'O bom bocado não é para quem o faz...'

"É para quem o come". O ditado é da época dos nossos (bis)avós inseridos numa cultura escravocrata em que o "bom bocado" não era certamente comido por quem o preparava na cozinha, hoje "espaço gourmet". Ele inspirou o artigo.

Não me refiro politicamente ao "bom bocado" preparado por Lula e abocanhado por Temer. Não, nem o PT gestou sozinho inegáveis benesses sociais que os mais pobres usufruem hoje, nem o PMDB vai "comê-lo" na sua "ponte para o futuro", sobretudo porque esse futuro está cada vez mais incerto, confuso e tão corrupto quanto antes. Quero falar de outro tipo de "bom bocado", aquele da autoria, da criatividade, da descoberta e dotação de sentido, cozido por uns e comido por outros.

Quero falar do roubo de ideias, no âmbito da universidade ou nas esferas de governo, das frases inteligentes cunhadas por alguém e citadas por outrem, dos assuntos interessantes "descobertos" por uns e transformados por outros em propriedade sua (lá deles) a partir da repetição exaustiva, da divulgação desonesta ou da absoluta omissão sobre quem primeiro pensou. Tudo está cheio desse tipo de apropriação indébita; a ideia é subjetiva, não se corre risco em roubá-la.

Também sou vítima: defendo algumas concepções ou "bandeiras" do ponto de vista urbanístico, como os vários artigos sobre a excelência do uso de bicicletas para nossa cidade, que venho publicando regularmente neste jornal há sete anos, refletindo projeto original da estadual Conder: pois não foi implantado pela municipalidade sem qualquer menção à sua origem ou autoria? Recentemente divulgou-se a ideia de dinamização urbana em torno das 22 estações do metrô "sugerida" por um vereador. Muita coincidência... ou má fé: em artigo, "Viva a sua fantasia no Carnaval da Bahia..." (A TARDE, 7.02.16), "cozinhei" essa ideia, que já apresentei a alguns executivos dos setores público e privado, como contribuição ao programa metroviário. Pode ter vazado... Agora, quem comerá esse "bom bocado"?