MUITO
Produção artesanal baiana de cogumelos ganha o mercado
Por Eron Rezende

Durante a última edição do Restaurante Week, em maio, foi comum ver os garçons e os chefs exaltarem os cogumelos que serviam, com classificações que iam do "fresco" e "artesanal" ao "absolutamente macio". Para uma cidade acostumada a adquirir cogumelos em outros estados - o que demanda tempo e, claro, perda de sabor -, tratava-se de uma novidade. Ou, como disse um garçom do Pereira, "nos últimos tempos, uma das melhores coisas que aconteceram para a gastronomia local".
Numa casa em Itapuã, com um sorriso acentuando o bigode, José Afonso, 60, exibe o motivo de toda aquela exaltação: pequenas salas ao fundo de sua propriedade guardam cogumelos como bibliotecas caseiras guardam os livros dos donos. "Não tem máquina", diz. "Às vezes, de madrugada, saio do quarto para olhar se está tudo bem; são cogumelos feitos à mão".
Com produção em escala artesanal, colhida e imediatamente distribuída, Afonso vem driblando a lógica dos grandes responsáveis por estes fungos no sul da Bahia (sobretudo em Vitória da Conquista), de onde eles vão diretamente para São Paulo e Rio de Janeiro, forçando os restaurantes de Salvador a encomendarem, de lá, os cogumelos para o menu. Excetuando pequenos representantes em Mata de São de João, que conseguem chegar a delicatessens da capital, Afonso é uma novidade solitária.
"A quantidade e a qualidade dos cogumelos é a natureza que escolhe. Sou apenas um espectador", diz, apontado para a lista de fregueses à espera. Além do Pereira, os restaurantes Zafferano, La Taperia, La Cucina, Riz & Risottos e Yellow se revezam na expectativa pelas safras.
Nascido em Bragança, norte de Portugal, Afonso veio para o Brasil como engenheiro de petróleo. Passou por São Paulo e Rio até se fixar em Salvador, há 20 anos, numa chácara de três mil metros quadrados no centro de Itapuã. No enredo da aposentadoria, oficializada em janeiro deste ano, procurava uma nova ocupação quando, em viagem aos Estados Unidos, cruzou com cogumelos da espécie boleto-baio ao pé de uma árvore. "Eram os mesmos que eu comia quando criança em Portugal. Catei, cozinhei e pensei: 'Por que os cogumelos no Brasil não têm esse sabor?'".
Da compreensão de que é o frescor dos fungos que garante a qualidade veio a futura ocupação. E, de fato, Afonso hoje cuida de todos os detalhes do novo empreendimento. Põe vista na preparação do substrato (composto à base de serragem e farelo de cereais, que passa por esterilização para evitar contaminação por bactérias), na inserção das sementes e na ambientação das câmaras de cultivo (sempre com temperatura e umidade amenas, ideais para o desenvolvimento dos fungos).
"Cogumelo é delicado. Às vezes, um espirro dentro da câmara faz com que a produção se perca", diz e avisa sobre a ineficácia dos cogumelos em conserva. "O fresco tem carne, é suculento. E tem sabor".
Folclore
Por muito tempo pouco se soube sobre cogumelos. E certo folclore foi gerado em torno deles. Dizem que a nobre italiana Lucrécia Bórgia costumava oferecer aos seus inimigos poções à base de cogumelos venenosos e que o imperador francês Napoleão Bonaparte só conseguiu gerar um filho graças aos efeitos afrodisíacos das trufas - cogumelos subterrâneos. A razão para as histórias vem da variedade de espécies. Há 200 mil tipos desses fungos.
Cogumelos são, na verdade, apenas uma parte visível a olho nu de fungos já desenvolvidos em escala microscópica. Há os venenosos, os alucinógenos e os comestíveis - deste último tipo, a mais antiga espécie cultivada pelo homem é o shitake, que nasce em troncos de árvores mortas. O sabor, em gradação mais intensa ou suave, costuma remeter aos frutos do mar.
Na propriedade de Afonso, além de shitakis, há shimejis, houbitakis, pleurotus e ganodermas (este medicinal, vendido a toda sorte de gente interessada nos benefícios vasculares do 'cogumelo da imortalidade', sua alcunha popular). Um quilo deles sai d'A Casa do Cogumelo, como Afonso batizou a chácara, por R$ 55, seja para restaurantes ou clientes avulsos. "Embora sejam constituídos por muita água, os cogumelos comestíveis têm um surpreendente potencial nutritivo", avisa Afonso, pondo ordem em seu preço. "Eles têm grande quantidade de proteínas, sais minerais e fibras".
A principal queixa dos restaurantes de Salvador que utilizam cogumelos na preparação de pratos é a volatilidade dos pequenos produtores da cidade, únicos capazes de oferecer um fungo saboroso. Os que chegaram a investir na produção logo desistiram. Efêmeros e frágeis, os cogumelos não esperam muito até serem colhidos - algumas espécies têm brevíssimos ciclos de vida e, em dois dias, nascem, crescem e murcham -, o que afasta interessados em tocar o negócio.
Uma característica que parece agradar Afonso. É com pose de coach ou terapeuta que ele costuma examinar os pequenos sacos onde os cogumelos nascerão. Tornou-se um "obcecado pela delicadeza desses fungos", como define sua filha, Juliana, que o auxilia na empreitada, ao lado de dois outros funcionários, recém-contratados. Ou, como o próprio Afonso acrescenta, "um obcecado em difundir o sabor dos cogumelos frescos".
Onde encontrar: Casa do Cogumelo - Rua Luís Eduardo Magalhães, 60, Itapuã. E-mail: [email protected]
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