DIA DAS CRIANÇAS
Um presente? Brincar
Psicanalista diz que um grande problema para as crianças é a falta de espaços
Por Vinicius Marques

Existem diversas infâncias numa mesma cidade, é o que diz a psicanalista Cláudia Mascarenhas, diretora clínica do Instituto Viva Infância. Para ela, a relação de cada criança na mesma cidade é diferente, mas o que une toda essa diversidade é o ato de brincar. No entanto, um grande problema para as crianças é a falta de espaços.
Há crianças que brincam em lugares fechados, nos condomínios ou nas escolas, e existem as crianças que têm condições mais propícias para brincar ao ar livre, como as indígenas, por exemplo. O brincar existe para todas, a forma e os locais é o que as diferenciam, além de toda a transmissão geracional e a condição socioeconômica.
“Não necessariamente quem tem mais recursos brinca mais, mas isso impacta na relação com o espaço, com o excesso ou a escassez”, destaca Cláudia. Ela aponta ainda que locais onde existem crianças e idosos têm menos violência, além de acontecer uma ocupação dos espaços públicos por essas pessoas, diminuindo o medo da violência.
Para Cláudia, o empobrecimento da população também faz com que esses espaços públicos sejam ocupados por pessoas que não têm onde morar e ficam pela rua mesmo, causando essa sensação de abandono e medo que, consequentemente, faz com que as crianças não saiam de suas casas.
“A falta de segurança é um olhar de uma determinada camada da população, mas um outro olhar, por outra via, fala de outra coisa. Fala do aumento da miséria, da fome, e isso não necessariamente é falta de segurança”, diz ela.
Nesse ponto, mesmo quando não há falta de segurança, há ainda um impacto emocional nas crianças, desde as que têm famílias com mais recursos até as que não têm tantos recursos assim. “Todas são impactadas pela miséria, pela falta de condição mínima para a maioria da população. As crianças, de modo geral, são muito sensíveis a isso. Elas ficam muito sensibilizadas”.
Para a psicanalista, existem, sim, espaços para as crianças na cidade. Ela cita as praias, o Parque da Cidade, o Parque São Bartolomeu e as pequenas e grandes praças. “Existem praças pequenas, às vezes tão abandonadas pelo poder público, mas adotadas por grupos. Quando há participação efetiva da comunidade, participação na construção conjunta para cuidar do espaço público, normalmente a população cuida e as crianças observam muito isso”.
Ela destaca que as crianças são muito observadoras e, portanto, a relação delas com a cidade é muito intensa. Na experiência dela, o que incomoda muitas as crianças é o tamanho delas em relação às outras coisas. “Quando se tem muito lixo, por exemplo, isso atrapalha, incomoda-as. O tamanho do lixo no passeio, nas ruas, é do tamanho de uma criança pequena. Não temos ideia da dimensão pela visão da criança. O que é uma cidade até meio metro?”, questiona.
Natureza
A pedagoga Taís Froes, da Oca - Infância Viva, projeto educativo de conexão de crianças e adultos na natureza, acredita que ainda há um cerceamento da infância. Para ela, de maneira geral, as crianças ainda têm poucos espaços para brincar. “Quando falamos de praças públicas, ainda é muito forte o receio da violência, de quem vai estar nessa praça”, afirma.
O Infância Viva realiza vivências na natureza com as crianças e ela conta que as famílias têm procurado os serviços do projeto cada vez mais, principalmente por conta da pandemia. “A pandemia trouxe esse lugar da infância e do livre brincar. As crianças são potentes, capazes de brincar, sabem brincar. Precisamos autorizar essas crianças a brincar, principalmente no lado de fora”, pontua Taís.
Ela acredita que as pessoas estão habitando as praças e os espaços públicos, mas ainda falta uma coragem que talvez venha com a possibilidade de viver coletivamente. Taís indica o filme O Começo da Vida Lá Fora, que fala sobre a redução dos redutos da infância. Segundo ela, houve uma diminuição dos horizontes da infância. “No nosso recorte, que é Salvador, percebemos que o setor imobiliário está aumentando e os espaços públicos começam a ficar cada vez mais reduzidos”.
O ator e brincante Marcos Lopes, que interpreta o Palhaço Bundaxoxa, da Trupe Musiclauns (@musicauns), destaca que é preciso entender a brincadeira de forma mais séria: “É preciso estar à disposição para o jogo, para a brincadeira, para esse olhar de mundo. Eu vejo isso como um sintoma da sociedade, que leva tudo muito a sério, e a gente adoece por isso”.
Ele defende que a brincadeira é um lugar potente de criação, aprendizado e um lugar importante de criação da personalidade das crianças. “Já se brincava pouco na rua, nos ambientes mais socializáveis, e na pandemia a gente teve uma redução a praticamente zero nos espaços de socialização para o brincar, especificamente”, diz o criador do Palhaço Bundaxoxa.
Marcos lembra que a geração dele saía muito para brincar nas ruas e hoje isso está se perdendo para as telas. Nascido no bairro da Engomadeira, ele diz que a brincadeira dele com os amigos era com pé no chão, jogando futebol, sete pedrinhas, baleou, elástico e esconde-esconde. “Essas brincadeiras vão se perdendo aos poucos e a gente vai perdendo do que é a construção da nossa personalidade”, analisa.
No entanto, o intérprete do Palhaço Bundaxoxa não demoniza os videogames e as telas em geral. Ele acredita que esses também são lugares potentes de criação, de conexão e sociabilidade, mas que também podem ser lugares de muita solidão. “Nada vai substituir a brincadeira presencial, o olho no olho, o tato, o pegar na terra, o pegar na bola, o pé no chão”, finaliza.
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