ENTREVISTA – CARLOS HENRIQUE PASSOS
‘O subsídio para indústria virou uma palavra maldita no Brasil’
Novo presidente da Fieb defende, em entrevista ao A TARDE, incentivos pra fortalecer a indústria nacional
Por Divo Araújo
O empresário Carlos Henrique Passos tomou posse, no último dia 17, na presidência da Federação das Indústrias do Estado da Bahia (Fieb) com uma série de desafios pela frente. Dentre eles, está o de ampliar a contribuição da Federação para o desenvolvimento do Estado, seja através do apoio à indústria, ao desenvolvimento de novas tecnologias ou na formação e qualificação de pessoas.
Para tanto, Henrique Passos conta com um sistema formado pelo Sesi, Senai, Cieb, além de outros órgãos, escolas e do Cimatec. Nesta entrevista exclusiva ao A TARDE, o presidente da Fieb não só fala do trabalho desenvolvido por todo sistema, mas também de Reforma Tributária, energias renováveis e da necessidade de se discutir sem preconceitos os subsídios para o setor industrial no Brasil. Veja tudo isso na entrevista que segue.
Ao tomar posse, o senhor falou em reforçar o papel da Fieb como indutora de desenvolvimento do estado. Na prática, como a Federação pretende agir para atingir esse objetivo?
O foco de certa forma é reforçar e aperfeiçoar o que já vem sendo feito. O papel da Fieb é, entre outros, exatamente esse que você destacou do discurso. Como fazer? Primeiro, buscar ter um corpo. Porque a Fieb é um sistema. Temos a própria Federação, o Cieb (Centro das Indústrias do Estado da Bahia), o IEL (Instituto Euvaldo Lodi), o Sesi (Serviço Social da Indústria), o Senai (Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial). Principalmente essas três últimas que são unidades prestadoras de serviços. Elas já trabalham dessa maneira e, claro, vou tentar aproximar ainda mais o sistema das empresas. Não necessariamente para só vender serviço. Mas também para perceber necessidades e, a partir dessa percepção, atuar de forma efetiva para cada empresa. Outra forma é encaminhar soluções que a Fieb já tem. Nós temos aqui uma gerência que cuida, por exemplo, da área ambiental. A gente já se coloca à disposição das empresas para ajudá-las a obter certificações de licenciamentos. Nós temos outra gerência que trata do Legislativo e Executivo, chamada de relações governamentais. Se a empresa estiver com alguma dificuldade nesse sentido nós buscamos apoiar a interlocução com o governo, Assembleia Legislativa, câmaras municipais. Nós temos outra gerência que cuida do relacionamento com o mercado exterior, seja na área de importação ou de exportação. Defesa dos interesses da indústria e prestação de serviços. Esse é o grande papel que a Fieb tem através de todo o seu sistema. Somado a isso, temos o Cimatec, que é um caso à parte.
Outro ponto que me chamou atenção no seu discurso foi o compromisso em constituir encadeamento suplementares para atender as grandes indústrias. Como ele vai funcionar?
Nós também já fazemos isso procurando auxiliar principalmente as grandes empresas que contratam o nosso IEL para fazer um programa de qualificação de fornecedores. Isso já ajuda toda cadeia de fornecedores, que orbitam junto às empresas âncoras, a se documentar e se aperfeiçoarem do ponto de vista técnico para melhor servir aquela cadeia. Outro ponto importante é quando a gente consegue aglutinar várias empresas de um mesmo porte, mesmo negócio, como temos, por exemplo, no polo de habitação do bairro do Uruguai, aqui em Salvador. O sistema ajuda na organização desse arranjo produtivo de forma tal que as empresas podem fazer coisas juntas. É como se fosse uma cooperativa. E mesmo quando não chegamos a ter a instituição das cooperativas, que as empresas conversem e se complementam, porque a indústria requer muita especialidade. Uma empresa que tem muita especialidade tende a não ser produtiva. À medida que você organiza esses processos, dentro desse encadeamento, você ganha produtividade. Foi assim que a Ford chegou à Bahia. A gente falava nos sistemistas da Ford. Ao invés da Ford fazer tudo, cada etapa do processo produtivo era feito por uma determinada empresa para que a soma de especialidades gerasse um custo menor lá na ponta.
Falando agora do braço educacional da Fieb, que é o Sistema S. O senhor falou em interiorizar o sistema e também em ajudar a Bahia a ter uma educação básica de qualidade. Quais são os planos neste sentido?
Vamos começar pelo básico. Nós temos aqui o Sesi, que possui uma rede escolar que hoje tem cerca de 10 mil alunos no ensino regular. E também educação de jovens adultos e educação de qualificação. Mas no ensino regular – aquele que é fornecido pelas escolas públicas municipais, estaduais ou da rede privada – o Sesi também tem sua rede. Essa rede, que a gente vem trabalhando ao longo do tempo, é um dos meios para chegar no interior do estado. Hoje, nós temos escolas em Luís Eduardo Magalhães, Barreiras, Vitória da Conquista, Ilhéus, Itabuna, Juazeiro, Camaçari. No início do próximo ano, teremos uma em Teixeira de Freitas. Nós temos uma escola em Candeias que hoje funciona numa instalação de terceiros. E temos projeto de expandir essa rede para outros municípios ou reforçar em lugares como Salvador. Aqui, na capital baiana, temos escolas regulares em Itapagipe, Retiro e Orlando Gomes. São três unidades grandes. E ainda vamos duplicar a de Itapagipe. Nossa pretensão não é substituir o Estado ou a prefeitura, mas servir de referência. À medida que você passa a ter uma escola, como nós temos, que começa a se destacar em olimpíadas, no próprio Enem, a gente serve de referência. Claro que nós poderíamos até ousar mais, mas depende do entendimento do Estado e do município. Alguns Sesis, como o de Minas Gerais, já estão fazendo gerenciamento de grupo de escolas. Eu não vou dizer que esse seja nosso papel.O que fazemos hoje é oferecer uma escola de qualidade a um preço acessível, principalmente para os industriários, os filhos dos industriários, mas que também atende a sociedade. Nós temos um programa de bolsa para pessoas carentes. Isso é na área da escola regular. E nós temos o Senai e as escolas técnicas. São escolas que atendem alunos do ensino médio e pós-ensino médio que não estão em escola de graduação e buscam num curso profissional uma empregabilidade. Lançamos edital semana passada para mais 6.500 vagas e novecentas e pouco são só para bolsistas. Isso no nível da escola técnica. São vários cursos alinhados com o interesse industrial. Tem algumas coisas transversais, alguns cursos de administração, mas a maioria são cursos de eletrotécnica, eletromecânica, refrigeração, edificações, química. A maior parte está diretamente relacionada com a atividade industrial. Porque nosso papel é prover pessoas novas para abastecer e atender as indústrias.
Onde é que o Cimatec entra nessa equação?
Muitas dessas escolas técnicas estão no Cimatec. Mas lá, além das escolas técnicas, nós temos cursos de graduação, temos um curso de arquitetura e sete cursos das diversas áreas da engenharia. São grades curriculares que a gente está sempre revisitando para dar um ajuste nas necessidades do mercado. Há alguns anos, quando eu era presidente do Sinduscon (Sindicato da Indústria da Construção do Estado da Bahia), por exemplo, fui convidado para discutir a grade curricular do curso de engenharia civil. Para mostrar o que as construtoras estavam pedindo e, dessa forma, os cursos atenderem às expectativas do mercado. Temos ainda cursos de mestrado e doutorado que desenvolvem projetos de pesquisa e desenvolvimento. O Cimatec desenvolve projetos de inovação, licenças, tecnologia e melhoria de processos. Mas você só faz isso porque tem pessoas. Se a gente pegasse aqui o volume de contratos e convênios que o Cimatec teve, ao longo de cinco anos, é sempre crescente. E cresceu por quê? Primeiro pelo espaço físico. O Cimatec foi inaugurado em 2019 e hoje tem quase o dobro do tamanho de quando foi inaugurado. Mas, sobretudo, porque tem pessoas. E essa formação de pessoas cumpre outro papel que nós aqui da Bahia às vezes nos queixamos, que é reter talentos. Como formar pessoas e elas se sintam atraídas a ficar na Bahia. Eu tive a oportunidade de ouvir de um coronel que foi diretor do Colégio Militar, na Pituba, que me contou o seguinte: todo ano chega gente no colégio perguntando quem são os dez melhores alunos para levar para essa ou aquela cidade. Porque é certeza que essas pessoas vão passar muito bem no vestibular e, lá na frente, atrair outras famílias que podem pagar por aquela escola.
A gente vê esse êxodo de alunos do Cimatec?
Na pandemia, por exemplo, nós perdemos muitos profissionais, principalmente da área de TI, para outros lugares. Mas nem por isso o Cimatec se abalou. Por que não se abalou? Porque está formando mais gente. Esse ciclo de formar pessoas dentro do Cimatec permite alimentar o mercado. Porque nem todo mundo que se forma no Cimatec vai virar cientista. O próprio Sesi, no seu processo de formação regular, desenvolve algumas técnicas na área da robótica para despertar essas pessoas para o mundo industrial da engenharia. Claro que muitos desses estudantes vão fazer medicina, direito, dentro de uma liberdade de escolha. Não há nenhuma vinculação, mas as pessoas são despertadas para a iniciação científica.
Estamos falando de tecnologia e aproveito para perguntar como o senhor avalia o potencial de energias verdes para descarbonizar a indústria no país e como a Bahia se insere nesta tendência da indústria verde?
Vejo como uma oportunidade para a Bahia, que já é o maior produtor de energia eólica do país. Tem uma boa produção de energia fotovoltaica também. Quando a gente fala em produto verde, muito se associa ao hidrogênio verde. Mas não necessariamente. Se você tiver uma planta industrial na qual a energia que move aquele processo é renovável, o produto já é verde por natureza. Não precisaria transformar essa energia eólica, solar, biomassa, hidráulica, em hidrogênio verde. Isso não faz sentido. Faz sentido substituir a energia, por exemplo, movida a carvão mineral, termelétricas a óleo, por hidrogênio verde. O que tem hidrogênio verde de diferente? É que você pode produzir hidrogênio verde aqui e mandar para Europa, Ásia. É uma energia transportável. E, por ser uma energia transportável, tem um papel que as outras não têm. O máximo que você pode transportar energia é via cabos. Mas há uma perda de energia no transcurso de um cabeamento de transmissão.
Ainda falta muito para que o hidrogênio verde se torne uma alternativa viável?
Ao contrário, o hidrogênio verde é uma corrida do mundo. Para se produzir hidrogênio verde você precisa dos insumos. E quais são eles: energia renovável, água e equipamentos capazes de tirar o hidrogênio da água para formar essa energia. O mundo precisa fabricar esses equipamentos. Se o Brasil não se adiantar vai ficar para trás. Algumas praças já estão se desenvolvendo. Os Estados Unidos, por exemplo, estão num projeto muito arrojado de produção de hidrogênio verde. A Europa também está se desenvolvendo a partir inclusive da energia oceânica. Esse processo tem que andar. E o Brasil não pode esperar, sob pena inclusive dos seus produtores industriais ficarem à margem para exportação. Já soube de uma empresa industrial aqui da Bahia que já recebeu a notificação do mercado europeu. Olha, você tem que descarbonizar seu produto, sob pena de ter que pagar uma taxa para entrar aqui. Tem um artigo que li recentemente e diz o seguinte: esse trem da história não está parado; ele está andando.
A Bahia está bem situada nesse trem?
Como disse, a Bahia tem um diferencial competitivo muito forte. Nós temos energia eólica, fotovoltaica, podemos também produzir numa escala boa energia da biomassa. Temos água também. Porque alguns estados, inclusive do nosso Nordeste, tem problema com água. Já estamos com algumas plantas industriais para instalação do hidrogênio verde.
O presidente da CNI e ex-presidente da Fieb, Ricardo Alban, afirmou que talvez essa seja a última chance dessa geração de revitalizar a indústria no país. O senhor acredita que estamos no caminho certo para esse processo de "neoindustrialização"?
Estamos num momento muito propício para aproveitar essa oportunidade. Mas, para isso, temos diversos desafios. Desafios de questão energética, que a gente estava discutindo aqui. Precisamos também modernizar as indústrias com equipamentos com maior grau de automação para poder ganhar maior produtividade. Temos questões que transcendem a indústria, como ter uma taxa de juros mais equilibrada e competitiva do ponto de vista mundial. Nós temos a questão da infraestrutura. Em São Paulo, muitas vezes você está com o insumo e o mercado pertos. Aqui, na maior parte das vezes, nós estamos perto do insumo. Mas é um perto que muitas vezes é longe. Por exemplo, se você fizer um benefício da soja aqui em Salvador, você está a mil quilômetros do oeste da Bahia. Ao mesmo tempo tem que está perto do mercado consumidor. Por isso precisamos resolver o problema da infraestrutura. E, para que acompanhe essa modernização de equipamentos, melhoria de processo, nós precisamos ter pessoas com maior grau de educação, que possam absorver conceitos novos. Se a gente resolver os lados internos das empresas e cuidarmos desse ambiente externo - que envolve juros, infraestrutura e pessoas - a gente está no caminho certo para de fato alcançar a "neoindustrialização".
O vice-presidente Geraldo Alckmin fala muito em um processo de reindustrialização do país. Estamos muito longe ainda?
Nós estamos iniciando essa jornada. Vejo como muito positiva a escolha de um vice-presidente para ser ministro da Indústria e Comércio. Alckmin é um político experiente, já foi governador de São Paulo por três vezes e é vice-presidente da República. Mas isso só não resolve. A mesma coisa: temos o Ricardo Alban como presidente da CNI (Confederação Nacional da Indústria). Mas ele sozinho não vai resolver. Mas eles têm capacidade de articular para buscar soluções. Na quinta-feira passada, participei do lançamento do Programa Brasil Mais Produtivo. Estavam lá o ministro Geraldo Alckmin, a ministra Luciana Santos (Ciência, Tecnologia e Inovação), o ministro Márcio França , o BNDES, entre outras instituições, e Alban, presidente da CNI. É um bom começo, você conseguir articular várias pastas governamentais, vários representantes de fundos de fomento para inovação e tecnologia. Estava lá também o Sebrae, que vai ser um parceiro importantíssimo nesse programa. E o que é esse programa? É tentar trazer a pequena e média empresa para esse mundo da "neoindustrialização". Isso significa melhorar o processo produtivo. Nós temos empresas que estão produzindo muito menos do que poderiam. Mesmo que não troque a máquina, só precisa melhorar os processos de produção. No Cimatec, por exemplo, temos laboratórios que chamamos de fábrica 4.0, que mostra o quanto a empresa poderia melhorar a produtividade arrumando o layout de produção. Sem trocar equipamentos. Ah, mas pode trocar de equipamento? Pode, melhor ainda. Imagine, como uma pessoa trocava um pneu de carro numa borracharia no passado. E como faz hoje? Há uma melhoria de processo enorme. A mesma coisa é a indústria. Tem muita indústria que ainda faz as coisas como fazia há 20, 30 anos. E hoje pode fazer muito melhor, sem trocar máquina, só melhorando processo. Mas se precisar melhorar as máquinas? Nesse arranjo do Brasil Mais Produtivo vão ter alternativas. O governo não vai dar máquina para ninguém, mas vai poder criar linhas de financiamento para essas aquisições.
As empresas no mundo receberam US$ 40 bilhões a mais em subsídios no primeiro semestre de 2023. Os incentivos são fundamentais para ampliar a competitividade da indústria nacional?
É uma pauta que o ex-presidente da Fieb já externou e vocês da imprensa têm um papel fundamental neste sentido. Se você olhar especificamente os Estados Unidos, você vai ver que eles estão colocando muitos recursos para atrair indústrias para o país. Porque eles sentiram, como nós sentimos na pandemia, a ausência de determinados produtos. E não dá para ficar dependendo de tudo da China, em que pese o papel que hoje ela tem na economia mundial. No Brasil, o subsídio virou uma palavra maldita. Mas é preciso olhar se esse subsídio é para privilegiar alguns ou se é para incentivar a economia de uma forma maior. Só um exemplo para a gente ter clareza. O Simples ou Super Simples, boa parte das microempresas têm esse modelo fiscal. Ele é o maior programa de subsídio classificado assim por determinados economistas. A questão que deveríamos perguntar é: se não tivesse o Simples, essas empresas estariam onde? Produzindo e pagando imposto como hoje. Ou estariam na informalidade ou mesmo não existiriam. Discutir o subsídio, como política de governo, é uma temática importante. Eu li recentemente que o primeiro-ministro da Alemanha quer fazer um programa para tirar o país de certo marasmo. Esse talvez seja o segundo ano que a Alemanha vai ter retração econômica. As indústrias da Alemanha vão pagar, salvo engano, seis centavos de euro por quilowatt-hora. Não é o setor A, o setor B, é a indústria. O que a gente tem que tentar perseguir, e já há uma consciência disso, é que não se crie subsídio para privilegiar determinados setores. Mas criar incentivo para que se desenvolva ou para que se mantenha um segmento como industrial é importante.
A indústria hoje no Brasil é penalizada por uma carga tributária pesadíssima. A situação do setor industrial vai melhorar com a Reforma Tributária que voltou para Câmara de Deputados?
Acho que vai melhorar à medida que ela tem como fundamento a tributação por valor agregado. Esse modelo de tributação é fundamental quando comparado ao modelo atual. No modelo atual há uma capitalização de impostos. Para ganhar produtividade, a indústria precisa que várias partes do encadeamento produtivo atuem em série ou em paralelo, porque cada um vai ter sua eficiência num determinado segmento. E lá no final sai um produto mais barato. No conceito de tributação agregado, isso é preservado. No modelo atual, as empresas tendem a querer fazer tudo. Do início ao fim do processo. E ninguém consegue ser bom em tudo. Então, há uma expectativa muito grande de uma melhoria de produtividade da indústria à medida que a Reforma vai estimular a especialização.
O governador de Goiás, Ronaldo Caiado, que é um dos maiores opositores da Reforma Tributária, critica o fim da possibilidade dos estados concederem incentivos fiscais para atrair investimentos, como a Ford. Como o senhor vê esse ponto?
A Reforma não vai impedir. Ela apenas vai carimbar recursos orçamentários para poder fazer isso. O que é muito bom do ponto de vista da transparência. O estado que quiser subsidiar tal setor vai ter que dizer: vou botar tantos milhões nesse ou naquele setor.
Mas isso depende da aprovação do Congresso. O que Caiado argumenta é que, como o Congresso tem representações de todo Brasil, dificilmente o parlamentar de outra região vai votar de forma favorável para que determinado estado conceda a isenção...
A gente vai ter que ver isso ao longo do tempo. O que nós estamos aprovando agora é o marco constitucional. Mas conceitualmente ninguém está impedido de fazer. Apenas não vai poder fazer com alíquotas tributárias diferentes e vai poder carimbar recursos. Outro ponto, que vai na contramão do que o governador Caiado defende, é que muitas vezes a gente não olha qual foi o modelo econômico do Nordeste. Eu comecei a trabalhar em 1975. Já existia a Sudene, o Banco do Nordeste, o BNDES. Todo modelo de atratividade de investimento foi voltado para a empresa. E muitas vezes, depois daquele período, a empresa fechou as portas e foi embora para outro lugar. Será que não devemos discutir essa questão da desigualdade regional pelas razões que nos fazem diferente? Por que nós somos diferentes de outras regiões? Somos diferentes por ter infraestrutura deficitária. Por ter pessoas com nível de qualificação, seja educacional ou profissional, menor. Se nós trabalharmos para superar esses desvios, não vai precisar de incentivos ou vai se precisar de muito menos. E se, eventualmente, não conseguirmos atrair a indústria, a sociedade que está morando ali vai se beneficiar desse crescimento da infraestrutura, dessa educação maior. É outra forma de ver o desenvolvimento. Eu acredito muito na Reforma Tributária. Acho que ela tem papel de dar transparência para nós que pagamos impostos. Hoje, a gente não sabe exatamente quanto tem de imposto em cada um daqueles produtos que a gente leva para casa. A Reforma Tributária vai dizer: é 27%, é 25%. Isso vai dar uma percepção de quanto se paga de imposto. Na hora que você tem essa percepção, acredito que o grau de exigência nosso para os serviços públicos que devam ser prestados vai ser mais efetivo. Quando o trabalhador perceber que do salário que ele ganha tantos reais vão ficar para poder o Estado lhe oferecer saúde, segurança, educação, infraestrutura, mobilidade. Eventualmente se esses serviços não chegarem na qualidade que é desejada, essa pessoa terá muito mais capacidade crítica de exigir a melhoria deles. Vejo a Reforma como algo que resgata inclusive a cidadania das pessoas à medida que elas vão se tornar muito mais críticas em relação ao que paga e ao que recebe.
Para concluir, tivemos a vitória de Javier Milei na Argentina , o que pode enfraquecer o Mercosul. Temos também o acordo não celebrado com a União Europeia. Como esse contexto geopolítico pode beneficiar ou prejudicar a indústria nacional?
Afeta muito, ora para bem, ora para mal. O importante ver é o seguinte: essa relação, seja entre países dentro de um bloco ou entre blocos econômicos, é importante para que as transações ocorram com maior facilidade. Mas ele foi eleito presidente da Argentina e, a partir daí, vai tomar posse. E pode ter pontos de vista diferentes do que saiu. Vai ter eventualmente pontos de vista diferentes dos nossos. Mas se eles construírem o diálogo, vão buscar um consenso em favor do Mercosul e vão buscar o melhor para o bloco. Ninguém se candidata para um cargo tão importante para ser ruim. Você se candidata para ser o melhor. Às vezes você pode ter crenças diferentes, mas desde que tenha valores iguais, o que é o melhor para sociedade, vai haver uma convergência e uma melhoria para todos nós.
Raio-X
Vice-presidente da Federação das Indústrias do Estado da Bahia (Fieb) desde 2014 e membro do Conselho Regional do Sesi Bahia, Carlos Henrique Passos é engenheiro e sócio-diretor da Gráfico Empreendimentos Ltda. Na Fieb, atuou como integrante dos comitês da Cadeia da Indústria da Construção e de Obras e do Conselho de Contas do Sesi Bahia. Ex-presidente e atual conselheiro do Sindicato da Indústria da Construção do Estado da Bahia (Sinduscon-BA), foi eleito este ano 1º vice-presidente da Câmara Brasileira da Indústria da Construção (CBIC).
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