitês de ética de pesquisa, dos comitês de bioética, que avaliam os riscos e benefícios, sendo que os riscos às vezes são imediatos. Há relatos de consequências imediatas da manipulação do DNA. Outros são a longo prazo. A terapia com genes em vez de remédios vem sendo testada desde 1970. Os sucessos são muito limitados. E os insucessos, às vezes, são desastrosos. Por aquilo que falei, as moléculas do DNA têm um poder extraordinário. Só para lembrar, elas não morrem com o fogo. Os fazendeiros queimam os pastos para nascer capim novo. O que significa que a molécula do DNA, quando a temperatura chega a 70°C, quebra as ligações de hidrogênio entre as duas hélices e as separa. Quando a temperatura baixa, elas se juntam novamente. Aliás, esse é o princípio do teste de PCR, que todo mundo usa para multiplicar o DNA, para poder fazer a avaliação.

Por falar em PCR, ainda estamos em uma pandemia de Covid-19 e, desde o surgimento do primeiro caso, o governo federal adotou uma posição contra as vacinas, contra procedimentos defendidos pelos cientistas e contou com o apoio de algumas lideranças evangélicas. Como a senhora avalia o desempenho do governo na pandemia e a postura dos governantes, que deveriam fazer a separação entre Estado e fé?

Vamos separar as coisas. Eu realmente me nego a fazer qualquer comentário sobre a postura dos evangélicos. Eu respeito as outras religiões, todas as outras religiões. E a questão política foi tão complicada, tão cheia de vieses, tão cheia de conflitos, que na verdade eu não me debrucei sobre isso. Na minha idade, com 87 anos, eu vou com muito cuidado sobre onde colocar o meu tempo. Eu, atualmente, me dedico à leitura de vidas dos santos, que isso é muito edificante. Faço cursos de teologia numa escola do Rio de Janeiro, ligada à Arquidiocese. De modo que as questões de conflitos do mundo político, que acabou se misturando política com doença, com remédio, eu realmente fiquei de fora dessa avaliação. Foi um bombardeio de notícias falsas de cada lado. Eu preferi ficar no mundo mais seguro que é o que a religião me oferece e cultivar minha espiritualidade.

***

Depoimento do Monsenhor Aníbal Gil Lopes, fundador e Presidente da Academia Fé e Razão, para a indicação da professora Eliane Azevedo:

“A professora Eliane Azevedo é uma pesquisadora histórica na questão da genética no Brasil. Ela fez doutorado nos Estados Unidos na década de 60. E teve uma carreira brilhante como geneticista e professora universitária, chegou a ser reitora da Universidade Federal da Bahia.

Depois de aposentada, ela ainda adentrou por outro caminho ao longo da vida, na parte de bioética, e acabou sendo professora titular da Universidade Estadual de Feira de Santana. E durante muito tempo ela trabalhou com o professor Wiliam Saad Hossne na criação da Comissão Nacional de Ética em Pesquisa, Conep, que é um órgão regulatório das pesquisas em seres humanos no Brasil.

Não faltam, portanto, razões acadêmicas para que Eliane tenha sido indicada como membro honorário da academia. Também, como parte da Igreja, ela foi membro da Comissão de Bioética da CNBB, da qual eu também fui membro.

Pessoalmente, eu a conheço desde muito jovem. Ela deu aulas de genética no meu curso de Medicina na USP, no fim da década de 60, quando ela voltou dos Estados Unidos e já era uma referência em genética médica aqui no Brasil.

É uma pessoa que representa também toda a resiliência às consequências de uma paralisia infantil. Até os dias de hoje, ela tem uma síndrome pós-poliomielite e isso nunca impediu que ela aplicasse a sua energia para a construção de conhecimento científico, para a vida acadêmica.

Ela é o marco de uma pessoa que passou por um processo de reabilitação que se processa até os dias de hoje sem que isso tenha impedido uma dedicação extremamente importante à ciência e ao magistério. Ao lado disso, na Bahia, ela representa uma dessas lideranças femininas. Ela foi a primeira mulher a ser reitora da Universidade Federal da Bahia”.

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