MUITO
“Tem gente que acha chato cuidar dos números”, diz administradora
Por Yumi Kuwano

Engana-se quem pensa que vida de empreendedor é puro glamour. Trabalhar para si mesmo é o sonho de muita gente, mas é preciso esforço, planejamento e muita organização. O tema organização financeira, para quem tem um negócio, deveria ser bem resolvido, e até clichê, mas o que acontece é justamente o contrário. Isso porque muitos não sabem como cuidar das suas finanças, tanto pessoais quanto empresariais – um problema que enfrentamos desde cedo, já que não temos educação financeira. Com a pandemia, vimos o caos nas empresas, e as menores foram as que mais sofreram. De acordo com um estudo do Sebrae, cerca de 23% das micro e pequenas empresas fecham antes de completar cinco anos de atividade no Brasil. Raquel Santos é administradora, escritora e diretora financeira da Confederação Nacional dos Jovens Empresários (Conaje). No ano passado, lançou o livro independente Bora financeirar?! com nove passos para ter sempre dinheiro no caixa. Raquel escolheu se comunicar principalmente com mulheres, porque acredita que com elas no poder a sociedade prospera. Pensando nisso, nos próximos meses, lança a plataforma de gestão financeira iDelas, com uma linguagem dinâmica e muita inteligência por trás.
No seu livro você traz uma metodologia com nove passos. Existe realmente uma “receita de bolo” quando se trata de organização financeira?
Sim. Da padaria à Apple, você faz essa sequência lógica e controla qualquer financeiro. E o primeiro passo de todos é: defina o seu pro labore. Muitos empreendedores começam o negócio sem definir quanto querem ganhar por mês. Olha como não tem lógica isso, porque quando você vai trabalhar para uma outra pessoa, a primeira coisa que você pergunta é quanto ela vai pagar por aquela função, e a gente não pensa qual o salário que vamos querer no nosso negócio, e esse é o momento ideal, porque se em uma empresa você teria que pedir para outra pessoa a sua remuneração, nessa você que define, mas muitas pessoas não fazem essa etapa que é tão importante. Ao não definir o pro labore, os empreendedores acabam cometendo o pior erro que existe em uma empresa, que é confundir finanças empresariais com finanças pessoais, fazendo com que o caixa da empresa seja a própria conta.
E qual o problema de misturar o pessoal com o empresarial, se você tem um negócio pequeno, por exemplo, e em tese quase todo o dinheiro vai para você?
Porque você perde a noção do que é o dinheiro do seu negócio e o que é o seu dinheiro. Quanto menor for, é melhor você separar desde o início, porque o dinheiro da sua empresa, mesmo que ela seja sua, é como se fosse uma segunda pessoa, e isso vai te confundir. E a tendência é que o seu negócio sempre tenha mais dinheiro que você, e você vai ganhando à medida que ele vai crescendo, mas é preciso fazer isso de maneira estruturada. Nós temos como histórico não ser bem controlados nas finanças pessoais, então, a gente se perde, mas isso não pode acontecer com o caixa da empresa. Esse é o ponto fundamental, que separa o joio do trigo dos negócios que vão prosperar. E a melhor forma de fazer isso é definindo o seu pro labore. Quando defino todas as saídas regulares, consigo saber quanto o meu negócio tem que receber mensalmente para pagar as contas e ainda gerar uma sobra.
E lhe faz correr atrás da meta.
Exatamente. Tem gente que eu converso que diz “eu acho que se eu receber R$ 10 mil no meu negócio, pago todas as contas”, e às vezes não, você deveria receber R$ 12 mil, ou então com R$ 6 mil já estava tudo certo, e com a sobra você pode investir e fazer a reserva financeira do seu negócio, que é o objetivo, ter saúde financeira. Hoje, com a pandemia, vimos que os negócios brasileiros não tinham reserva, estavam praticamente vendendo o almoço para pagar a janta, e quando acabou o almoço, porque fechou tudo, os negócios vieram numa quebradeira.
Dá para ser desorganizado na vida financeira pessoal e ter organização na sua empresa, ou uma coisa puxa a outra?
São coisas que podem acontecer de maneira independente. A pessoa como empreendedora pode ser muito mais madura do que na vida pessoal e tudo bem, acontece, eu já peguei clientes assim. Uma cliente falou para mim: “Raquel, preciso que vocês paguem para mim esse mês mais R$ 2 mil de pro labore, porque eu me perdi na minha vida pessoal e preciso desse dinheiro”. Fiz uma análise rápida do fluxo de caixa dela, simulei se eu tirasse os R$ 2 mil na data que ela pediu e falei que daqui a quatro semanas essa quantia ia fazer falta. Aí ela disse que não queria, porque daria um jeito para organizar a vida pessoal. Se ela não tivesse essa maturidade, ela tiraria os R$ 2 mil do caixa, depois não ia nem lembrar, e isso ia prejudicar a empresa.
De acordo com uma pesquisa do Sebrae, de 2018, 34% dos MEIs (microempreendedores individuais) enfrentavam dificuldades para acertar as contas no fim do mês e 48% não faziam previsão de gastos. Por que essa dificuldade é tão grande?
É uma questão comportamental também. Muita gente acha que é matemática, diz que não gosta, que é indisciplinado, não consegue fazer o acompanhamento, ou pior, tem gente que acha chato cuidar dos números, porque há algumas crenças limitantes quando falamos de dinheiro. Todos nós precisamos de dinheiro para sobreviver em sociedade, mas as pessoas têm aquelas crenças de quem tem dinheiro não presta ou vou ficar aqui no mediano que não causo inveja a ninguém. O segundo ponto é a dificuldade do entendimento da linha lógica, porque se eu tive dificuldade, mesmo tendo toda uma formação na área, imagine quem é leigo, uma profissão que não tem nada a ver com finanças? Existe um distanciamento. Outro fator também que faz a conta não fechar é que, com a dificuldade de entender os números, não se faz algo importantíssimo que é precificar corretamente os seus produtos e serviços. Muitos negócios acabam vivendo no desespero no fim do mês, sem conseguir fechar as contas, e não percebem que está cobrando errado.
Um dos maiores erros de quem tem um negócio é só pensar no faturamento e no lucro. Quais outros números são importantes e por que é necessário esse olhar integral?
Quando falamos de faturamento, estamos falando de finanças contábeis. Há uma diferença entre financeiro e contabilidade. O financeiro se baseia no regime de caixa, quando o dinheiro entra e sai da conta. Já o regime de competência é uma responsabilidade da contabilidade. Quando uma empresa está preocupada somente com o faturamento, ela está correndo um grande risco, porque há saídas ligadas às vendas que muitas vezes passam despercebidas, mas que pelo simples fato de ter vendido ela tem que pagar, que é a comissão de vendedores, taxas de cartão de crédito, o próprio imposto sobre o faturamento, que muitas vezes o empreendedor não está ciente de quanto paga na ponta por emitir nota fiscal. Existem outros fatores que precisam ser analisados, e quando você fala em lucro, muitos não estipulam quanto querem receber, não fazem isso de forma estratégica, e isso é essencial. Ter uma empresa é o investimento mais arriscado que existe, ainda mais no Brasil, porque quando você abre um negócio, você não sabe quando esse dinheiro vai voltar e se vai. Se eu faço um negócio estruturado, planejo o quanto eu quero, vou fazer de tudo para conseguir isso no prazo, mas não é isso que acontece, às vezes a pessoa está pagando para trabalhar.
O lucro também não deve ser confundido com o pro labore, né?
Exatamente, o lucro é do negócio e para ter lucro você já teve que pagar o seu pro labore, porque depois que você paga tudo, o que sobrar é do seu negócio para reinvestir nele. É muito importante ter pro labore para não confundir o lucro e colocar no seu bolso.
É aconselhável um negócio ter um profissional da área de finanças para ajudar?
Se tiver, melhor, porque já começa estruturado e evita erros. A educação do Brasil é complicada por si só, então, prefiro partir para a questão tecnológica. Estou lançando a primeira plataforma de gestão financeira para mulheres empreendedoras, a iDelas. Ela é gamificada e utiliza a inteligência artificial, justamente para qualquer pessoa que queira começar um negócio ou que já tenha e está perdida nas finanças, coloque as informações de forma lúdica, divertida, profissional, e vai ter todo o direcionamento, como precificação, orçamento, vai saber como está o negócio perante a concorrência. Acredito que a tecnologia vai auxiliar na prática de uma gestão financeira mais real e mais próxima dos empreendedores.
Hoje temos muitas ferramentas, aplicativos e sites que dizem descomplicar a vida do empreendedor. Essas ferramentas são realmente úteis?
Temos. Porém eu tenho uma crítica a essas plataformas, porque elas passam a ser só um repositório de dados. Você preenche tudo, mas não tem uma inteligência por trás te auxiliando. Eu sinto falta de essas ferramentas trazerem essa inteligência, um norte. Por exemplo, se você tira R$ 5 mil de pro labore, paga tanto de INSS, tanto de imposto de renda, x% você destina para a sua reserva financeira. As ferramentas que existem hoje ficam esperando que as pessoas já saibam o que fazer, mas as pessoas não sabem o que elas querem.
Você trabalha em busca da liberdade financeira feminina e com a nova plataforma isso fica mais evidente. Por que escolheu esse nicho? Por que especificar gênero, não é a mesma coisa?
Tecnicamente sim, mas uma vez li um livro chamado O Momento de Voar, de Melinda Gates, sobre empoderamento feminino, e ela traz o seguinte dado: as sociedades que deixam a mulher à margem são mais pobres, e as sociedades que passaram a dar voz e vez para as mulheres, como consequência, prosperaram mais. E quero viver em um país melhor, quero de verdade contribuir para a gente viver onde tenha mais empregos, onde a mulher seja livre financeiramente, porque assim ela não vive um casamento onde sofre violência doméstica por dependência financeira. Eu acredito que, se proporciono isso para os negócios femininos, consigo abranger o país inteiro. Outra coisa, se eu for para o mercado para falar que tenho uma solução de gestão financeira, vou ser mais uma e competir com grandes players, mas se eu crio algo diferente e consigo me destacar, chego mais perto da mudança que quero.
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