MUITO
“Recomendo que o turismo da Chapada seja qualificado”, defende Francisco Teixeira
Por Gilson Jorge
Depois de se aposentar como professor da Escola de Administração da Ufba, Francisco Teixeira decidiu ir morar na Chapada Diamantina. Ter contato com a natureza, criar bichos e mergulhar na história de uma região pela qual sempre nutriu o que chama de “paixão curiosa”. Ficou por lá durante três anos e, de volta a Salvador desde 2019, acaba de lançar o livro Chapada, Lavras e Diamantes: percurso histórico de uma região sertaneja. Nesta entrevista, Teixeira fala sobre como a história pode alavancar o turismo na região, faz considerações sobre a extração mineral, do garimpo à era das commodities, e alerta para o risco de escassez da água que cruza o estado para abastecer Salvador, serve à agricultura e, claro, ao turismo.
O senhor faz uma avaliação do perfil turístico atual da Chapada. Com sua experiência do mundo de administração, de negócios, que caminhos a região pode trilhar para se desenvolver mais a partir do turismo?
É a principal atividade econômica, se não da Chapada, dos municípios que formam as chamadas Lavras Diamantinas. O turismo já é uma realidade nessa região. O que eu recomendo é que o turismo da Chapada seja qualificado para evitar o turismo de massa, que é predador, assim como outras atividades econômicas. É um turismo que deixa rastros de poluição, de destruição muito significativos, haja vista, por exemplo, a região de Porto Seguro, aqui mesmo no estado da Bahia. O que recomendo é que a Chapada qualifique, ou seja, que atraia turistas que estejam realmente interessados no convívio com a natureza. E essa qualificação, ao meu ver, passa também pela sua história. Que o turista possa conhecer mais a respeito de sua história para poder ter uma relação mais profunda, mais real com a região que ele vai visitar. O turismo já uma realidade, mas a meu ver precisa se qualificar para que os seus frutos para a região sejam melhor aproveitados.
Além da importância histórica da extração mineral, dos diamantes, que outros pontos o senhor destacaria da história da Chapada que, talvez, a maioria das pessoas não conheça?
Eu destacaria primeiro, em temos cronológicos, as pinturas rupestres. Elas são muito pouco conhecidas e muito pouco divulgadas. O único ponto que o público conhece mais é a Serra das Paridas, perto de Lençóis, onde tem umas pinturas rupestres bastante significativas. Mas não são as únicas. Em vários lugares da Chapada você pode encontrar pinturas rupestres. Então, nós não sabemos até hoje qual a idade dessas pinturas. A primeira coisa seria datar e trabalhar em torno desse legado para que seja melhor aproveitado. Esse seria um primeiro ponto, porque seriam vestígios dos primeiros habitantes da região. Porém outra coisa que precisa ser bastante divulgada é que, antes do diamante, houve exploração de ouro em Rio de Contas e em Jacobina no século 18. Essa cidade de Rio de Contas é lindíssima e recebe relativamente poucos turistas para o potencial que ela tem. No caso de Jacobina, não é tanto assim porque a cidade não foi preservada, como é o caso de Rio de Contas. Em Jacobina, não existem mais construções dos séculos 18 e 19. Mas, de qualquer forma, é uma região que também podia ser melhor explorada e vinculada a essa exploração de ouro, que no caso de Jacobina ainda existe por uma empresa internacional e não por garimpeiros. Eu também destacaria todo período dos diamantes e o legado cultural na arquitetura, pouco explorado, a meu ver. Há uma arquitetura belíssima nessas cidades, Mucugê, Andaraí, Lençóis e também em Xique Xique de Igatu (distrito de Andaraí), uma arquitetura bonita e que tem características próprias. Não é o colonial, não é a de Salvador, do Recôncavo, não é o colonial de Minas. É uma coisa própria. Lógico que bebeu nessas fontes, mas criou uma arquitetura própria. E, nesse quesito arquitetura, as casas de pedra construídas pelos garimpeiros são um capítulo à parte. Acredito também que isso é pouco explorado. Porque construir casas com pedras empilhadas requer uma habilidade enorme, e essas construções ainda estão lá, a maioria delas já em ruínas. Mas mesmo essas ruínas demonstram todo esse esforço de construir com material local, esse esforço desenvolvido pelos garimpeiros na época áurea do diamante.
E mais recentemente?
No século 20, logicamente, toda a história dos coronéis, a revolta sertaneja, que pouco se conhece. Eu acredito que é uma história que poderia ser melhor conhecida pelos baianos, porque tem influência em nossa vida até os dias dia de hoje. A revolta sertaneja foi um movimento que uniu três grandes coronéis do sertão baiano, o coronel Castelo Branco, de Remanso, Marcionílio Souza, de Maracás, e o coronel Horácio de Matos. Essa revolta era contra o governo de José Joaquim Seabra. Seabra foi reeleito, não sucessivamente. Elegeu-se, elegeu um aliado, Antônio Muniz, e depois elegeu-se de novo. E os opositores asseguravam que essa vitória foi fraudada, e estimulados em grande medida por Ruy Barbosa eles lançaram essa revolta. Saíram dos seus rincões e tomaram as estações de ferro. No caso de Castelo Branco, a de Juazeiro e depois a de Alagoinhas; no caso de Marcionílio Souza, a estação de ferro de Nazaré das Farinhas; e Horácio saiu da Chapada para ocupar a estação ferroviária de onde hoje é Iaçu. Eles sitiaram a Cidade da Bahia por terra e estavam pretendendo invadir Salvador caso as suas reivindicações não fossem atendidas. O governo federal, governo de Epitácio Pessoa, interferiu, mandou um comandante da Região Militar da Bahia fazer a negociação. Primeiro, eles achavam que iam fazer a guerra aos coronéis. Depois viram que seria muito difícil combater em três frentes. A memória de Canudos ainda estava muito viva. Então, num segundo momento eles decidiram negociar. E foi feita essa negociação com cada um dos três coronéis em separado. No caso aqui da Chapada, essa negociação reconheceu o coronel Horácio de Mattos como o grande líder de toda essa região. Primeiro, ele foi nomeado delegado regional. Ele e seus amigos, porque ele não estava sozinho, era líder de uma facção, passaram a indicar todos os postos, os cargos da burocracia estadual e também os intendentes, que eram os prefeitos e, portanto, ele passou a ser o líder dessa região, governando um estado dentro de um estado. E a partir daí as suas negociações passaram a ser feitas diretamente com o governo federal, passando por cima do governo estadual, onde estava instalado José Joaquim Seabra.
Quando o senhor começou a estudar esse assunto?
A primeira leitura que fiz foi em 1991, do livro de Walfrido Moraes, Jagunços e Heróis, que é um clássico, muito bom. Eu li pela primeira vez esse livro quando visitei Lençóis. Agora, comecei a fazer este livro há sete anos, porque antes mesmo de morar em Mucugê eu já estava coletando, agora a dedicação mesmo foi durante os três anos que eu morei lá. Já tem dois anos que voltei a morar em Salvador.
O senhor mencionou a presença de uma mineradora estrangeira em Jacobina. O senhor poderia traçar um paralelo entre os tempos áureos do garimpo na Chapada? Tem a mudança do perfil de quem ganha dinheiro com o minério e a questão ambiental. Como o senhor vê essa recente fase de mineração industrializada?
O grande problema de todo distrito de extração mineral é que o minério um dia acaba. E, quando ele acaba, a região, a cidade, o lugar decaem rapidamente. Então, se tornam cidades-fantasmas. Isso aconteceu aqui na região dos diamantes, em Mucugê, Lençóis. A população simplesmente não tinha como viver ali e foi embora. E as cidades ficaram com prédios em ruínas e uma população muito pequena. Isso acontece em todo distrito mineral, a não ser que durante o auge da extração se pense no futuro e já comece a fazer investimentos nesse momento para evitar que quando o mineral acabe essa decadência não seja tão pronunciada. Ou talvez até que não haja decadência. Só que ninguém pensa nisso quando a riqueza está afluindo. Então, o resultado é que acaba e deixa lá suas marcas, na economia e na sociedade. E também no meio ambiente, porque a extração mineral pressupõe revolver solo, destruir montanhas, serras. Mas, enfim, nós conhecemos muito bem essa história a partir dos exemplos de Minas, com as barragens da Vale. Isso todo mundo tem bem claro na cabeça o que pode evitar. Não é que seja inevitável a destruição do meio ambiente. Mas deixar o ambiente relativamente preservado requer investimentos que as empresas geralmente não fazem, a não ser que o poder público atue de forma bastante firme. É essa a questão mineral. Não sei qual a situação da mina de Jacobina, mas, certamente, ela não vai durar para sempre.
E como o senhor vê a questão dos parques eólicos mudando a paisagem em alguns pontos da região, como Morro do Chapéu?
No caso da região mais turística da Chapada, não existem parques eólicos. Existe em Caetité, que foi o primeiro, existe perto de Jacobina, mas você vê que é no extremo norte e no extremo sul. No meio da Chapada, principalmente nas cidades mais turísticas, Lençóis, Mucugê, Andaraí, Capão e Palmeiras, não tem os parques, não tem essa poluição visual dos cata-ventos.
Tem em Morro do Chapéu também…
Tem sim, um grande parque eólico em Utinga, entre Lençóis e Morro do Chapéu. Mas na região turística de maior visitação não tem parque eólico ainda. É uma poluição visual, se você chega perto tem um barulho que não é muito bom. Mas, por outro lado, a gente tem que entender que é uma energia limpa e o mundo está precisando de energia limpa.
E acaba sendo também uma alternativa de rendimento para os pequenos proprietários de terra, que arrendam seus imóveis para a instalação das hélices…
Sem dúvida. E gera empregos também na região. Não muitos, mas gera, de manutenção e operação dos parques. Sem falar que também há renda da terra paga aos proprietários dos terrenos. Mas, independentemente disso, a gente tem que entender que as opções são energia suja, energia limpa ou não ter energia. A gente vai ter que optar, ver o que a gente quer.
Que é também uma questão que envolve os minérios. Para que termine a exploração mineral, nós temos que mudar nosso modo de vida…
Esse que é o grande problema. Mudar o nosso padrão de vida. Não depender tanto de automóvel, não consumir coisas cuja produção seja intensiva no uso de energia. Não é uma mudança trivial.
A Chapada tem uma peculiaridade mencionada em seu livro, que é o jaré, religião de matriz africana que ganhou visibilidade com o livro Torto Arado, de Itamar Vieira Júnior. O senhor visitou algum terreiro?
Sim, visitei o de Lençóis, o mais importante. É uma religião que tem estudos feitos pelo antropólogo Ronaldo Senna, que mistura as influências que a região do diamante sofreu das pessoas que chegaram de Minas, das que chegaram do Recôncavo e as da própria região. O Jaré mistura o candomblé de caboclo, o candomblé de orixás, o espiritismo e o catolicismo místico e rural, que teve como principal referência Antônio Conselheiro.
O senhor menciona sua preocupação em relação aos mananciais. Sua percepção, nesses três anos em que morou na Chapada, foi que houve uma mudança no regime de chuvas. Considera preocupante?
Muito. É o principal problema da região. É um problema que não está tão crítico nesse momento, mas que tudo indica que vai se tornar crítico caso as previsões que são feitas pelos cientistas se tornem realidade. Eu não sou especialista em hidrologia ou climatologia, mas minha observação é que o regime de chuvas tem mudado. Isso precisaria ser confirmado com dados, mas acho que ninguém em sã consciência poderia duvidar que o regime de chuvas em todo o Nordeste está sofrendo mudanças. A água, no caso da Chapada, tem uma função de abastecer Salvador e a região metropolitana e até Feira de Santana. É a água que sai da Chapada. Segundo, proporciona a agricultura irrigada. Sem a água, você não vai poder ter a produção agrícola que tem aqui hoje. E, terceiro, porque o turismo também depende de água.
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