MUITO
Os desafios dos motociclistas que se exibem fazendo manobras sobre uma roda
Por Adriano Motta

‘Dar o grau’, ou seja, andar apenas com a roda traseira da moto, tem se tornado febre nas periferias Brasil afora. Apesar de ser considerada infração de trânsito quando realizada em vias públicas, a prática tem atraído milhares de adeptos, seja para assistir e acompanhar outras pessoas fazendo ou realizarem as manobras elas próprias. Os praticantes encontram no movimento do grau adrenalina, tensão, energia e, em muitos casos, uma fonte de alegria.
A paixão pelas motos geralmente começa cedo. É o caso do fotógrafo James Navar, 23. Encantado com as duas rodas, assim que pegou sua primeira moto, com 18 anos, passou a tentar aprender o grau, que só veio dominar dois anos depois. “É algo que traz muita alegria para os nossos corações, o grau é arte”, defende. Sim, ele já levou diversas quedas de moto, mas as encara como parte do jogo. “Levo comigo que o grau é arte e cair faz parte”.
Já para Sandoval Júnior, 23, conhecido como Sandoval RL nas redes, o caminho para praticar foi dos mais comuns: passou das bikes para as motos. “Ficava empinando nas bicicletas, até que caí e parei”. A queda marcou o momento em que conheceu a manobra que virou sua marca, o RL, andar somente com o pneu dianteiro.
Infração
Enquadrado como direção perigosa se praticado em ruas movimentadas, ‘Dar o grau’ é considerada infração gravíssima de acordo com o Código Brasileiro de Trânsito. Pode render suspensão automática da CNH, uma multa salgada e dores de cabeça com abordagens policiais.
Não é raro praticantes lidarem com atuações mais agressivas. James já passou por essa situação. “Se eles só dessem a multa, seria bem mais tranquilo. Mas já tomei murro, chute. Sei de gente que já foi derrubada da moto pelas viaturas”.
Por esse motivo, além de evitar o movimento das vias, a principal reivindicação dos ‘grauzeiros’ é conseguir um espaço onde possam realizar suas manobras e movimentos sem colocar em risco o trânsito nem outras pessoas. Nas redes sociais, costumam levantar a hashtag #244nãoécrime, em referência ao artigo do código de trânsito.
Para James, ter um porto seguro para a prática do grau é algo fundamental para considerar o futuro do movimento. “A gente só quer um lugar seguro para praticar nosso hobby”, conta.
A queixa é corroborada também pelos membros da Família CajaCity, grupo de motociclistas praticantes do grau que conta com 179 mil seguidores no Instagram. Para um dos líderes, Elias Marques, 20, é importante alterar a visão das pessoas sobre o movimento. “A galera nos vê como criminosos, mas não somos. Queremos ser vistos como esportistas”, reivindica.
Ele lembra que começou no grau como uma forma de escape dos problemas cotidianos e desde então nunca mais parou. “Peguei minha motinha, comecei a empinar e desde então sou uma pessoa muito mais feliz. O grau é minha vida”.
Movimento
O grupo organiza eventos onde os ‘grauzeiros’ se encontram em locais afastados para praticar. O último deles, em janeiro, causou uma certa polêmica. “Pegaram uns vídeos e fizeram uma matéria no Instagram falando mal do movimento”, lembra Elias.
O que animou o CajaCity foi ver que também apareceu muita gente para defender o grau nos comentários. “Isso nos mostrou que talvez as pessoas já nos olhem de modo diferente”, diz ele. Em vídeos mais antigos do grupo, que existe desde 2011, comentários negativos eram bastante frequentes também, o que veio mudando com o
tempo.
No ano passado, de acordo com o Detran, existiam 142 mil motos em Salvador. E se não é possível ter uma estimativa de quantos ‘grauzeiros’ há por aqui, dá para ver que tem público simpatizando com o movimento do grau olhando para as páginas sobre o tema nas redes sociais, especialmente no Instagram, canal mais usado por eles.
Se a relação com a população têm evoluído nós últimos anos, o contato com o poder público é diferente. Além da agressividade policial nas abordagens, há uma sensação de abandono das demandas dos grauzeiros. "A gente faz abaixo-assinado, levamos até os vereadores, mas a resposta nunca chega", afirma James. Até o momento, a maior proximidade tem sido apoio pontual em eventos beneficentes promovidos pelos grupos, como no caso do Cajacity.
Um dos perfis mais populares sobre o assunto, o Grau de Salvador conta com 65 mil seguidores e é comandado por James. Ele diz que todos os dias costumam ter mensagens nas suas redes de pessoas querendo aprender as manobras e treinar com ele, que costuma praticar numa via isolada em Camaçari. “É um lugar mais deserto e seguro, que dá para brincar sem perigo”.
Os adeptos creem que a trajetória do grau pode ser parecida com a do skate, outra prática que começou trazendo problemas com a lei e que, 60 anos depois, fará sua estreia em Olimpíadas, em 2021. “É a esperança de todo mundo que pratica o grau hoje”, diz James.
Fora do Brasil há o wheeling, surgido nos anos 1970 nos Estados Unidos e que basicamente é o mesmo ato de fazer manobras sobre uma roda. Lá, conta com status de esporte e tem competições ao redor do mundo.
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