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POLÍTICA

“Houve uma tentativa de ruptura institucional”, diz Ayres Britto

Por Osvaldo Lyra

13/09/2021 - 6:00 h
Ex-presidente do STF afirma que a Corte tem sempre a última palavra | Foto: Carlos Moura | SCO
Ex-presidente do STF afirma que a Corte tem sempre a última palavra | Foto: Carlos Moura | SCO -

No momento em que a atuação do Supremo Tribunal Federal (STF) é colocada em cheque pelo presidente Jair Bolsonaro, o ex-presidente da Corte, ministro Ayres Britto, diz que “houve uma tentativa de ruptura institucional” nos atos e discursos inflamados no dia 7 de setembro. Para o ministro, “o Supremo tem sempre a última palavra na nossa democracia“, assim como, nos outros estados democráticos, quem da a última palavra é a corte constitucional de Justiça. “Precisamos estar atentos e vigilantes em prol da nossa democracia, por ser ela, o princípio dos princípios da nossa constituição. O princípio continente de que tudo mais é conteúdo”. Ao falar sobre a atuação prevista na constituição para a Marinha, o Exército e a Aeronáutica, Ayres Britto finaliza, afirmando que “os governantes passam, as Forças Armadas ficam”, confira:

Como o senhor viu os protestos do último dia 7 de setembro? O senhor acredita que houve uma tentativa de ruptura institucional protagonizada pelo presidente Bolsonaro?

Eu vi o dia 7 de setembro, confesso, com tristeza. Primeiro porque não vi uma celebração propriamente dita da nossa independência política em face de Portugal e hoje em face de qualquer outro estado soberano. Não vi a exaltação do nosso sentimento de brasilidade, da nossa presença no cenário internacional como estado soberano, como uma democracia exemplar a partir de uma Constituição também exemplar. Não vi, num primeiro momento, nada que significasse exaltação propriamente dita dessa data maior da nossa independência política. Pela primeira vez na história da minha vida eu vi um 7 de setembro com a presença apenas de um dos três poderes da República. Os outros dois poderes da União não estavam presentes nas solenidades. Até porque não houve solenidade propriamente dita, houve mais um comício do que uma solenidade. Esses dois poderes que se fizeram ausentes foram o Legislativo e o Judiciário. Por um certo aspecto, eu vejo positivamente essa ausência, porque significou que os outros dois poderes, o Legislativo e o Judiciário, não estavam dispostos a participar de um comício cuja tônica eram palavras de ordem contra o Congresso Nacional e contra o Supremo Tribunal Federal, essas duas instituições democráticas por definição.

O senhor acredita que houve uma tentativa de ruptura institucional?

Quando a Constituição fala no artigo 85 de crimes de responsabilidade dos atos do Presidente da República, inclui o atentado ao livre funcionamento dos poderes constitucionais da República. E a lei 1.079 de 1950 que trata dos crimes de responsabilidade e dos respectivos processos de julgamento, ela estabelece no seu artigo 2º que o crime de responsabilidade se configura mesmo no plano da tentativa. Diz assim: os crimes de responsabilidade, ainda que simplesmente tentados, serão punidos com a pena de perda do cargo e inabilitação para a função pública por um determinado tempo. Então nesse plano de tentativa, me parece que açular, instigar, incitar a população ou um público numeroso contra o livre funcionamento do Legislativo e do Judiciário com certeza traduz um atentado à Constituição pelo seu artigo 85, inciso de número 2. Penso que foi, portanto. Digo contristadamente, porém penso que sim, que houve uma tentativa de ruptura institucional.

O senhor acredita que o presidente tenha comedido crime de responsabilidade? Que tipo de sanções podem ser aplicadas a ele?

Não, eu respondo assim. Com aquela sua atitude de participar ativamente de uma conduta de incitação à descumprimento de leis, por exemplo, sobre as leis... (pausa) Eu respondo que ele, pelo modo como protagonizou os discursos e os atos do dia 7 de setembro, ele se expôs sim à denúncia por crime de responsabilidade. Cuja consequência, cuja pena é o afastamento do cargo de presidente com inabilitação por 8 anos para o exercício de qualquer função pública.

Como o senhor viu as reações das autoridades diante das atitudes do presidente Bolsonaro? Sobretudo o presidente da Câmara, do Senado, do próprio Supremo e o Procurador Geral da República, Augusto Aras?

Bem. No que toca à reação do presidente do Supremo e do presidente do Senado, entendo que as reações dos dois foram mais consentâneas com a função que constitucionalmente incumbe a cada uma dessas autoridades. Agora, quanto ao pronunciamento do presidente da Câmara dos Deputados, entendo que a declaração dele poderia ser mais incisiva, mais firme, mais clara de reação. Mesma crítica que estendo ao procurador-geral da República. Seja como for, as quatro autoridades agiram de modo a homenagear o princípio maior da Constituição brasileira, que é a democracia. E a democracia que tem entre os seus conteúdos mais eminentes o livre funcionamento do poder Legislativo e do poder Judiciário.

Como o senhor viu o recuo do presidente Bolsonaro após o encontro com o ex-presidente Michel Temer? Isso ameniza o estado de tensão que estávamos vivendo, ministro?

Num primeiro momento, eu vi com bons olhos. É sempre tempo de reconsiderar um comportamento equivocado constitucionalmente. Até porque o presidente da República, no seu ato de posse perante o Congresso Nacional, assumiu o compromisso de, antes de tudo, manter, defender e cumprir a Constituição. Porém manter, defender e cumprir a Constituição, na ordem lógica e cronológica em que essa Constituição dispõe sobre o funcionamento dos três poderes da República. O primeiro poder a funcionar no plano oficial é o Legislativo. Ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei, diz a Constituição pelo seu inciso 2º do artigo 5º. E pelo artigo 37, cabeça, a Constituição fala que o primeiro principio regente das atividades da administração pública é o da legalidade. Em segundo lugar, quem protagoniza as ações estatais oficialmente é o poder Executivo. Que é chamado de Executivo por gravitar na órbita da execução da lei. Daí porque ele expede decretos e regulamentos para fiel execução de quê? Da lei. Veta, sanciona, projetos de lei. Expede medidas provisórias com força de lei. Portanto o poder Executivo se define por funcionar na órbita da lei. Agora, em terceiro lugar, (conforme enuncia o artigo 2 da Constituição), vem um poder que é tão posterior quanto exterior aos outros dois: o Judiciário. Que existe, no que toca ao relacionamento entre os três poderes, para dizer se o poder Legislativo legislou de acordo com a Constituição e se o Executivo executou as coisas de acordo com as leis, em primeiro lugar, imediatamente, e com a Constituição, mediatamente. Esse terceiro poder, portanto, tão lógico quanto cronológico, é o poder Judiciário, afunilando, como todos sabem, para o Supremo Tribunal Federal. Então eu vi com bons olhos, num primeiro momento, essa disposição, essa retratação do Presidente da República. Resta saber se o presidente falou convictamente de que deve jogar nas quatro linhas de uma Constituição, que faz do poder judiciário o árbitro do jogo.

O senhor é sempre enfático ao afirmar que não há saída para a crise instalada no país que não seja pela Constituição. O Supremo tem sempre a última palavra na nossa democracia, ministro?

Tem. O Supremo tem sempre a última palavra na nossa democracia. É por isso que ele é chamado de Supremo Tribunal Federal. Veja bem, há no Brasil, pela Constituição, quatro tribunais superiores, a partir do STJ. Há cinco tribunais regionais federais. Há 27 tribunais de justiça. Há 27 tribunais regionais do trabalho. Há 27 tribunais regionais eleitorais. Porém um só, um único Supremo Tribunal Federal. Ele é a chave de abóbada do sistema jurídico brasileiro. Chave de abóbada é aquela pedra que numa arquitetura em arco se coloca no ponto mais alto e central dessa arquitetura. E uma vez colocada essa última pedra, ela deixa todas as outras nos respectivos lugares. Quando se atenta contra o Supremo, a ponto de haver uma ameaça de arrancá-lo da arquitetura jurídica todo edifício do direito rui, se esboroa, se desmilingue. Em suma, é varrido do mapa e tudo mais é barbárie. A última palavra é sempre do Supremo Tribunal Federal.

As nossas instituições estão amadurecidas a ponto de evitar retrocessos e ameaças à nossa jovem democracia?

Entendo que as nossas instituições já amadureceram o suficiente para bem cumprir as suas funções. E que elas sabem, porque bem está na Constituição assim, que vida civilizada culturalmente, vida democrática politicamente, e vida humanística filosoficamente, se dá em torno das instituições mesmo, e não em torno de pessoas. Porque só as instituições são permanentes. Seus ocupantes são transitórios, mas só as instituições são permanentes, transparentes e impessoais.

O senhor falou em uma outra entrevista que a Constituição governa permanentemente, quem governa transitoriamente. E que assim como a nação é mais do que o estado e o estado é mais do que o governo, o presidencialismo é maior que o presidente da República e o poder executivo é mais que o respectivo chefe. Precisamos estar vigilantes às ameaças feitas pelo presidente a nossa democracia, ministro?

Precisamos sim estar atentos e vigilantes em prol da nossa democracia. Como disse Thomas Jefferson, que foi o 3º presidente dos Estados Unidos da América e constitucionalista de grande mérito, o preço da liberdade democrática é a eterna vigilância. Um slogan de que se apropriou aqui no Brasil a antiga União Democrática Nacional (UDN), mas essa frase é dele. Então cidadania, que é o segundo fundamento da República Federativa do Brasil, é essa eterna vigilância, é esse controle social do poder. O controle do poder pela sociedade civil. Não só por órgãos da sociedade estatal, como por exemplo o Ministério Público, o Tribunal de Contas e o próprio Legislativo. Então numa democracia a gente percebe que ela mesma é substantivamente o mais qualificado projeto de vida nacional. Formalmente, o mais qualificado projeto de vida nacional é a Constituição. Substantivamente o mais qualificado projeto de vida nacional é a democracia.

Volta e meia o presidente Bolsonaro tenta colocar as Forças Armadas dentro da disputa política. Até onde a Marinha, o Exército, e a Aeronáutica poderão se insurgir ao que prevê a letra fria da Constituição?

Entendo que as Forças Armadas já internalizaram o entendimento juridicamente correto de que elas são criaturas da Constituição. A fonte de legitimidade delas é a Constituição. As primeiras continências que militarmente devem ser batidas são continências à Constituição. E não a fulano, beltrano ou sicrano. As Forças Armadas sabem que são criaturas de uma Constituição eminentemente democrática. De uma Constituição que fez da democracia o princípio continente de que todos os outros princípios são conteúdos. Como, ilustrativamente, o Legislativo, o poder Judiciário, a imprensa, a livre iniciativa, as universidades, os sindicatos, e as próprias Forças Armadas. E as Forças Armadas bem sabem que didaticamente elas estão normadas no título 5o da Constituição cujo didático nome é o seguinte: “Da defesa do estado e das instituições democráticas”. Vale dizer, da defesa do estado democrático e das respectivas instituições. As Forças Armadas estão à serviço, portanto, do estado democrático e das respectivas instituições. Por isso é que são instituições chamadas constitucionalmente de permanentes. Os governantes passam, as Forças Armadas ficam. Elas são órgãos de estado e não de governo. Nessa medida, bem sabe que a democracia somente tem a conviver do modo mais harmonioso e reverente possível com as Forças Armadas e vice-versa.

Ministro, o senhor é um dos maiores constitucionalistas que a gente tem no país, é ex-presidente do Supremo Tribunal Federal. Para finalizar, com a experiência e com a sensibilidade que o senhor tem, o que o senhor acredita que vai acontecer a partir de agora com esse clima de animosidade que a gente passou a viver hoje no Brasil?

Bem, a democracia não pode perder a oportunidade para colher lições, para se fortalecer, para se entender como substantivamente a principal razão de ser desse projeto nacional de vida insuperavelmente qualificado. Queremos um projeto nacional de vida insuperavelmente qualificado? Queremos? Vamos seguir a Constituição. Meio caminho já está andado. A Constituição em si mesma já é meio caminho. A metade do caminho que falta percorrer é tornar essa Constituição corpo vivo, uma realidade concreta, o que só pode acontecer pela plenificação do regime democrático. Quando você fala de golpe contra a democracia, é preciso também alertar para o seguinte: nos tempos de hoje, de comunicação social online, tão materialmente ilimitada quanto planetariamente estendida e instantaneamente acessível, no mundo de hoje de comunicação online instantânea, planetária, e materialmente ilimitada, portanto, é extremamente difícil consumar um golpe contra a democracia. É extremamente difícil. A sociedade não aceita, as autoridades verdadeiramente democráticas não aceitam, as instituições democráticas não aceitam e a comunidade internacional não aceita. E se é dificílimo perpetrar com êxito um golpe contra a democracia, mais difícil ainda é manter o golpe. Muito mais difícil ainda é manter efetivo um golpe contra a democracia. Porque a gente sabe, todos sabem quando começam os regimes autoritários, mas ninguém sabe como eles terminam. E ninguém quer mais correr esse risco. Chega. Isso é página virada, pois em última análise, regime democrático é viagem qualificada de vida civilizatória, sem volta.

Nós estamos na véspera de um ano eleitoral, em que percebemos um tensionamento muito grande na política e os antagonismos colocados de forma muito forte no Brasil. Que mensagem o senhor deixa para a população nesse momento onde tantos questionamentos acontecem todos os dias, ministro?

Nós precisamos distensionar esse clima de convivência humana, de coexistência social. Os dias correntes se caracterizam por uma fricção, um tensionamento, um antagonismo. A ambiência, o clima, o ar que se respira é de confronto. E isso é o que pior pode acontecer a um país, a ponto de o dia 7 de setembro, longe de unir os brasileiros, se viu de ponto de desunião. Precisamos, portanto, distensionar esse ambiente político o quanto ontem. Precisamos distensionar esse ambiente político, desfriccionar, desestressar esse ambiente político o quanto ontem. Não é “o quanto antes”, é “o quanto ontem”. É o que nos cabe fazer, é o que há de mais estratégico para desanuviar esse ambiente. Despoluir politicamente, filosoficamente, humanisticamente, culturalmente, vale dizer, democraticamente, civilizadamente esse ambiente. Despoluir civilizatoriamente nossa vida coletiva é a palavra de ordem e nos cabe proferir com toda ênfase.

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