Menu
Pesquisa
Pesquisa
Busca interna do iBahia
HOME > MUITO

MUITO

Thales Ma: "É mais fácil e mais barato cuidar da saúde do que da doença"

Por Daniel Oliveira | Foto: Raul Spinassé / Ag. A TARDE

26/03/2019 - 9:00 h
Thales Ma explica que a acupuntura cria uma harmonia entre o corpo e amente e previne o adoecimento
Thales Ma explica que a acupuntura cria uma harmonia entre o corpo e amente e previne o adoecimento -

Na infância, Thales Ma convivia com as agulhas de acupuntura em casa e escutava histórias sobre a medicina chinesa contadas por seu pai, Ma To Chi – fundador e coordenador do Centro Cultural Brasil-China e um dos primeiros a introduzir práticas da medicina chinesa em Salvador. Ao entrar na vida adulta, escolheu estudar teologia, por conta das suas experiências com o sincretismo religioso até ali. Encantava-se com a diversidade religiosa e queria mergulhar em estudos sobre esse fenômeno. No início dos anos 2000, o seu pai, acupunturista, decidiu expandir o centro, e o filho quis participar. Criou, então, o Man Zu Dao – cujo significado, segundo Thales, é “caminho para a satisfação plena” – que atualmente funciona numa casa vermelha, aconchegante e tranquila, numa ruazinha sem saída no Rio Vermelho. Aos 45 anos, ele trabalha diariamente atendendo pacientes, mapeando os sentimentos dos cinco grandes órgãos (o coração, o pulmão, o fígado, o rim e o baço) e aplicando as agulhas de acupuntura. Segundo ele, o objetivo da prática milenar é produzir um maior equilíbrio e harmonia do corpo e da mente, evitando o adoecimento. “Da mesma forma que o corpo produz a doença, quando está num ambiente hostil, se a gente consegue trazê-lo para um ambiente tranquilo, mais calmo, ele também produz a cura”, diz. Na entrevista, o acupunturista fala do seu trabalho, da relação entre problemas físicos e emocionais, da aprendizagem com o pai e da sua visão da acupuntura no contexto contemporâneo.

Como você iniciou o trabalho com acupuntura?

No começo dos anos 2000 estava morando em Aracaju. E meu pai [Ma To Chi, uma das referências da acupuntura em Salvador e que ajudou a difundir a prática] tinha um plano de abrir um centro lá. No início, achava que era uma história dele. Mas fui estudar acupuntura e fui pensando que poderia fazer um trabalho legal, ajudar muita gente a se ajudar. Mas, no fundo, também não queria ficar fora de Salvador. E a gente acabou não abrindo essa filial e fizemos um outro centro aqui. Desde a adolescência a acupuntura está presente. Participava dos cursos de tui ná (massoterapia chinesa) e sempre estávamos manipulando agulha. Sempre tive agulha em casa, apesar de todo mundo falar que em casa de ferreiro o espeto é de pau, a gente se trata com acupuntura há muito tempo. Fazemos um no outro.

Tem lembranças da acupuntura e da medicina chinesa na infância?

Sim, lembro de ser cobaia nos cursos (risos), do material que vinha em chinês e ele traduzia com a ajuda de minha irmã. Isso eu tinha uns 13 ou 14 anos. Minha mãe conta uma história que, quando eu era criança e tive catapora, meu pai usou uma técnica que é feita na China. Usou uma agulha quente para queimar o primeiro sinal. Eles chamam de “catapora-mãe”, a que estoura primeiro. E meu pai me levou para o quarto e queimou. Lembro também da minha irmã tomando as fitoterapias chinesas.

Você se formou em teologia e apenas depois decidiu seguir na área de acupuntura. Como se deu essa primeira escolha?

A família do meu pai é do Tibete. E minha vó era uma tibetana, muçulmana e budista e que, quando chegou ao Brasil, se identificou e se tornou devota de Iemanjá. Ia para a festa do dia 2 de fevereiro com ela e, enquanto ficava contando onda, ela rezava para Iemanjá em árabe. E me perguntava: “Como vão se entender?”. E se entendiam. Já a família da minha mãe tem índio, português, católico, espírita. Sempre foi um sarapatel ecumênico, e isso despertou uma curiosidade. Queria entender essas relações religiosas. Como isso tudo vive conjuntamente.

A acupuntura envolve uma complexidade de conhecimento do corpo e da mente que sustenta a técnica. Porém há também uma visão, digamos assim, mais prática de que a acupuntura é somente a aplicação de agulhas em pontos específicos do corpo para tratar de dores e produzir um relaxamento. Como você entende a acupuntura?

A acupuntura data de aproximadamente cinco mil, seis mil anos atrás. E o que sempre a acupuntura buscou foi o equilíbrio e a harmonia. Dentro do princípio filosófico chinês, se o nosso corpo está harmonizado e equilibrado, ele não adoece. Então, quando as pessoas perguntam se acupuntura serve para tudo, sempre digo que serve para tratar da saúde, porque é mais fácil e mais barato cuidar da saúde do que da doença. Serve para manter a gente saudável. E da mesma forma que o corpo produz a doença, quando está num ambiente hostil, se a gente consegue trazê-lo para um ambiente tranquilo, mais calmo, ele também produz a cura. E a acupuntura traz o corpo para o equilíbrio. É o caminho do meio, que Buda falava. E a doença aparece no conflito. Quando você sai, tem essa serenidade, consegue recuperar o seu corpo.

Buda dizia que o maior carrasco da gente é a gente mesmo. Se a gente não colocar o nosso nome na lista dos perdões, e não se perdoar, a vida fica insuportável

Num cotidiano acelerado, com uma alta intensidade de trocas de informações, quais são os benefícios de fazer a acupuntura?

Dentro dessa vida moderna hostil, trazer serenidade, equilíbrio e, mais importante, a consciência plena. Trazer o presente, que é o que a gente tem. Não vivemos nem no futuro, nem no passado. Quando vamos para o futuro, é ansiedade; e para o passado, depressão. E aí não tem mais si. É necessário ter serenidade para atingir essa consciência. E aí a acupuntura traz, a yoga traz. Tem gente que consegue isso correndo, fazendo jiu-jítsu. Naquele momento, a mente se conecta com você mesmo. Durante a sessão de acupuntura, 20, 30 minutos de agulha e depois uma massagem, é um momento de você com você mesmo, para silenciar os ruídos da mente. Não tem interferência.

Profissionais de vertentes da medicina oriental, como da macrobiótica, já têm falado de uma certa dificuldade de encontrar o equilíbrio total, mesmo numa lógica restritiva de alimentação. A ideia é que o equilíbrio e o desequilíbrio devem ser tratados a partir de uma autoeducação. O que pensa disso?

É o yin e yang, as duas forças antagônicas. Precisam, de fato, estar em sintonia. Quando não estão, vem a doença. Não existe um equilibrio total, mas existe um desequilíbrio total.

Nesses anos de trabalho, quais são as queixas mais recorrentes das pessoas que procuram o seu centro de acupuntura?

Estava pensando nisso, e, às vezes, tem algum movimento que não consegui entender, do planeta, que são semanas inteiras de nervo ciático atacado. De segunda a sexta, todo mundo reclamando. Parece que o planeta deu um tranco e desarmonizou todo mundo. Aí na semana seguinte é enxaqueca, depois ansiedade. Mas, geralmente, são as dores físicas ou emocionais. Sempre assim. E muitas vezes a dor física está ligada a questões emocionais. Às vezes, é o peso do mundo nas nossas costas. Buda dizia que o maior carrasco da gente é a gente mesmo. Se a gente não colocar o nosso nome na lista dos perdões, e não se perdoar, a vida fica insuportável. E entender que a única lei maior é a lei da impermanência, nada aqui é para sempre. Se a gente escolhe viver esse momento num conflito, vai ser um horror.

O nome do seu centro de acupuntura é Man Zu Dao. O que significa?

Significa “caminho para a satisfação plena”. E dentro da medicina tradicional chinesa existe um técnica de massagem chamada zu dao, que é o caminho do pé. Então, a ideia é que se a gente cuida bem dos pés, a nossa caminhada vai ser mais leve, mais suave. A vida será mais tranquila. Man Zu Dao é um nome que homenageia essa massagem. Todo o nosso corpo está refletido ali. Todos os órgãos estão nas zonas de reflexo do pé.

Muitas pessoas ainda pensam que a sessão de acupuntura é dolorosa e, por isso, não fazem. Mas, em geral, praticamente não se sente a agulha. Há casos em que acupuntura dói?

Não. Há o que a gente chama de bloqueio. É mais ou menos o que a medicina alopata chama de inflamação. Quando o ponto está inflamado, você pode perceber mais a agulha. Existem alguns pontos que você estimula para liberar uma corrente elétrica, que é normal. Mas dor, em acupuntura, geralmente acontece quando a agulha está no lugar errado. A agulha, no ponto certo, não é para doer, não.

Os pontos do corpo são gerais ou cada paciente tem as suas especificidades?

Existem já mapas milenares onde o acupunturista trabalha. Cada meridiano ou canal por onde esses pontos estão distribuídos são relacionados a um órgão. Tem o meridiano do coração, pulmão, rim, e cada um tem uma quantidade específica de pontos e sua localização. E há pontos de conexão desses meridianos também. Um conversa com o outro. Eles estão em locais diferentes e profundidades diferentes. Para cada caso, você tem milhões de possibilidades de combinação. A sequência que você punciona e a profundidade também interferem para que tipo de resposta você está procurando. E a acupuntura segue muito as leis da natureza. A gente sabe que no inverno, quando o chi [energia vital] está mais profundo, a agulha precisa ser um pouco mais profunda. No verão, um pouco mais superficial.

De que modo a teoria e a prática se relacionam no cotidiano da profissão?

Quando a gente tem um olhar mais poético sobre a acupuntura e menos cartesiano, acho que ela funciona melhor. Essa é a minha experiência. A abordagem não pode ser dois mais dois é igual a quatro. Cada indivíduo é diferente. A mesma combinação de pontos para um não necessariamente vai funcionar no outro. Então, por isso, na primeira sessão é necessário ouvir o paciente, tocar, ver e cheirar. O cheiro é usado pouco hoje no diagnóstico porque tem muita interferência externa, perfume, creme. Por isso, os métodos diagnósticos são importantes. Você precisa ouvir o que o paciente está dizendo, olhar para ele e entender, holisticamente, o todo. Quando um paciente chega dizendo que tem uma dor nas costas, quando você investigar de onde veio essa dor, você descobre que ele teve uma situação em que precisou tomar uma decisão importante e doeu. Não foi malhando, por exemplo. E a abordagem tem que ser diferente.

A acupuntura não trata sintomas, a gente busca a causa. E a causa é sempre algum desequilíbrio. Por isso, os fundamentos se preservam

O mundo vem mudando em alta velocidade, e a acupuntura se tornou uma prática difundida em muitos países. As questões que aparecem, em cada tempo, são diferentes. Como vê as transformações da prática a partir dessa expansão?

Os conflitos humanos sempre existiram, em diferentes épocas. Quando não são externos, têm uma raiz interna. Mas o problema, e o que diferencia o mundo de hoje, é que há uma aceleração e as pessoas procuram a acupuntura no intuito de desacelerar. É necessário dar conta de tanta coisa que chega que, às vezes, é difícil filtrar. E processar isso tudo acaba sobrecarregando os sistemas: o sistema nervoso central, o sistema nervoso periférico, o sistema imunológico, o sistema parassimpático. Quando aumenta o estresse, o sistema parassimpático derruba o nosso sistema imunológico. Hoje há muitas pessoas com quadro de ansiedade e depressão por conta de uma hostilidade da vida. E, por conta dessa gama de sintomas, há uma grande procura. Mas a acupuntura não trata sintomas, a gente busca a causa. E a causa é sempre algum desequilíbrio. Por isso, os fundamentos se preservam.

Como você percebe o diálogo da acupuntura com a medicina ocidental, a "medicina alopática"?

A medicina tradicional chinesa foi reconhecida pela Organização Mundial da Saúde (OMS), porque tem comprovação científica. Então, realmente funciona. Não é como se pensou antes, como um placebo, ou que era necessário ter fé para funcionar. Ela tem comprovação científica. Assim, os conselhos de medicina aceitam que o médico alopata se especialize em acupuntura. E basicamente a gente vem da mesma escola, a escola de acupuntura clássica é a mesma. O modelo que cada um usa para fazer acupuntura é que, às vezes, é diferente. Às vezes, falta poesia. Se vira dois mais dois é igual a quatro, a gente vai fazer produção em série e a acupuntura não é produção em série.

Já fez acupuntura na China?

Sim...

O que achou?

A acupuntura na China tem um formato diferente daqui, porque temos o cuidado de usar aplicador para minimizar o atrito da agulha na pele. Lá, os acupunturistas não usam e puncionam a agulha. Então, você sente umas picadinhas maiores. Dói um pouco na passagem da agulha, mas depois não dói mais. É sempre uma viagem de férias e para estudar.

Você falou da desconfiança sobre os resultados das terapias com a acupuntura. Pensa que diminuiu?

Sim, principalmente depois do reconhecimento da Organização Mundial da Saúde. O que aconteceu foi o seguinte: quando a acupuntura apareceu aqui, pós-Segunda Guerra Mundial, o pensamento foi esse. Como pedacinhos de metal enfiados no corpo vão gerar algum resultado. E aí as pessoas foram aderindo e mostrando os resultados. E virou placebo. A pessoa imagina que está boa e fica. E vieram os estudos para entender melhor, porque muitas pessoas estavam relatando a melhora. Não dava para ser placebo e charlatanismo. E os estudos foram surgindo e as comprovações foram aparecendo. Mas, hoje ainda, muita gente tem medo da acupuntura, por conta da agulha. E isso tem a ver com a cultura do ocidente, na qual agulha é vista como punição. O pai fala para o filho: “Vai tomar injeção se não se comportar”. E, segundo, muita gente tem medo de possíveis transmissões de doença, achando que as agulhas não são descartáveis.

Você citou que, frequentemente, problemas físicos dos seus pacientes têm ligações com aspectos emocionais. De que maneira essa relação entre corpo e mente se expressa?

A medicina tradicional chinesa e a acupuntura têm um olhar diferente sobre o corpo. A acupuntura fala de cinco grandes órgãos: o coração, o pulmão, o fígado, o rim e o baço. Esses órgãos têm sentimentos. A gente sabe que quando uma pessoa tem problema com determinados sentimentos, a gente sabe de que órgão está saindo. E aí a gente tonifica ou seda esse órgão. Pode ser uma baixa de energia ou um aumento muito grande, porque também desequilibra. Sabe-se que o sentimento do coração é a ansiedade. Para todo caso de ansiedade precisamos tratar o imperador, o coração. Um sintoma clássico de ansiedade é taquicardia. O coração dispara. O pulmão, para a medicina chinesa, é o órgão da tristeza. Questões ligadas ao pulmão, à tristeza, se mostram em alergias na pele, a pessoa começa a ter irritação de pele, alergia. Mas alergia pode ser um creme também. Aí você aciona e tem como saber de onde está vindo o problema. O fígado é o da raiva, que fica com a energia sobrecarregada e vai refletir nos nervos e tendões do corpo. A gente começa a ter tendinites, inflamações de nervos. O baço, que trabalha junto com o pâncreas num meridiano só, tem dois sentimentos associados: preocupação e pensamento em excesso. O baço reflete na musculatura, que, quando sobrecarrega, fica pesada, dolorida. E o rim é o capitão da vida anterior e cuida dos ossos. O sentimento é medo e pânico. Você já reparou que quando a pessoa passa por um susto, ou um medo muito grande, faz xixi? É porque quem cuida desse sentimento é o rim.

Compartilhe essa notícia com seus amigos

Compartilhar no Email Compartilhar no X Compartilhar no Facebook Compartilhar no Whatsapp

Siga nossas redes

Siga nossas redes

Publicações Relacionadas

A tarde play
Thales Ma explica que a acupuntura cria uma harmonia entre o corpo e amente e previne o adoecimento
Play

Filme sobre o artista visual e cineasta Chico Liberato estreia

Thales Ma explica que a acupuntura cria uma harmonia entre o corpo e amente e previne o adoecimento
Play

A vitrine dos festivais de música para artistas baianos

Thales Ma explica que a acupuntura cria uma harmonia entre o corpo e amente e previne o adoecimento
Play

Estreia do A TARDE Talks dinamiza produções do A TARDE Play

Thales Ma explica que a acupuntura cria uma harmonia entre o corpo e amente e previne o adoecimento
Play

Rir ou não rir: como a pandemia afeta artistas que trabalham com o humor

x