MUITO
Podcast apresenta afroempreendedoras da culinária baiana
Terceira temporada do Viagem Gastronômica com Dr. Dendê mapeia talentosas cozinheiras negras da cidade
Por Gilson Jorge
No último dia 16, a jornalista Rosana Hermann fez um post bem-humorado no Twitter afirmando que o ruim de ser mulher é que se faz tudo o que o ator e apresentador Rodrigo Hilbert faz e um pouco mais e ninguém reconhece. A brincadeira é uma referência ao fato de que o catarinense virou celebridade no programa Tempero de Família como o homem que ajeita tudo na casa e ainda faz pratos maravilhosos.
Assim como Hilbert, milhares de mulheres soteropolitanas aprenderam a cozinhar observando desde criança o jeito que a mãe ou a avó transformava diferentes ingredientes em comidas deliciosas que, se não viraram atrações de TV, muitas vezes ganharam status de cozinha predileta da vizinhança.
Por mera necessidade ou por querer apostar no talento, cozinheiras de mão cheia de vários pontos da cidade se tornam empreendedoras e passam a sustentar a casa com suas versões do tempero de família.
Algumas delas estão compartilhando suas histórias na terceira temporada do podcast Viagem Gastronômica com Dr. Dendê (À Mesa com Dr. Dendê), intitulada Afroempreendoras do Sabor, idealizado pelo comunicólogo e pesquisador Vagner Rocha, que ao comentar nas redes sociais o seu mergulho no universo da culinária popular baiana passou a usar a hashtag Doutorando do Dendê, base do seu futuro apelido.
Vagner começou a mapear cozinheiras negras talentosas de bairros periféricos que se tornaram "afroempreendedoras". A seleção, que privilegiou nomes pouco badalados, ocorreu com base na diversidade geográfica e na variedade de pratos. Assim, tá valendo desde um tradicional cozido de Periperi a um inovador hambúrguer de siri na Ilha de Bom Jesus dos Passos, perto de Madre de Deus. "Eu acredito na importância de manter a tradição dos terreiros, mas, assim como a vida, a culinária é dinâmica. Tem gente que substitui o dendê pelo azeite de oliva nas receitas", diz Vagner.
Exuberância
Morador da Ribeira por três décadas, o pesquisador se impressionava com a exuberância do cozido servido nas barracas durante a Segunda-feira gorda da Ribeira. E escolheu se aprofundar nos pratos que são visceralmente baianos, como sarapatel, xinxim de bofe e passarinha.
A menção ao cozido de Periperi deve-se à história da cozinheira Lu Santos. De família pobre, ela começou a aprender a cozinhar aos 10 anos, acompanhando a avó, empregada doméstica, no trabalho. Ainda criança, dormia no apartamento dos patrões na Pituba, junto com a avó, e às vezes nos finais de semana ia com eles para a casa de praia "dos brancos" em Guarajuba, onde mantinha a rotina de preparar comidas.
"Os primeiros pratos que aprendi a fazer foram ensopado de língua e lombo recheado ao forno. Eles adoravam", conta.
Diferente de Hilbert, que pôde aprender os segredos da cozinha na própria casa, e ter os seus conhecimentos culinários como uma atividade opcional à carreira de ator e modelo, Lu teve que abrir mão do tempo livre da infância e da escolarização em troca de um ofício. Quando a sua tutora deixou de trabalhar, aos 95 anos, Lu assumiu o lugar dela na casa dos patrões.
"Minha avó queria que eu aprendesse a cozinhar", afirma a cozinheira, que abriu seu restaurante no Subúrbio há dois anos, onde serve suas iguarias para moradores da vizinhança e peões da construção civil que nesse momento trabalham na região.
No Engenho Velho de Brotas, a musicista Géssica Omim também pensou em recorrer aos saberes culinários da família depois que sua mãe ficou desempregada e utilizar a estrutura doméstica. Surgia assim o curioso Midispache Géssica, restaurante especializado em moquecas, com foco em delivery.
Hora do aperto
O nome do negócio remete à antiga biboca na frente da casa que vendia fósforos, velas e outros artigos que podiam socorrer os vizinhos na hora do aperto e serviam de renda para a avó de Géssica. Da informalidade da clientela que gritava para o membro da família que estivesse atendendo, "Me despache", surgiu o nome criativo.
No cardápio, moquecas de camarão, de peixe e mista com o jeitinho que sua família faz. "Nós usamos os critérios ancestrais na seleção e preparação dos alimentos", diz Géssica.
O primeiro episódio da terceira temporada estará disponível amanhã, Dia Internacional da Mulher Negra, Latino-Americana e Caribenha, data que busca dar visibilidade à luta de mulheres contra a opressão de gênero e o racismo, a partir das 12h, com transmissão pelo Spotify, Deezer e YouTube. A atração é Tadia, do Recanto das Tias (Garcia), que fala sobre a famosa feijoada.
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