MUITO
Uruguai abriga 'Santo Graal' para enófilos de todo o mundo
Por Francisco Castro Jr.

É no departamento de Canelones, a meros 38 quilômetros da capital Montevidéu, que se localiza uma das vinícolas mais importantes das Américas: é o Estabelecimiento Juanicó, fundada em 1830 por um imigrante espanhol chamado Francisco Juanicó. “Ao se mudar aqui para a região, ele percebeu que as pessoas bebiam muito vinho, mas não havia vinícolas na região”, conta Pedro Pohlmann Griboni, o simpático enólogo e guia gaúcho que recebe e instrui visitantes no local e durante as degustações.
Francisco rompeu com a tradição essencialmente pecuária da região: construiu uma cave e começou a vinícola, aproveitando-se do seu clima ameno e do seu solo argiloso-calcário ondulado, o que favorece a drenagem da água e a produção de vinhos.
“Por cinco gerações, a vinícola permaneceu propriedade da família Juanicó, até que, ali em meados do século 20, ela se torna estatal. Só em 1979 ela foi adquirida por Juan Carlos Deicas”, narra Pedro, caminhando entre os parreirais, ainda vazios no frio de agosto, quando a Muito visitou o local.
Cheios de planos, Deicas e sua família resolveram levar a vinícola a patamares de excelência ainda não experimentados por qualquer outra similar uruguaia. “Nos anos 1970, os vinhos do Novo Mundo (Estados Unidos, Austrália, Chile, Argentina, África do Sul) começaram a chamar a atenção das comunidades enófilas, mas o Uruguai ainda não tinha uma vinícola que o representasse”, lembra o guia.
Foi preciso mais de uma década de investimento, estudos de especialistas internacionais contratados e muito trabalho para, finalmente, o Estabelecimiento Juanicó oferecer ao mundo seu primeiro vinho de padrão mundial. Foi em 1992 que a família Deicas lançou o vinho Preludio – o nome, emprestado do jargão musical, não foi à toa: trata-se da introdução, do começo de uma peça erudita.
“Feito com seis uvas (tannat, cabernet sauvignon, cabernet franc, merlot, petit verdot e marselan), o Preludio ‘92 foi muito bem recebido pela mídia especializada mundo afora. Até hoje ainda está no mercado. Foi neste momento que o Uruguai foi reconhecido como um grande produtor de vinhos”, relata.
Aberta a porteira, a vinícola lança quatro anos depois, em 1996, o vinho que é o seu maior sucesso: Dom Pascual Tannat Roble. “Até hoje, uma em cada quatro garrafas de vinho abertas no Uruguai é Dom Pascual”, afirma Pedro.
Com mais de 200 hectares em Juanicó (há mais dois vinhedos em outras regiões do Uruguai), o Estabelecimiento produz diversos tipos de uva, mas é mais conhecido pela especialidade da região, a tannat. Nativa do sudoeste da França (região de Madiran), a tannat foi levada para o Uruguai por colonizadores bascos e hoje ocupa um terço dos vinhedos do Uruguai, um total duas vezes maior do que o produzido na própria França.
Sua principal característica é sua enorme carga tânica, ou seja: é tanino que não acaba mais. O tanino é um polifenol de origem vegetal que ajuda a proteger as plantas do ataque de herbívoros e micro-organismos. Nos vinhos, os taninos se concentram na casca da uva e são os responsáveis pela sensação de secura que ataca a boca logo no primeiro gole.
Para diminuir a agressividade da sensação, há várias técnicas que amenizam e integram os taninos ao vinho. No Estabelecimiento Juanicó, o Preludio (por exemplo) descansa por três anos em barris de carvalho franceses e norte-americanos. E depois repousa mais três já engarrafado. Pesquisas mais recentes apontaram os vinhos puxados no tanino como os mais saudáveis, graças às suas propriedades antioxidantes, auxiliando principalmente na redução dos níveis do colesterol.
Notas inescrutáveis
Considerações enófilas à parte, visitar o Estabelecimiento Juanicó é um passeio encantador mesmo para quem não é exatamente adepto da bebida. Rodeada de uma natureza exuberante, a vinícola conta com vários prédios históricos erguidos pelos índios guarani, incluindo a cave aberta por Francisco Juanicó em 1830, perfeitamente conservada. Não à toa, o Estabelecimiento foi nomeado Monumento Histórico Nacional pelo governo uruguaio.

Cave do Estabelecimiento Juanicó. Foto: Sergio Gomez / Ministério do Turismo do Uruguai - Divulgação
Durante a visita, o guia nos conduz pelos vinhedos e depois pelos prédios, passando pela área industrial e em seguida pelas caves, dando uma verdadeira aula sobre as uvas, suas variedades, os processos de vinificação, de envelhecimento e, finalmente, a degustação, onde se identificam todas aquelas notas – “couro, ameixa em estado de geleia, frutas vermelhas, chocolate, café” etc. – inescrutáveis aos pobres mortais.
Na verdade, não é que haja todos esses ingredientes nos vinhos. “Algumas moléculas presentes no vinho são as mesmas presentes nesses elementos citados pelos enófilos, daí a sugestão das notas”, esclarece Pedro, já à mesa do restaurante da vinícola.
O almoço, no amplo salão aquecido por lareira, segue o esquema clássico: entrada, prato principal, sobremesa. A cada passo, um vinho diferente para harmonizar (fora o espumante oferecido nas boas-vindas). O prato principal, claro, não poderia ser outro: parrilla (churrasco).
Só que há pelo menos dois diferenciais na parrilla uruguaia. O primeiro é que o gado (do Estabelecimiento, mesmo) é criado em uma pasto essencialmente plano. Sem subir ou descer encostas (ou seja, sem se exercitar), a carne permanece macia, macia.
O segundo diferencial é o preparo: a parrilla uruguaia é assada a lenha – e não no carvão, como se costuma fazer. Resultado: o melhor churrasco que o humilde repórter já teve o prazer de devorar. Destaque para a molleja, nada mais que o rim do gado, que simplesmente derrete na boca e não se encontra para preparar no Brasil.
Após a sobremesa, vale dar aquela passadinha na loja da vinícola para trazer ao Brasil algumas garrafas de vinho e do azeite de oliva da casa, outra preciosidade, além das lembrancinhas de sempre. Só não faça como o repórter, que perdeu a noção do valor dos seus poucos pesos após algumas taças e saiu ligeiramente endividado da casa... A propósito, sim, eles aceitam cartão de crédito internacional, claro.
O repórter viajou ao Uruguai a convite do Ministério do Turismo do Uruguai
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