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OPINIÃO

Meia-sola

Por Aramis Ribeiro Costa*

20/08/2013 - 18:17 h

De repente, não mais que de repente, o governo decidiu solucionar graves e antigos problemas nacionais. Mas, em lugar de atacar essas questões em suas origens, passou aos remendos. Como um velho sapateiro que põe uma meia-sola num sapato velho, para que ele ande um pouco mais.

Assim, em lugar de remunerar melhor os professores, tornando não apenas mais digna, mas também mais atrativa a profissão, em lugar de dar a esses professores autoridade e condições de trabalho, em lugar de ajustar o currículo e exigir o aprendizado, estabelece simplesmente um absurdo sistema de cotas para a universidade, no qual estudantes despreparados competem, em situação privilegiada, com outros mais qualificados. Ou seja: em lugar de elevar o ensino médio público ao patamar da competição, deixa-o como está, e o privilegia nessa competição.

O mesmo na saúde. Em lugar de construir hospitais de pequeno ou médio porte, mas bem estruturados, em pontos estratégicos do vasto e desassistido interior brasileiro, em lugar de criar condições para que equipes de profissionais de saúde, e não apenas médicos, possam trabalhar com um mínimo de segurança e competência, simplesmente toma a medida de importar médicos estrangeiros que sequer têm condições de enfrentar um exame de "revalida" do Conselho de Medicina. Profissionais que, além do despreparo, além do enfrentamento de condições as mais adversas, ainda falam outra língua.

Como se não bastasse, determina que médicos recém-formados, que na verdade ainda não estão "formados" profissionalmente, mas apenas "informados", atrasem a sua formação especializada para atenderem, por dois anos e de forma completamente despreparada, os pobres doentes do SUS, num total desrespeito a esses doentes. Ou seja: em lugar de levar a saúde à população desassistida, oferece a ela uma emenda que pode sair pior, bem pior que o soneto. Mesmo porque a emenda pode dar a impressão de que o problema da saúde nesses locais foi solucionado, quando não foi nem de longe.

Não se trata, de maneira nenhuma, de corporativismo, nem de xenofobismo. Se esses médicos estrangeiros comprovassem a sua competência, se se submetessem ao mesmo rigor e à mesma fiscalização dos médicos brasileiros, e para cá viessem preencher lacunas que atualmente os médicos nacionais não podem preencher, seriam bem-vindos. Aliás, temos uma tradição de hospitalidade, na qual sempre temos a exagerada tendência de supervalorizar o profissional e o produto estrangeiros.

Mas, na medida em que esses médicos, longe de preencher essas lacunas, apenas vão contribuir para mais uma "enganação" ao povo brasileiro, uma "enganação" tão grave e tão preocupante quanto o sistema de "cotas" para a universidade, os médicos brasileiros não podem ficar calados, não podem ficar caladas principalmente as instituições responsáveis pela saúde no País. Daí, os indignados pronunciamentos dos diversos presidentes das instituições e entidades médicas, bem como as manifestações públicas da classe, de repúdio às medidas anunciadas.

Não se faz medicina apenas com médico, menos ainda com médicos incompetentes, e sobre isso os representantes da classe têm feito, em todos os meios de comunicação, exposições precisas e convincentes até para os leigos, os que ainda pensam no médico como um semideus que chega com a sua pastinha e seu estetoscópio e resolve tudo. A medicina evoluiu, mas também passou a necessitar de novos recursos para ser eficaz.

O que se está tentando fazer com a saúde do País é colocar uma meia-sola num sapato velho, apenas para que o sapato ande um pouco mais, e não atrapalhe muito a caminhada neste tumultuado momento, principalmente se essa caminhada vai rumo a importantes eleições. Mas, atenção, senhores sapateiros! O povo está mais esclarecido. Vê televisão, usa internet e lê jornais. Aprendeu a ir às ruas e gritar o que quer. E é possível que, com essa insistência em enganá-lo, não queira uma meia-sola, nem mesmo uma sola nova e bonita no sapato velho, mas um sapato novo.

* Médico, presidente da Academia de Letras da Bahia

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