OPINIÃO
A sina de uma gaiola
Por Eleonora Ramos | Jornalista
Que eu saiba, só na Índia vigora uma lei proibindo o encarceramento de pássaros. Um juiz que tem aplicado essa lei, promulgada há dois anos, disse, em sentença, que aprisionar pássaros para o próprio deleite, além de crime, é um ato cruel, pois pássaros foram feitos para voar. Óbvio. Se, para o homem, que apenas anda sobre as pernas, o confinamento é o castigo por excelência, supostamente o mais eficiente, imagine para quem se move voando e mal consegue dar alguns passos em terra firme. Imagine passar toda a vida pulando de uma grade pra outra num quadrado de, no máximo, 50 centímetros de altura, se alimentando de comidinhas escolhidas pelo seu carcereiro.
A sina de uma gaiola, como cantou Luiz Gonzaga, tem, em alguns casos, requinte de torturas dignas do coronel Ulstra. Como cobri-las com uma capa de pano, sabe-se lá pra que, ou pendurá-las em árvores, de onde o prisioneiro assiste aos outros voando livres, em volta de sua jaula, emitindo seus cantos de chamamento, de vida. Tem também os viveiros, morada coletiva, onde espécies diferentes, reunidas aleatoriamente, são obrigados a compartilhar o espaço e a alimentação, embora com necessidades e hábitos diversos e incompatíveis.
É visível que, quando o desemprego está em alta, como agora, aumenta o número de caçadores e a circulação de alçapões e gaiolas. Raramente estão buscando o próprio deleite, como disse o juiz indiano, mas participam de um animado mercado, em menor ou maior escala, que transforma bichinhos vivos, condenados à prisão perpétua, em coisas, meras peças decorativas.
A tortura extrema é pungentemente cantada na eterna Assum preto, de Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira. Furar os olhos do assum-preto para ele assim cantar melhor era uma prática no sertão, que, esperamos, não subsista em pleno século XXI. Pássaros engaiolados cantam muito, é o que lhes resta. Cantam de angústia, cantam pedindo socorro.
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