ABRE ASPAS
“Temos procurado, realmente, fazer grandes melhorias”, diz diretor da Fameb
Antônio Lopes – Diretor da Faculdade de Medicina da Bahia (Ufba)
Por Gilson Jorge

As políticas de inclusão social adotadas pela Ufba nos últimos anos mudaram de forma significativa o perfil da Faculdade Medicina (Fameb), que durante muito tempo recebeu majoritariamente alunos brancos formados em pequeno grupo de escolas e, às vezes, das mesmas famílias. Com a adesão da Famed às cotas raciais e ao Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), a faculdade passou a receber alunos de diversas partes do Estado e também de outras unidades da Federação. Em alguns anos, mais de 40% dos graduandos inscritos na Fameb tinham nascido fora da Bahia. Se a qualidade da primeira faculdade de medicina do Brasil atrai gente de outros estados, a política de cotas gerou um processo de judicialização do ingresso na Fameb, com alunos que se sentiram prejudicados pelas cotas ganhando na Justiça o direito a se matricular. Às vezes, são 40 alunos a mais em um ano, um acréscimo de 50% em relação às vagas oferecidas regularmente. Para falar dos desafios da instituição, que acaba de completar 217 anos de existência, A TARDE ouviu o seu diretor, professor doutor Antônio Lopes, PhD em Ciência Epidemiológica e com mestrado em Saúde Pública (MPH) pela Universidade de Michigan. Lopes é, desde 2023, o primeiro negro a dirigir a Fameb.
Em sua palestra sobre formação em saúde, durante as comemorações pelos 217 anos da Faculdade de Medicina da Ufba, a professora Lorene Pinto, a primeira e única mulher a ser diretora da Famed, falou sobre a expansão da presença do setor privado no ensino. Como a Famed, a primeira faculdade de Medicina do país, pode reforçar o seu status de referência no ensino de excelência?
A professora Lorene tem sido muito importante por estar envolvida, nacionalmente, nessas questões das diretrizes e da formação médica de uma forma geral. E isso tem sido muito importante para a própria Faculdade de Medicina da Ufba. Toda essa discussão de que ela tem participado, essa contribuição que ela tem dado. E na Faculdade de Medicina a gente, realmente, tem traçado um trabalho voltado para a melhoria da formação médica. E, diga-se de passagem, a Fameb sempre teve uma boa posição. Mas a gente não pode se contentar em ter uma boa formação médica. Eu acho inclusive que a gente tem que responder às necessidades, aos reclames sociais de uma saúde de melhor qualidade. Além disso, você tem também o reclame social importante de que uma faculdade que está dentro de uma universidade pública seja mais inclusiva. Esse é um outro papel, também importante, da Faculdade de Medicina. Temos procurado, realmente, fazer grandes melhorias.
Pode dar exemplos?
Como a própria professora Lorene citou, o Teste de Progresso, que é importante porque infere os progressos semestralmente. Quando a gente aplica o teste, o estudante que é do primeiro semestre e o do último semestre respondem às mesmas questões. No que isso nos auxilia? Qual o objetivo? O estudante pode acompanhar o seu desenvolvimento em termos de aprendizagem. Ele pode fazer isso semestralmente. E nós, professores, temos uma ideia também sobre o que estamos ensinando. Alguns pontos da formação médica precisam ser aprimorados. O estudante tem o seu feedback e nós também. O curso, de maneira geral. Há um banco de perguntas muito boas, elaboradas com uma técnica. E, sobre avaliação, você tem a Abem, a Associação Brasileira de Educação Médica, que tem a maior experiência mundial de avaliação processual. Na semana passada, foram 160 mil estudantes no Brasil inteiro fazendo avaliação ao mesmo tempo. Essa avaliação existe há 14 anos, mas a Fameb começou a fazer no ano passado.
Fale um pouco, por favor, do Exame Clínico Objetivo Estruturado, o Osce.
É um exame clínico objetivo e estruturado que a gente começou com os alunos que estão no internato no ambulatório do Hospital Magalhães Neto. Você tem várias salas e em cada sala há um cenário ocorrendo ali. Muitas dessas salas têm atores, incluindo atores da própria Ufba, que simulam pacientes que estariam com uma determinada doença. Como ator, ele sabe se comportar como alguém que tem uma doença cardíaca ou neurológica. A gente está começando a trabalhar nesse semestre agora. A gente discute, mas está executando coisas. E já tem um grupo lá elaborando os cenários e que vai elaborar o barema (quadro de avaliação). E isso vai ser explicado aos estudantes. Olha, aqui você vai ter um paciente e mostrar como vai examinar, tirar a pressão. E vai ter um professor ao lado avaliando com o barema. E ele vai dar o feedback ali na hora. Olha, você podia melhorar nisso, faltou fazer isso, etcétera e tal. E como tem um ator ali, simulando um familiar que levou o paciente, o estudante tem que saber como falar. Tem esses aspectos de examinar, orientar e educar. E saber se comunicar com as famílias. Isso está sendo muito bem avaliado, inclusive pelos próprios estudantes.
Houve mudanças no ingresso aos cursos. Além das cotas, existe o BI Saúde no Ihac [Instituto de Humanidades, Artes & Ciências Professor Milton Santos]. Como está o convívio entre os estudantes?
Outra preocupação nossa é com a saúde mental dos estudantes. O curso é um processo que exige muito deles e alguns estudantes são muito competitivos. Isso compromete muito a saúde mental. A Ufba oferece, através do Ihac, o Bacharelado Interdisciplinar em Saúde, o BI Saúde, e tem gente que chama de BI Medicina. Porque quase todo mundo quer fazer medicina. Então, fica um processo muito assim. Se você não der um 10 para o estudante, ele acha que vai perder a chance dele. Além disso, a gente tem hoje estudantes em uma situação social e financeira que compromete muito a saúde mental. Então, nós instituímos uma semana sem aula por semestre, que nós chamamos de Semana Cultural, Esportiva e de Saúde, em que cada um faz o que quer. Ele pode viajar, ir para a cidade dele. E no segundo semestre a Semana tem o Intermed, com competições esportivas, que é algo que já existia. E na semana seguinte não há provas. Porque se você tiver semana cultural e na seguinte tiver prova, sua cabeça vai estar na prova. Obviamente, os estudantes adoram essa Semana Cultural.
A sua gestão tem projetos para a utilização do prédio histórico da Faculdade de Medicina no Terreiro de Jesus?
A faculdade tem esse aspecto de ser a primeira de medicina do Brasil. Com uma sede que é um patrimônio da humanidade e nos coloca dentro da responsabilidade de preservar esse patrimônio. A gente tem feito ações dos pontos de vista cultural e turístico. É um polo turístico e de visitação pública de um prédio que também oferece assistência ambulatorial à população. Na minha gestão, foi criado o Centro Internacional de Estudo e Pesquisa da Saúde da População Negra e Indígena. Logo que eu cheguei, apresentei o projeto à Congregação da Fameb, foi aprovado e só em 2024 nós fizemos 11 sessões, que à exceção de duas que não foram gravadas, podem ser vistas no YouTube, na página da Fameb. Lá você vai ver os projetos. E tem a recuperação da sala na faculdade do terreiro onde fazemos sessões e projetos de pesquisa, que nós estamos buscando recursos. Temos um orçamento de R$ 60 mil e a promessa da deputada federal Lídice da Matta de trabalhar por esses recursos. Uma vez que consigamos esse dinheiro, a sala vai ser um local de trabalho para estudantes de graduação, de pós-graduação e pesquisadores. Tem o Memorial da Medicina Brasileira, e tem o centro, que é integrado ao memorial, mas é mais voltado à saúde da população negra e Indígena. Mas vai ser um local também de visitação. O que a gente produzir, a gente quer mostrar.
O senhor mencionou a questão da inclusão social. É o primeiro diretor negro de uma faculdade que, tradicionalmente, tinha alunos brancos. Qual o tamanho do impacto das cotas?
Você precisa ver as fotografias de turmas de 20 anos atrás e de agora. Nem é preciso dizer nada. Antigamente, a gente recebia alunos das mesmas escolas e, às vezes, das mesmas famílias. Nós estamos enfrentando muito essa questão das ações judiciais. Isso é algo que compromete, porque é um curso que era para ter o ingresso de 80 estudantes por semestre. Mas já tivemos 120. Porque as pessoas entram com ação judicial.
Pessoas que perdem a vaga para alunos cotistas...
Exatamente. Isso está favorecendo pessoas que teriam condições de entrar em uma escola que elas pagassem. Comprometendo o curso para as pessoas que precisam do ensino público. A gente está com isso aí. Não havendo essas ações judiciais, a gente estaria com um curso melhor. Mas as pessoas entram e todo mundo é tratado igual. Não quero nem saber quem entrou (por causa do recurso judicial), não é para saber. Mas termina sendo um problema, porque as disciplinas não podem ter muitos alunos, porque acaba não tendo laboratório para todos. Os alunos acabam acumulando matérias, pois não puderam se matricular em uma disciplina porque não havia vagas. Isso é um problema importante.
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