OPINIÃO
Amanhã há de ser outro dia
Por Marcio Luis Ferreira Nascimento* | Foto: Reprodução

A letra de uma das mais belas canções da música popular brasileira começa afirmando que “amanhã há de ser outro dia”, antes do roncar da cuíca, como um galo a saudar o amanhecer. Este belíssimo samba-canção, “Apesar de Você”, foi gravado em 1970 pelo genial cantor, ator, escritor e compositor brasileiro Francisco Buarque de Hollanda (n. 1944). Apesar do enorme sucesso, tal obra somente foi lançada em álbum oito anos depois, vivendo sob a penumbra de um regime autoritário, mas sem perder a ternura e mantendo a esperança num novo amanhã.
Sim, o Sol brilha para todos. Mas como saber se o astro-rei voltará a nascer novamente? Uma boa reposta pode ser dada com base na matemática.
O Sol tem agido assim todos os dias até hoje, mas nada garante que continuará a fazê-lo. Curiosamente, há um teorema que ajuda a responder esta questão. Ou se preferir, uma lei da matemática deixada numa carta póstuma, escrita por um reverendo presbiteriano que provocou uma revolução na ciência. O pouco que se sabe de seu autor, Thomas Bayes (1701 - 1761), encontra-se em seu artigo, de título: ‘Um Ensaio Buscando Resolver um Problema na Doutrina das Probabilidades’ (“An Essay Towards Solving a Problem in the Doctrine of Chances”), na Phil. Trans. R. Soc. London 53 (1753) 370 -418. Grosso modo, este teorema estabelece uma relação entre causa e efeito – a probabilidade de uma causa (dado um evento) é proporcional a probabilidade de um evento (dada esta causa) – bem como das probabilidades da causa e evento, ambas em separado. Dito de outra forma, pode-se dizer que a probabilidade de uma evidência (o Sol nasceu hoje), dada uma hipótese (a confirmação de que nascerá amanhã), depende da probabilidade da hipótese, dada a evidência, bem como das probabilidades de evidência e hipótese, ambas em separado.
Tempos depois, e de modo independente, um dos maiores matemáticos de todos os tempos, Pierre-Simon Laplace, mais conhecido como Marquês de Laplace (1749 - 1827), que também foi astrônomo, físico, estatístico e político, redescobriu e ampliou este célebre teorema. A análise de Laplace tinha duas partes. A primeira é o que agora se chama de princípio da indiferença, ou princípio de razão insuficiente, que pode ser ilustrado do seguinte modo: ao acordamos um dia – digamos, no começo de tudo, como supor o nascimento do Sol no dia seguinte? A questão sobre este primeiro despertar correspondeu, para Laplace, ao início da humanidade com o alvorecer do homo sapiens, cerca de trezentos mil anos atrás. Foram estes primeiros seres humanos que, após uma bela tarde, testemunharam o Sol se pôr.
Será que ele retornaria no dia seguinte? Como nunca tinham visto o Sol nascer, não havia uma razão em particular para acreditar que isso ocorreria novamente. Logo, poder-se-ia considerar que dois cenários teriam iguais probabilidades de ocorrer, com a probabilidade de o Sol nascer de novo ser de 50%. Porém, o raciocínio de Laplace foi além: se o passado pode servir de guia para o futuro, a cada dia que o Sol nascer deve-se aumentar a certeza de que o Sol continuará a fazê-lo. Após trezentos mil anos, a probabilidade de que o Sol nasça mais uma vez no dia seguinte deve estar muito próxima de um, mas não exatamente com 100% de precisão, já que não se pode ter certeza absoluta. A partir deste curioso raciocínio, totalmente bayesiano, Laplace derivou a chamada regra de sucessão, que estima a probabilidade de o Sol nascer de novo, após ter nascido n vezes, como (n + 1) / (n + 2). Quando n é igual a zero, o valor resultante de p representa apenas 1/2; quando n = 10, p = 11/12, e vale aproximadamente 0,9; quando n = 100, p = 101/102, que é aproximadamente 0,99. E quando n = 1.000, p = 1.001/1.002, valendo aproximadamente 0,999.
Logo, a medida que n aumenta, o mesmo ocorre com a probabilidade, se aproximando de 1 quando n chega perto do infinito. Por exemplo, se considerarmos trezentos mil anos, transformar tudo isso em dias é fácil: basta multiplicar trezentos mil por 365 e efetuar a seguinte conta: se n = 109.500.000, p = 109.500.001/109.500.002, que resulta em aproximadamente 0,99999999.
Mais uma vez, pode-se perguntar: quem realmente sabe o dia de amanhã? Os matemáticos afirmam que sim, o dia irá raiar, renascer, o céu clarear novamente. Se fácil, belo, duro ou difícil, somente os românticos, os inconformistas e os corajosos saberão. Mas como bem disse o poeta no início de sua bela canção, apenas pode-se ter certeza de que amanhã vai ser outro dia.
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