MUITO
Uma viagem sustentável à Serra Gaúcha
Por Bruna Castelo Branco

É difícil chegar em Gramado, na Serra Gaúcha, e não pensar ou dizer: “Parece que estou fora do Brasil”. Pode soar um pouco vira-latista, ainda mais se a frase sair naquele tom todo elogioso, mas é verdade mesmo.
Toda a cidade é formada por casinhas e prédios com telhados pontiagudos, construídos principalmente por imigrantes alemães e italianos acostumados à neve que caía no inverno europeu. Mesmo com temperaturas que beiram 0° C, a neve é rara em Gramado, como todo gramadense conta – a arquitetura fica, então, como uma lembrança de casa.
Gramado, mais do que a cidade vizinha, Canela, depende do turismo para sobreviver – é o que contam também os gramadenses. Por isso, para o turista, o que não falta é coisa para fazer. Os roteiros mais comuns nas duas cidades são: o Mini Mundo, um parque em miniatura; a Rua Coberta, cheia de restaurantes e cafés; o Lago Negro, onde se pode andar de pedalinho; o Parque Caracol, que tem um bondinho que leva à Cachoeira Caracol; a Igreja de São Pedro e a Paróquia Nossa Senhora de Lourdes; dezenas de fábricas de chocolate, entre tantos e tantos outros. Desde 2013, quando foi inaugurado, uma das atrações mais procuradas tem sido o Snowland, o primeiro parque de neve em um lugar fechado (indoor) da América Latina. O ingresso sai por R$ 169 por adulto.
Fora do inverno, a cidade é toda enfeitada para o Natal Luz, evento que vai de outubro a janeiro e realiza todos os nossos sonhos de Quebra-nozes. Todo canto se enche de corais, apresentações natalinas e espetáculos de teatro. Além disso, para não deixar esvaziado um lugar que continua a depender do turismo no resto do ano, nasceram eventos como o Festival de Cinema de Gramado, o Gramado In Concert (festival internacional de música), a Páscoa e a Festa da Colônia, por exemplo. Não importa a estação, não para de chegar gente.
Interior do interior
Por agora, vamos falar de um programa menos conhecido, mas tão – ou até mais – encantado quanto todos os listados acima. Refiro-me à Tour do Vale, no “interior de Gramado”, como dizem os nativos da Serra. O passeio rural, que inclui um café da tarde, custa R$ 138 por pessoa. Pegamos um ônibus no centro da cidade, próximo à Praça das Etnias. A experiência já começa ali, naquele veículo antigo – mais retrô do que antigo mesmo – que parece saído de uma novela dos anos 1970.
É do Vale que saem muitos dos produtos usados nos restaurantes e hotéis da cidade: carnes, frutas, geleias, sucos, verduras. É lá também que vivem os agricultores familiares, vários deles descendentes de imigrantes italianos. A viagem de ônibus não dura muito, o que traz até um desalento, porque é cheia de beleza. No caminho, se vê muito verde, muito bicho, poucas casas.
A primeira parada é a propriedade da família Perini, aquela dos vinhos famosos. Quem apresenta a casa é Gilberto Perine – com “e” mesmo, por erro do cartório. Ele fala sobre a chegada da família ao Brasil, numa época em que parte da Itália passava fome, mostra fotografias, livros antigos e utensílios de época. Quem construiu a casa, que segue intacta, foi o avô. Chama a atenção um fogão antigo, que parece de brinquedo. A ideia é caminhar pela casa, conhecer o galpão onde os vinhos eram feitos, andar pela plantação de uva e sair cheio de história. Gilberto não mora mais lá, emigrou para o centro. Das coisas que a vida às vezes exige de nós.

Depois, no mesmo ônibus, fomos até a casa de Fátima Marcon. É uma festa para quem gosta de animal: quem quer, pode alimentar as ovelhas na mão. Assim como Gilberto, numa paisagem quase encantada, ela fala de história, afeto e memória. De cara, já diz: “Aqui, a gente não usa agrotóxico... veneno, né, como se diz”. A produção é orgânica e familiar. Na visita, ainda teve degustação dos produtos da fazenda, como geleias e suco de uva. É difícil ir embora sem levar pelo menos uma geleia.
Teve também uma visita ao Alambique do Rossa, onde Romeu Rossa ensina como se faz cachaça da boa, além de degustação e uma caminhada pela propriedade. No fim, fomos recepcionados pela família Baretta, numa casa do início do século 20, que oferece um café colonial completo, com direito a pães, bolos, mais geleias, pinhão, vinho e café. É o que chamam de turismo de experiência, jeito de viajar que, segundo pesquisa do Booking.com, tem atraído 80% dos viajantes brasileiros.
Uma das partes mais bonitas do dia foi a cantoria do gaiteiro – no Sul, chamam acordeão de gaita – Jovir Jorge Rodrigues, bem conhecido por ali, entre tanta gente hospitaleira. Depois de ouvir La bella polenta uma vez, cantada e coreografada por ele, não tem volta: não dá para sair de lá sem cantarolar: “Bella polenta così / Cia cia pum, cia cia pum”.
Sustentável
Gramado e Canela são cidades fartas, muito fartas em comida. Brinca-se que quem a visita volta com pelo menos 3 kg a mais. Também aprendemos que, se no cardápio diz que um prato serve duas pessoas, pode ter certeza que alimenta de três a quatro – ou até mais, se você como pouco. Dos restaurantes que conhecemos, um dos mais gostosos é o Férreo Restaurante, em Canela. Vale muito pedir o arroz de cogumelos e, de sobremesa, o mousse de chocolate.
Outro lugar para conhecer é o Wood Lounge Bar & Restaurante, comandado pelo chef Rodrigo Bellora. Mas é preciso dizer, prepare o bolso. Uma das melhores entradas, a linguiça defumada, sai por R$ 47. A paçoca de pinhão, bem típica da região e bastante pedida, é R$ 48. Os pratos principais individuais, como o talharim artesanal, têm um preço parecido, R$ 43. E essa média de preços não é só nesse restaurante: comer na cidade, em geral, é um tanto caro.

O que não está saindo mais tão caro assim é fazer turismo sustentável – e Gramado tem se tornado um ponto procurado por quem quer viajar assim. Segundo a Organização Mundial do Turismo, enquanto o turismo convencional cresce 7,5% ao ano, o ecoturismo cresce 20%. No Brasil, seguimos essa linha. De acordo com uma pesquisa do Booking.com, divulgada no início deste mês, 75% dos brasileiros, em comparação ao ano passado, estão mais determinados em fazer viagens sustentáveis. No mundo, essa média é de 55%. Na América Latina, empatamos com o México e perdemos para a Colômbia.
O Bangalôs da Serra, eleito o hotel mais sustentável do Brasil pelo Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae), fica em Gramado. A sustentabilidade ambiental é visível: além de gerar energia por um moinho de vento, todas luzes do espaço são mantidas por 120 placas solares, o que gera uma economia de 13% na conta de luz. É um investimento que demora um tanto para se pagar, explica um dos proprietários, o engenheiro Lineu Kern, mas uma hora se paga. Daí para a frente, os custos de manutenção caem.
Para ser sustentável, também é preciso gerar impacto social. Um dos projetos do empreendimento, tocado por uma das proprietárias do hotel, a historiadora Marilu Kern, mostra a crianças e adolescentes a importância do turismo na cidade. “Muitos ficam chateados porque, nos feriados, os pais estão sempre trabalhando, como Natal, Páscoa..., mas se eles têm uma boa casa, comida, é por causa desse trabalho com turismo. Mostramos a eles como funciona um hotel e eles ficam encantados”, conta.

O mascote do Bangalôs é a vaca Genoveva, que fica ali mesmo, na propriedade, junto com a ovelha Clarinha e o carneiro Floquinho, prontos para receber visitas – e petiscos, é preciso dizer. O hotel também tem um pomar, que fica à disposição do hóspede. Basta colher o que mais agradar.
Outras opções sustentáveis na região, especificamente na cidade de Canela, são os hotéis Encantos da Terra e Hotel Blumenberg. Os preços são justos, os quartos, confortáveis, e os lanchinhos, deliciosos. Quase tudo vem do interior de Gramado, como uma forma de valorizar a produção da cidade. O mineiro Mauro Salles, proprietário do Encantos da Terra, explica bem a decisão de seguir pelo caminho da sustentabilidade: “A gente economiza os gastos e consegue repassar essa economia para o hóspede. Se eu reduzo a minha conta d’água, o preço fica melhor para todos. E fica uma sensação de que estamos preservando os recursos da cidade”.
Para quem quer um pouco mais de luxo, e ainda pensa no meio ambiente, uma boa dica de hospedagem é o hotel Refúgios da Montanha, em Gramado. Aberto há dois anos, uma das ações da hospedaria é fazer captação de água da chuva, usada nos vasos sanitários.
A Serra Gaúcha, como todo bom interior deste Brasil enorme, é uma terra hospitaleira. É com aperto no coração que a gente se dá conta de que um país tão diverso merecia muito mais. Com mais aperto ainda, na hora de voltar para casa, veio à memória uma das músicas que Jovir, o gaiteiro, tocou no fim do passeio ao vale. O sol se punha e ele cantava a marchinha de Carmen Costa: “Ai, ai, ai, ai / Tá chegando a hora / O dia já vem raiando, meu bem / Eu tenho que ir s’imbora”.
A repórter viajou a convite da Booking.com
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