SALVADOR
Encontro debate preservação da memória e do patrimônio
Evento reúne profissionais de diversas áreas da arquitetura e do patrimônio
Por Ian Peterson*
A transformação de antigos centros de repressão em espaços de memória, como o museu argentino que preserva a história de abusos durante a ditadura, reforça a importância de resguardar o patrimônio edificado para educar e sensibilizar as gerações futuras. Assim, crianças e jovens que visitam esses espaços conhecem a história do local, compreendem o impacto desses eventos na sociedade e são incentivados a se posicionarem contra sua repetição. Esse é o objetivo do encontro internacional ArquiMemória 6, que acontece desde terça-feira, 5 até o dia 8 de novembro, em Salvador.
O evento reúne profissionais de diversas áreas da arquitetura e do patrimônio, incluindo professores, estudantes, pesquisadores, dirigentes e técnicos de órgãos públicos nas esferas federal, estadual e municipal, além de arquitetos, urbanistas e profissionais liberais atuantes na preservação e valorização do patrimônio cultural.
O diretor-geral do evento, o arquiteto Nivaldo Andrade, ressalta a importância da preservação do patrimônio cultural como materialização da memória coletiva de uma sociedade, cidade ou país. Segundo Andrade, “o patrimônio edificado é a materialização da memória. A memória existe, mas sua materialização facilita que ela seja lembrada e passada de uma geração para outra”. Ele destaca que, ao preservar a arquitetura e os espaços históricos, assegura-se que futuras gerações compreendam a história de suas comunidades.
A história contada no início do texto é referente ao Museu Sítio de Memória Esma (Escuela de Mecánica de la Armada). Durante a apresentação ontem, o arquiteto argentino Martin Capeluto abordou a transformação da Escola em um espaço dedicado à memória histórica, um importante marco na luta pelos direitos humanos no país vizinho, a Argentina. A ESMA foi um dos centros mais notórios de repressão durante a ditadura civil-militar na Argentina, entre 1976 e 1983. Nesse período, mais de 700 locais de detenção ilegal existiram no país, e aproximadamente 5.000 pessoas foram sequestradas e desapareceram.
O arquiteto que participou da reforma no local contou um pouco sobre o processo. “Em 2004, conseguimos recuperar e ressignificar o espaço, preservando sua integridade e autenticidade para evidenciar os crimes cometidos, tornando-se o Espaço Memória e Direitos Humanos ex-ESMA. Em 2015, o Museu Sítio de Memória da ESMA foi inaugurado”, explicou. No ano passado, foi reconhecido pela UNESCO como Patrimônio Mundial.
Nivaldo acredita que com a história do ESMA o negacionismo foi afastado dos argentinos. “Todo mundo sabe hoje na Argentina que existe uma ditadura atroz, que violou, ninguém nega” conclui Andrade.
E é claro que no Brasil existem memórias que precisam ser preservadas, e a contribuição dos povos da diáspora negra para o patrimônio brasileiro é um exemplo. De acordo com Nivaldo, o Brasil é um país pioneiro no tombamento e no reconhecimento de espaços relacionados ao legado da diáspora africana como patrimônio cultural. Esse reconhecimento abrange locais e tradições que representam a resistência e a resiliência dos afrodescendentes ao longo da história. Os terreiros de Candomblé, por exemplo, não são apenas lugares de culto, mas também espaços fundamentais de preservação cultural e ancestralidade, essenciais para a memória coletiva do país.
Da mesma forma, as comunidades quilombolas simbolizam a luta pela liberdade e pela manutenção de práticas culturais transmitidas entre gerações. A recente regulamentação do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), que estabelece o tombamento de documentos e sítios históricos dos antigos quilombos, reforça a importância de ações que garantam a proteção e visibilidade dessas memórias, valorizando a rica contribuição dos povos negros para a formação da identidade e da diversidade cultural brasileiras.
Nivaldo ressalta que a preservação do patrimônio da diáspora negra é essencial para garantir que as futuras gerações compreendam a história e as raízes culturais do Brasil. “O patrimônio é a materialização da memória”, afirma ele, explicando que, por meio de construções e espaços históricos, é possível assegurar que a memória coletiva de uma sociedade permaneça viva e acessível. Ele destaca que lugares como os terreiros de Candomblé, que já são tombados em Salvador, São Luís do Maranhão, Cachoeira e Itaparica, representam mais do que simples edificações. “Se a gente não preserva esses lugares de memória,” alerta Nivaldo, “as futuras gerações podem perder a referência de suas histórias e culturas”.
Com essa preservação, cria-se um vínculo direto entre o passado e o presente, permitindo que a sociedade, especialmente jovens e crianças, reconheça a importância desses espaços e suas histórias.
Programação Completa do Evento
Terça-feira, 05/11
Centro de Eventos SENAI/CIMATEC
8h30 - Credenciamento
9h - Cerimônia de abertura
Quarta-feira, 06/11
Centro de Eventos SENAI/CIMATEC
9h - Conferência Magistral 1: Alexandre Alves Costa e Sérgio Fernandez (Portugal) - "Sete axiomas e uma pergunta retórica sobre Arquitetura Portuguesa" (Tradução português-inglês)
10h - Conferência Magistral 2: Martin Capeluto (Argentina) - "A ESMA, de Centro Clandestino de Detenção, Tortura e Extermínio a Museu Lugar de Memória" (Tradução português-espanhol-inglês)
11h - Conferência Magistral 3: Alexandre Alves Costa e Sérgio Fernandez (Portugal) - "Lugares e nós de memória: lendo os memoriais dedicados à escravidão colonial" (Tradução português-francês-inglês)
12h - Conferência Magistral 4: Rossila Gossanou (França) - "Lugares e nós de memória: lendo os memoriais dedicados à escravidão colonial" (Tradução português-francês-inglês)
12h30 - 14h | Lançamento de Livros no Hall do Centro de Eventos
14h - Mesas Redondas e Sessões Temáticas
16h - Mesas Redondas e Sessões Temáticas
18h - Mesas Redondas e Sessões Temáticas
18h30 - Intervalo
20h30 - Mesas Redondas e Sessões Temáticas
Quinta-feira, 07/11
Centro de Eventos SENAI/CIMATEC
9h - Conferência Magistral 5: Fábio Velame (Brasil) - "Arquiteturas e Cidades Africanas e suas Diásporas no Brasil" (Tradução português-inglês)
10h - Conferência Magistral 6: Amra Hadžimuhamedović (Bósnia) - "Patrimônio em contextos de reconstrução pós-guerra: Bósnia, Kossovo, Palestina e Iraque" (Tradução português-inglês)
11h - Conferência Magistral 7: John Pendlebury (Reino Unido) - "Conservação e Regeneração: o caso do Reino Unido" (Tradução português-inglês)
12h - Conferência Magistral 8: Claudio Varagnoli (Itália) - "...du bist so schön' Problemas e desafios na proteção da arquitetura do nosso tempo" (Tradução português-inglês)
12h30 - 14h | Intervalo
14h - Mesas Redondas e Sessões Temáticas
16h - Mesas Redondas e Sessões Temáticas
18h - Mesas Redondas e Sessões Temáticas
Sexta-feira, 08/11
Faculdade de Arquitetura (manhã)
Reitoria da UFBA (tarde)
9h-11h - Sessões Temáticas
11h-13h - Mesas Redondas e Sessões Temáticas
13h-14h30 | Intervalo
15h - Conferência Magistral 9: Pablo Hereñú e Eduardo Ferroni (Brasil) - "A reconstrução do Museu Nacional no Rio de Janeiro" (Tradução português-inglês)
16h - Conferência Magistral 10: Márcia Sant'Anna (Brasil) - "Diáspora negra no Brasil: reflexões sobre colonização e patrimônio a partir do trânsito de terreiros de candomblé entre Bahia e Rio de Janeiro" (Tradução português-inglês)
17h - Mesa de Encerramento (Local: Reitoria da UFBA)
18h30 - ARQUI EMORIA
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