OPINIÃO
Forças na Ponta do Lápis
Por Marcio Luis Ferreira Nascimento*

É incrível como poucas vezes notamos a ação das forças ao nosso redor. Até mesmo no simples ato de escrever, ou mesmo de desenhar, as forças estão presentes.
De fato, não seria possível escrever se não houvessem as forças de atrito. O grafite, que é um mineral feito praticamente de carbono, deposita-se em camadas à medida que deslocamos a ponta de um lápis numa folha de papel. No entanto, para riscar, desenhar, ou mesmo escrever, é necessário aplicar uma força, esta exercida pelas mãos.
Foi o genial físico, matemático e filósofo inglês Isaac Newton (1643 - 1727) quem deixou claro pela primeira vez as três regras fundamentais da natureza envolvendo forças. Em sua obra magistral, Philosophiae Naturalis Principia Mathematica (“Princípios Matemáticos da Filosofia Natural”, de 1687), um dos mais importantes livros de ciências já publicado, estabeleceu as seguintes leis:
i) “Corpus omne perseverare in statu suo quiescendi vel movendi uniformiter in directum, nisi quatenus a viribus impressis cogitur statum illum mutare” (Todo corpo continua em seu estado de repouso ou de movimento uniforme em uma linha reta, a menos que seja forçado a mudar aquele estado por forças imprimidas sobre ele). ii) “Mutationem motis proportionalem esse vi motrici impressae, et fieri secundum lineam rectam qua vis illa imprimitur” (A mudança de movimento é proporcional à força motora imprimida, e é produzida na direção da linha reta na qual aquela força é imprimida). iii) “Actioni contrariam semper et aequalem esse reactionem: sine corporum duorum actiones in se mutuo semper esse aequales et in partes contrarias dirigi” (A toda ação há sempre oposta uma reação igual, ou, as ações mútuas de dois corpos um sobre o outro são sempre iguais e dirigidas a partes opostas).
A primeira lei estabelece que um lápis estará em repouso ou em movimento retilíneo uniforme na ausência de forças. A segunda afirma que a mudança de movimento do lápis se deve à ação de forças, e ocorre na direção de aplicação da mesma (ou seja, em direção ao papel durante a escrita para se formar um ponto, por exemplo – já uma composição de forças paralelas e perpendiculares permite escrever deslocando-se a mão rente ao papel). Já a terceira esclarece que a ação da força sobre o papel corresponde à uma reação do papel no lápis. Estas leis explicam situações muito rotineiras que eventualmente às vezes aborrecem quem se utiliza de um lápis com ponta muito fina, ou mesmo o grafite de uma lapiseira que quebra facilmente.
Analisando em maior detalhe o que acontece na ponta do lápis, é, portanto, possível compreender melhor uma das regras mais simples e universais: a natureza das forças!
Se a ponta de um lápis é forçada contra uma superfície, ela sofre igual reação dessa mesma superfície, de acordo com a terceira lei newtoniana. Se esta força for maior que a resistência do material, o grafite do lápis tenderá a romper. Um modo bastante rudimentar de perceber o que ocorre é notar a força que atua na ponta do grafite de uma lapiseira. Pelo fato do grafite ser bem fino e cilíndrico, a compreensão do que ocorre nele é particularmente mais simples.
Considere uma situação em que a lapiseira encontra-se pressionada, de forma inclinada, sobre um papel, ao escrever. A força de reação do papel na ponta da lapiseira pode ser decomposta em duas componentes, sendo uma paralela e outra perpendicular à direção do grafite. Esta decomposição de forças significa simplesmente que a ação conjunta de ambas equivale a atuação de uma única força resultante, situação esta prevista por Newton em seu famoso livro. De fato, a componente da força ao longo do eixo tende a empurrar o grafite para dentro da lapiseira. A outra, perpendicular ao eixo do grafite, tende a curvá-lo. Se esta componente da força for superior à resistência do grafite, o mesmo tenderá a quebrar.
É claro também que se o grafite apresentar algum defeito como trinca, fissura, fratura, entalho ou algo semelhante, este tenderá a romper a partir deste defeito. Os grafites hoje geralmente são compostos de carbono e polímero, e são bastante finos. Antes eram feitos de pó de carbono e argilas misturadas, resultando em grafites um pouco mais grossos [esta foi exatamente a inovação proposta pelo militar, balonista, pintor, cientista e inventor francês Nicolas-Jacques Conté (1755 - 1805), que depositou a patente francesa número 32 em 3 de janeiro de 1795 (Brevet no. 1 BA 12531)]. Estas adições ao carbono promovem um aumento da flexibilidade, tornando o material resultante relativamente resistente às forças perpendiculares.
Portanto, foi a partir do estudo de tais forças, escritas em papel e lápis, que Newton estabeleceu os fundamentos da ciência moderna. E como todo grande cientista, ele sabia que são sempre as mãos que guiam o traçado de qualquer lápis, deixando indeléveis as marcas do conhecimento verdadeiro.
*Professor da Escola Politécnica, Departamento de Engenharia Química e do Instituto de Humanidades, Artes e Ciências da UFBA
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