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Zanini de Zanine: "O elitismo é uma vulgaridade"

Por Eron Rezende

11/04/2016 - 11:05 h | Atualizada em 12/04/2016 - 13:02
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Em apenas dez anos de carreira, Zanini de Zanine, 37, já conquistou 19 prêmios nacionais e internacionais. No último deles, recebido numa feira de design na Alemanha, ganhou a alcunha de carpinteiro moderno. Uma ideia que o próprio batizado agora espalha, como mostra nesta entrevista à Muito, concedida durante sua passagem por Salvador, para a abertura de uma exposição coletiva, na Galeria Fábio Penal Cal. Carioca de nascimento e de estilo - quase sempre de bermuda, camiseta e boné, como se todo momento fosse uma volta à praia -, Zanine tem no DNA dos móveis que assina a Bahia. "Meu pai me mostrou a importância de pesquisar a cultura nacional, de trabalhar com os melhores materiais, de lutar por uma identidade nossa", diz, referindo-se ao baiano José Zanine Caldas (1919-2001), arquiteto e escultor, outrora alcunhado como mestre da madeira. O apreço de Zanine, o filho, à carpintaria e à cultura brasileira vem, também, do contato com Sérgio Rodrigues (1927-2014), seu patrão nos primeiros anos de trabalho e mestre desde então. Proprietário de um estúdio, criado em 2011, e de um ateliê onde dá forma a madeira, ambos com sede no Rio, o designer de currículo premiado trabalha, agora, na restauração do Cine Palácio, na Cinelândia, que será entregue nas Olimpíadas, e no desenho de novas peças para o Salão do Móvel de Milão, que acontecerá de 12 a 17 de abril. À Muito, Zanini de Zanine fala sobre a identidade do design brasileiro, sustentabilidade e luxo.


Você sempre cita a cultura nacional como referência, ao mesmo tempo em que colabora com marcas estrangeiras. Como a identidade brasileira está traduzida no design que você faz?
Essa identidade vem de diferentes formas, conforme o projeto e o produto. Em algumas peças, está mais explícito e, em outras, não é algo tão perceptível. Geralmente, é uma referência que vem do artesanato, da geografia, da música, dos materiais que só existem no Brasil, como certos tipos de madeira. Tenho a oportunidade de viajar bastante pelo país e isso tem me dado um repertório cultural grande sobre o Brasil. Ao mesmo tempo, tenho viajado, cada vez mais, para o exterior e colaborado com marcas estrangeiras. E isso não me levou a um distanciamento da identidade nacional. Essas viagens acabam interferido na forma como eu renovo a paixão e o interesse pelo que é genuinamente nosso. Quando saio e volto, tenho o impacto renovado.

O que define o design brasileiro?
É uma pergunta-desafio. Nosso território é imenso e abriga uma diversidade de linguagens grande. Para ser rápido, dá para definir o design brasileiro como informal. Há jovens designers que estão buscando outras formas de produzir suas peças sem ter de recorrer às grandes empresas, até porque essas empresas não têm espaço para absorver todos os designers que se formam ano a ano. Essa informalidade está, também, na multiplicidade do nosso design, o que o torna riquíssimo. Nossa identidade está na diversidade. Existe uma capacidade de transformar algo ordinário em extraordinário, fundamentada numa capacidade de improvisação. Se você andar no centro de Salvador, por exemplo, verá o design popular: um design feito por pessoas sem formação, totalmente empírico, que responde a necessidades imediatas. Um exemplo são os carrinhos de café, coloridos, com módulos cambiáveis, uma criação ótima. O brasileiro, quando precisa, é um designer de sua história.

O seu contato com Sérgio Rodrigues (1927-2014) foi responsável por lhe trazer essa visão mais sociológica do design?
Isso vem muito do contato com Sérgio, sim, com quem trabalhei durante pouco mais de um ano e, depois, se tornou um amigo. Mas vem, também, dos meus pais, de ter uma mãe cineasta e um pai arquiteto. Fui bem alimentado com informações sobre o Brasil desde muito cedo. Isso culminou, naturalmente, no despertar do meu interesse pelo que é nosso. O contato com Sérgio me mostrou o que é ser um profissional íntegro. Ele só fazia o que tinha a ver com ele. Com Sérgio, não aprendi a desenhar com a mão, mas com o coração. Ele não se deixava levar por moda ou tendência. Essa foi a grande lição e eu pude entender isso ao vivo. Era um designer com uma noção muito forte do que era a sua identidade e, também, a identidade do país...

Uma das maiores criações de Sérgio, a poltrona Mole (1963), é considerada uma resposta do Brasil ao racionalismo europeu da época...
Sérgio dizia que o móvel não é só a figura, a peça, o material. Ele falava que o móvel é o que tem dentro, o espírito da peça. No caso de Sérgio, esse era um espírito brasileiro. Ele fazia o móvel brasileiro. O fio que conduziu sua atuação foi a busca de um design verdadeiramente brasileiro. Suas criações partiam das nossas raízes culturais, mas ele também não se limitava a elas. Ele construiu uma linguagem muito particular, em que recria o móvel robusto da tradição ibérica, mas dentro de uma construção moderna. A poltrona Mole é um exemplo. Um modelo em jacarandá torneado com percintas em couro, sobre as quais ele dispôs um almofadão de quatro partes conectadas. As principais características da poltrona são a força e o conforto, um convite ao relaxamento e à informalidade.

Seu pai, José Zanine Caldas (1919-2001), foi um dos primeiros arquitetos a falar de sustentabilidade. De forma geral, o design sustentável, no Brasil, é uma realidade ou uma etiqueta nos produtos?
Meu pai nasceu no sul da Bahia (Belmonte) e teve uma infância com poucos recursos. Isso despertou nele essa valorização pela transformação dos materiais. Ele fazia, para mim, brinquedos de papelão. Meu pai tinha uma noção muito apurada de aproveitamento, de não descarte. Nada se perdia em seu ateliê. Vi muitos móveis sendo feitos a partir de descarte de desmatamento, isso num momento em que ninguém estava preocupado com a extinção da madeira. Esse é um processo obrigatório. Aos poucos, os brasileiros começaram a entender que sustentabilidade não é moda, e sim uma questão de sobrevivência. Vários prédios já obrigam a coleta seletiva do lixo; as pessoas estão mais atentas ao reúso, ao reaproveitamento. Isso caminha para não ser mais uma opção, um caminho escolhido pelo design, mas uma exigência do mercado. O cliente já se atenta para saber da origem das coisas. Agora, claro, ainda há muito embuste, como se sustentabilidade fosse apenas uma etiqueta.

E como a sustentabilidade é trabalhada em seu estúdio?
A sustentabilidade tem muitos aspectos. Quando você faz uma peça que dura 300 anos, isso é sustentabilidade. A durabilidade é um ponto que me interessa muito. Adquirir objetos e móveis que você não vai querer jogar fora amanhã; utilizar peças que fazem parte da sua infância, da sua família... isso é sustentabilidade. Aliás, não tem nada mais feio do que uma casa sem história. É preciso recontextualizar os móveis, fugir da pasteurização, buscando referências emotivas. As peças que faço, as madeiras que utilizo, têm essa preocupação.

A possibilidade de esgotamento da madeira, principal matéria-prima para seu trabalho, o aflige?
Eu penso nisso, mas não sofro por isso. A madeira é mesmo a principal matéria-prima para o que faço. Mas trabalho com madeira de demolição, que vem de obras demolidas e reaproveitamento de velhos estoques. Não sei se daqui a 15 anos continuarei trabalhando com madeira. Provavelmente, serei a obrigado a pegar outro caminho. O Brasil tem a maior floresta tropical do mundo e tinha coisas excepcionais entre as qualidades do que chamamos de exigências da madeira. Mas o espírito ecológico não existia há 20, 30 anos. Encomendava-se jacarandá como se telefonava para uma quitanda. No estúdio, hoje, temos um estoque, porque sabemos que é um recurso finito. Os seis carpinteiros que colaboram comigo têm um cuidado com o material, não desperdiçamos nada. Fazemos uma carpintaria moderna.

E o que é essa carpintaria moderna?
Uma combinação de tecnologia e desenvolvimento manual. É, também, uma forma de olhar o próprio móvel. É o mobiliário antigo, velho, que voltamos a olhar, mas de outra forma. E o novo, que vem de processos extremamente tecnológicos no método de molde, modelagem, de fabricação. O mobiliário entra nessa questão de não ser fechado. Para que serve uma mesa? Para sentar? Para trabalhar, para comer, almoçar, para colocar quadros. Logo, se ela for multifuncional, não vai ser mais proveitoso? Então porque ele tem que ter um desenho habitual?

Hoje se fala muito do slow design, da produção feita à mão. Como garantir a acessibilidade desses produtos que se distanciam da produção industrial?
A pesquisa de materiais, a logística de um processo manual encarece o produto. Mas o caminho é uma associação entre os processos manuais e industriais. A confecção de peças que tenham ligação com artesanato, mas que consigam ser distribuídas em um processo industrial, que baixe os preços. O caminho é uma associação entre grandes empresas e marcas com o produtor pequeno e local. Um caminho que consiga tirar o produto do âmbito do luxo, feito para poucos. No Brasil, toda escola de design é focada em design industrial e, por outro lado, ao luxo.

Na sua opinião, é um equívoco associar o design ao luxo?
O equívoco é ter apenas o luxo como meta. É triste que tanto talento, dinheiro e energia sejam destinados a uma ou duas pessoas que possam pagar. O elitismo não é moderno nem sofisticado. Está longe disso. O elitismo é uma vulgaridade.

Objetos que extrapolam a função têm se tornado mais comuns. Podemos dizer que o design, como algo estritamente funcional, ficou para trás?
Podemos dizer que essa seja uma tendência. Mas tem uma pergunta que eu sempre faço que é: o que é mais importante, forma ou função? Nem uma coisa, nem outra. As duas são importantes. E se a função for comover, já é uma função..

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