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Turismo comunitário da Bahia: potência da diversidade

Quilombo Quingoma, onde vivem 4.856 pessoas, tem atraído visitantes de dentro e de fora do Brasil

Por Gilson Jorge

26/11/2023 - 5:20 h
Raquel Conceição Pereira, mãe Rejane Pereira Rodrigues, líder quilombola e
Gildete Araújo de Melo, Yaô, no Quilombo Quingoma
Raquel Conceição Pereira, mãe Rejane Pereira Rodrigues, líder quilombola e Gildete Araújo de Melo, Yaô, no Quilombo Quingoma -

No último dia 11 de novembro, dez estudantes do programa Educação de Jovens e Adultos do Colégio Estadual da Bahia (Central) foram visitar o quilombo Quingoma, em Lauro de Freitas, que no início deste ano foi reconhecido como o primeiro território iorubá no Brasil por Adeyeye Ogunwusi, líder político e espiritual da cidade sagrada de Ifé, na Nigéria, berço da cultura iorubá.

A importância cultural e histórica dessa comunidade, onde vivem 4.856 pessoas, tem atraído visitantes de dentro e de fora do Brasil. Por iniciativa da Rede Batuc, uma ONG voltada para o turismo comunitário, o quilombo tem sido visitado não apenas por estudantes soteropolitanos, mas por grupos de turistas. Uma turma de universitários negros da Pensilvânia, nos Estados Unidos, esteve recentemente no local, conversando com as pessoas, entendendo o modo de vida. Um diálogo que pode ser importante para que a sociedade entre na discussão sobre a preservação dessa área que atrai o interesse de empresas da construção civil.

A exuberante natureza dessa faixa de Mata Atlântica permite um estilo de vida sossegado e bucólico. Por volta das 14h da última terça-feira, dois homens e um menino, todos sem camisa, conversavam sob a sombra de uma árvore, perto do campo de futebol de terra batida.

A reportagem pergunta pela casa de Rejane Rodrigues, líder comunitária que aguardava a sua chegada, e o garoto apenas aponta com o dedo indicador direito onde ela mora. Após os cumprimentos na varanda, onde termina de comer um prato de feijão servido por sua mãe em um nagé, a pedagoga Rejane pede licença para concluir a refeição e indica que a equipe se acomode até que ela possa começar a falar sobre o estado de espírito na região.

Se por um lado a comunidade teme o avanço de construções no quilombo que, segundo os moradores, data de 1569, a presença de visitantes é considerada estratégica para a consolidação do título de posse da terra.

Educação

Desde 2005, quando lançou o programa Criando Raízes, para receber a visita de estudantes, o quilombo tem apostado na educação como forma de criar um pensamento aliado à preservação do lugar. "Comecei a ver que não daria para fazer uma transformação e ressignificação histórica através dos mais velhos, pessoas que sofreram muito e estão cansadas", afirma a pedagoga.

Há muito que fazer. Até março do ano que vem, deve ser inaugurada uma cozinha comunitária construída pelo Governo do Estado. Além do preparo de pratos regionais e veganos, o equipamento deve servir a visitantes. Mas os quilombolas pretendem criar um calendário de festas. Dias 8 e 9 de dezembro, por exemplo, vai acontecer o Festival Cultural e Gastronômico EcoQuingoma.

“O projeto deles é ótimo", elogia Aline Bispo, líder da Rede Batuc, que no início deste mês recebeu o Prêmio Global de Turismo Responsável - Melhor Solução para Diversidade e Inclusão, oferecido pela World Travel Market, de Londres, por promover 30 destinos turísticos na Bahia ligados a projetos sociais.

O quilombo não tem moeda própria, mas tem um ativo que desperta a atenção de empresários. Um terreno, com mais de 1.200 hectares, corresponde a 25% do terreno total desse município, mas parte da área já sofreu intervenções urbanas que vão de condomínios residenciais ao Hospital Metropolitano. A construção da Via Metropolitana, em 2009, levou para a região uma movimentação imobiliária que desagrada os quilombolas.

No último dia 16, a Comissão de Direitos Humanos e Segurança Pública da Assembleia Legislativa da Bahia realizou audiência pública para discutir a Titulação do Território Quilombola de Quingoma, mas o assunto está longe de um acordo. Na comunidade, circula a crença de que o poder público já se comprometeu a repassar parte do terreno para o setor imobiliário.

Em resposta enviada por áudio, através de sua assessoria, a prefeita de Lauro de Freitas, Moema Gramacho, sublinha que o poder municipal não tem competência para emitir títulos de terra, uma atribuição do Palácio do Planalto. "Pode haver uma parceria entre o Governo da Bahia e o Governo Federal e a prefeitura tem que seguir a orientação dos dois governos", afirma Moema.

A prefeita diz ainda que o Governo da Bahia se propôs a avançar com a titulação de 288 hectares para o quilombo, arcando com as desapropriações, mas que a comunidade não abriu mão dos mais de 1.200 hectares e encerrou as negociações. A prefeitura também nega que esteja negociando terrenos na área.

Rejane afirma que o poder público não quer desapropriar e que o projeto com a demarcação de 288 hectares isolaria a comunidade. "O perímetro que eles querem fazer tira todas as pessoas que têm dinheiro, nos deixa isolados", reclama a pedagoga.

Uma das características dos locais que mantêm parceria com a Rede Batuc é que o turismo não se encaixa como atividade econômica principal, o que evita uma excessiva dependência do fluxo de visitantes.

Por outro lado, são locais que têm um traço forte de vida comunitária. Alguns deles, inclusive, desenvolveram moedas próprias que são emprestadas aos moradores quando as notas de real somem da carteira.

A moeda local é aceita por comerciantes locais conveniados, que trocam as notas por dinheiro oficial no banco da comunidade. Quando o morador que tomou as notas em crédito recebe salário, paga ao banco sem juros.

"A ideia do turismo comunitário é justamente que haja protagonismo por parte da comunidade e que haja propriedade dos bens por parte dessas pessoas", defende Aline Bispo.

Desvio à direita

Quando se cruza a Baía de Todos-os-Santos em um ferry boat, a caminho de Nazaré, já perto de se deixar a ilha, existe um desvio à direita, a entrada para a Dow Química, mas que é também o rumo para a pacata ilha de Matarandiba.

A estrada nesse trecho está quase toda esburacada, porque a empresa está fazendo novas escavações em busca de salmoura, uma solução natural encontrada perto de lagos de água salgada e que é usada para a conservação de alimentos.

O efeito da exploração de salmoura na economia de Matarandiba é agridoce. Por um lado, os buracos tornam mais difícil a vida de quem quer visitar o lugar. Por outro, oferece postos de trabalho a alguns dos quase mil ilhéus.

"O Censo de 2010 tinha apontado 900 moradores, mas a gente viu pessoas vindo para cá e ficando durante a pandemia", afirma Evaldo Pereira, gestor da Associação Comunitária de Matarandiba (Ascoma), que reúne cinco negócios de gestão coletiva, incluindo um banco social, uma padaria, um infocentro, uma rádio comunitária e a Vivetour, o braço turístico dos negócios.

"Queremos consolidar o turismo dentro da nossa comunidade, atraindo jovens, apresentando as nossas belezas naturais para aquecer a nossa economia solidária", diz ele.

Os comerciantes de Matarandiba que aderiram ao projeto da Ascoma aceitam a moeda alternativa que o grupo mandar imprimir em Salvador, a concha, que socorre moradores que já gastaram os seus reais do mês.

Matarandiba é um lugar onde as coisas acontecem calmamente. Todo mundo se conhece e as pessoas não lembram quando foi o último assassinato no local. Há cinco anos, houve um assalto à mão amada cometido por forasteiros, mas a polícia foi chamada e os criminosos, detidos.

Quem quiser visitar a ilha tem como alternativa de hospedagem alugar um quarto em uma das cinco casas que oferecem camas para turistas. Não há muitos cadeados nas portas e algumas delas ficam abertas durante o dia.

Evaldo explica a dinâmica do recebimento de turistas na ilha enquanto caminha pelas ruas e é interrompido por um garoto que sai de casa correndo e grita "Oi, tio", mas não é de sua família.

O último grande grupo a dar as caras, conta, foi uma turma de 40 estudantes do baixo sul da Bahia, em 2021. A Ascoma existe formalmente desde 2008, mas a parceria com a Rede Batuc data de 2018, após um encontro na Ufba durante o Fórum Social Mundial.

Cultura

Na empobrecida região de Alagados e Uruguai, na Península de Itapagipe, os moradores apostam na cultura como forma de atrair visitantes dispostos a conversar para descobrir belezas que não estão aparentes à primeira vista.

"A gente pensa em roteiros turísticos em que os visitantes possam conversar, ouvir histórias", afirma Marilena Nascimento, uma das fundadoras da Alagados Turismo Comunitário (Actour), que organiza passeios pelo bairro.

Jovens como Carlos Henrique Anjos da Silva, Carlos Santos da Luz e Diógenes Reis levam os turistas para conhecer a área onde existiam as palafitas, ouvir grupos de percussão, ver apresentações de dança e, quando agendado, levam à cozinha comunitária para que os visitantes aprendam in loco como se faz uma moqueca.

No meio do ano, costumam chegar grupos da França, a partir de uma parceria fechada com uma agência de viagem. "Sempre vêm 30 pessoas em junho e 30 em julho", afirma Diógenes Reis, que também trabalha como educador social.

A visita pode incluir também um bate-papo com a vendedora de frutas Marinês de Jesus da Cruz, dona da barraca Arco-Íris, nome inspirado na comunidade LGBTQIAPN + de Alagados. Na hora de explicar a denominação do negócio, Marinês aponta para uma mulher que passa por trás dela segurando um litrão de cerveja e diz: "Essa aqui é minha mulher", ao que a outra retruca gritando: “É mentira!"

Mais introspectivo, o barqueiro Adailton Santos, Sassá, 54 anos, reluta em conversar e tirar fotos. Na verdade, ele se aproximou do grupo acreditando que se tratava de um grupo de potenciais clientes. "Quer atravessar?", veio gritando de longe. Sassá relutou, mas falou sobre a travessia de passageiros, pelo menos até a hora em que chegou uma cliente de verdade. "Eu faço isso aqui desde criança", declara o barqueiro, que cobra R$ 2,50 pela passagem. Que turista vai reclamar desse preço?

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