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24/07/2023 às 6:00 - há XX semanas | Autor: Eugênio Afonso

POLÍTICA

“É bonito ver a transformação da alienação em consciência política"

Deputada estadual pelo PCdoB, Olívia Santana fala sobre lançamento de livro "Mulher Preta na Política"

Imagem ilustrativa da imagem “É bonito ver a transformação da alienação em consciência política"
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Filha de uma trabalhadora doméstica e de um marceneiro, Olívia Santana, 56, é uma mulher preta que milita desde o tempo do movimento estudantil. Assim que enveredou pela seara política, foi vereadora, secretária municipal de Educação e Cultura de Salvador, atuou também nas secretarias estaduais de Política para Mulheres, e de Trabalho, Emprego, Renda e Esporte. Atualmente, é deputada estadual (segundo mandato) pelo PCdoB/Ba, eleita com mais de 92 mil votos.

Primeira deputada preta eleita na Assembleia Legislativa da Bahia, Olívia é formada em pedagogia pela Ufba. No campo político, foca seu trabalho na construção de um projeto de transformação social, sempre em parceria com as diversificadas identidades humanas. Para Olívia, é na diversidade que nasce a criatividade.

Inquieta e ousada, decidiu agora apostar no universo literário. A deputada lança, dentro do projeto Casa Mulher com a Palavra, Mulher Preta na Política, pela editora Malê, amanhã, no Institut Goethe (Icba/Vitória), às 18h30. Não por acaso, na mesma data em que é celebrado o Dia Internacional da Mulher Negra Latino-Americana e Caribenha.

De acordo com a autora, este primeiro livro é um manifesto de suas ‘escrevivências’ – termo cunhado pela escritora mineira Conceição Evaristo –, um documento histórico e um gesto de convocação para que mais mulheres negras ocupem o espaço da política partidária. Forjada no poder da oralidade, Olívia conta como seu tino de contestadora atravessou sua vida e a levou a fóruns de deliberação e empoderamento.

A deputada compartilha mais de 35 anos de trajetória nas lutas sociais, fala dos desafios impostos pelo racismo e o sexismo, e de transformações possíveis somente através da luta política, mas nem todos os relatos apontam para vitórias e alegrias. E já na introdução do livro, ela avisa: “imaginem o que faz uma universidade na cabeça de uma faxineira, favelada e inquieta”.

Para falar sobre Mulher Preta na Política e outras questões que permeiam sua vida de parlamentar – como deputada que tem se destacado no meio político baiano – Olívia conversou, via e-mail, com o Caderno 2+. Confira.

Parabéns pelo livro. Qual o objetivo dele? Fale um pouco sobre o que o leitor vai encontrar.

Obrigada! Eu sempre quis escrever um livro e, por incrível que pareça, foi na pandemia que tomei a decisão. Quis dividir a minha experiência na política, tentar influenciar, encorajar outras mulheres negras, principalmente as pretas, que são as mais excluídas, a acreditar que nós podemos entrar na política. Nele, eu falo dos desafios impostos pelo racismo e o sexismo, mas também falo de transformações que só são possíveis através da luta política.

De alguns anos para cá, a mulher preta tem tomado as rédeas de sua história e tem produzido bastante material sobre esse longo caminho de invisibilidade. Dá a sensação de que quase tudo já foi dito. É isso mesmo? O que você traz de novo?

Sim, mas parecer não é ser. O feminismo negro tem ampliado os horizontes das mulheres pretas e tem provocado o aumento da nossa presença nas universidades, na comunicação e no audiovisual, nas carreiras jurídicas, mas ainda somos minoria no topo da pirâmide socioeconômica. E o meu livro fala sobre representação política, sobre processos eleitorais. Muito ainda precisa ser dito sobre este assunto. É urgente ampliar a participação das mulheres pretas nos partidos políticos e conquistar mecanismos reais para superarmos a sub-representação no parlamento e no Executivo. E não é qualquer partido que representa nossas pautas. A gente acabou de viver uma das mais terríveis experiências da República, protagonizada por um governo de extrema direita. Temos que tirar lições disso.

Você centra o foco mesmo na política, ou o livro embaralha vida pessoal e profissional propositadamente?

O livro é sobre minha história de vida, da favela à Assembleia Legislativa. Minha mãe foi trabalhadora doméstica dos deputados Nelson Davi Ribeiro e de Ney Ferreira, e agora tem uma filha deputada, algo que ela jamais imaginou. Mas não é só sobre mim. É também sobre Antonieta de Barros, Lélia Gonzalez, que tentou e perdeu duas eleições, e é um dos grandes nomes do feminismo negro brasileiro; é sobre Marielle Franco, que teve sua trajetória interrompida pela violência; e sobre as mulheres trans que, cada dia mais, ocupam a cena política.

O que falta para as mulheres, sobretudo as pretas, abraçarem a política como você fez?

A política é muito dura. Há barreiras seculares que foram erguidas para nos manter afastadas. Mas se houver investimento em diálogos sociais, que convidem essas mulheres, que mostrem que a representação política não é um bicho de sete cabeças, podemos mudar essa situação. É preciso reeducar o imaginário coletivo, quebrar as imagens de controle, libertando os corpos e mentes das mulheres pretas desse nefasto ideário de subalternidade, que faz com que, na política, as pretas sejam vistas como demandantes das políticas públicas, eleitoras, mas não sejam vistas como quem pode e deve receber votos e representar a sociedade.

Você sofreu resistência em casa quando decidiu militar politicamente?

Sim. No começo foi bem difícil. No ano 2000 fui, pela primeira vez, candidata a vereadora. Quando eu dei a notícia na casa do meu irmão, ele deu uma gargalhada e disse que eu não teria a menor chance. Fiquei triste e chocada quando vi minhas sobrinhas fazendo campanha para um candidato da direita, por terem recebido dinheiro. Mas depois que a campanha foi crescendo, as pessoas foram acreditando que eu poderia chegar. É bonito ver a transformação da alienação em consciência política.

Tem dificuldades de lidar com os espaços de poder majoritariamente brancos e masculinos?

Sempre terei. Só ficarei verdadeiramente à vontade quando vir mais pessoas pretas e mulheres nesses espaços.

Qual a relação do candomblé em sua trajetória política?

Convivo com os terreiros desde a infância. Embora minha família seja espírita, a convivência com o candomblé sempre foi de respeito e integração. No livro, eu falo, por exemplo, do papel que Mãe Feliciana, uma ialorixá muito altiva, teve no bairro Alto do Canjira. Ela era uma grande matriarca, que todo mundo respeitava, e teve forte influência na minha formação. E todos os mandatos que exerço integram a luta contra o racismo religioso.

Já sofreu discriminação no âmbito político, sobretudo por ser uma mulher preta? Pode citar um exemplo?

Já sofri e continuo sofrendo. Há situações em que o racismo é velado. Coisas que acontecem na sutileza e só quem passa sabe. Eu conto alguns casos no livro. Mas tem o caso explícito das mulheres que me atacaram, mandando eu voltar pra favela, quando eu estive no Rally do Batom, no Hotel Catussaba, em 2017. Eu as processei. Também quando fui convidada para ser secretária de Educação de Salvador, um colega vereador veio me dar um ‘conselho’, dizendo que eu não deveria aceitar porque era uma secretaria grande demais pra mim, que eu deveria ir para a Reparação. Ele subestimou minha capacidade, aparentemente, com a melhor das intenções.

Qual o grande orgulho na sua trajetória política?

Ter uma causa para lutar. A consciência antirracista, feminista e socialista é um caminho sem volta. Sonho com uma sociedade bonita, diversa, que ninguém passe fome, que ninguém seja oprimido para que o outro possa brilhar.

Como uma terra com mais de 80% da população negra segue com poucos representantes pretos nos cargos de comando? Até quando os brancos estarão no poder na Bahia?

Isso só se sustenta enquanto a maioria negra não se der conta da força que tem pra subverter esse jogo perverso e alterar a vergonhosa geografia política da sub-representação. É por isso que não podemos nos silenciar. É por isso que temos que mover um processo amplo de conscientização da sociedade baiana. Mesmo pessoas brancas, que não concordam com essa situação, devem agir ao nosso lado. O protagonismo da luta é das pessoas negras, mas o envolvimento na desconstrução do edifício do racismo tem que ser de todo mundo.

Te encontro sempre nos eventos culturais de Salvador. Qual sua relação com a cultura local? O que tem feito por ela como deputada estadual?

Tenho um trabalho voltado para a cultura desde sempre. Mesmo antes de exercer cargos públicos. Sou autora da Lei Mestre Moa do Catendê, em parceria com o Conselho da Salvaguarda da Capoeira, sou autora do Dia de Combate à Intolerância Religiosa, ajudei na instalação do busto de Mãe Gilda, em Itapuã, criei a Medalha Zumbi dos Palmares, sou autora da Lei Municipal do Livro e da Leitura, de Salvador. Também me orgulho do projeto Mulher com a Palavra, que foi criado pela minha gestão na Secretaria de Política para as Mulheres.

Faz diferença ser homem ou mulher em cargo político? As mulheres gerem seus mandatos de forma especial?

Faz, sim. As mulheres são muito mais assíduas nas reuniões das comissões da Assembleia, valorizam mais pautas relacionadas ao enfrentamento às desigualdades sociais e às desigualdades de gênero, à educação, creche, até porque isso tem relação com a nossa própria posição na engrenagem, que nos faz ter uma atenção maior para as áreas relacionadas a cuidar de gente. Mas elas também podem e devem ser estimuladas a legislar sobre ciência e tecnologia, dar pareceres em matéria econômica e financeira ou qualquer outra área.

E os próximos passos? Governadora da Bahia?

(Risos) ...Não, porque Jerônimo acabou de ser eleito. Eu poderia começar governando Salvador. Sinto-me pronta para essa tarefa. Seria uma grande virada!

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